Henrique Fendrich 04/09/2019
O caixote de David Coimbra
A graça de falar sobre um tema polêmico, que divide os brasileiros em opiniões geralmente apaixonadas, é que a chance de ser lido aumenta consideravelmente. É provável que nunca antes na história deste país um livro do cronista David Coimbra tenha recebido tanto destaque nas livrarias. Por outro lado, não se pode concluir daí que o escritor consiga agradar a um maior número de pessoas. Sobretudo se ele não tomar posição definida por um dos lados da disputa. Essa independência intelectual é um dos méritos de David Coimbra. Nem por isso, no entanto, ele está livre de ser tão dogmático como seria se optasse por um dos lados. Ali, do alto de suas crônicas políticas, não há muito espaço para dúvidas ou contradições, como seria de se esperar de quem prefere refletir por si só a seguir o pensamento da manada. Ao contrário, o que David tem a mostrar são certezas, talvez não as de um partido ou de uma ideologia, mas igualmente absolutas. Pode ser que o cronista se divirta com a reação que isso causa em seus leitores, mas isso também parece matar a sua crônica.
Ao selecionar os textos que fariam parte de “A graça de falar do PT e Outras Histórias” (L&PM), o escritor confessou sua dificuldade para decidir entre os atemporais e os factuais. Por fim, optou por ambos, de maneira que o resultado foi muito diferente daquele que alcançou com seu último livro de crônicas, o excelente “As velhinhas de Copacabana” (L&PM, 2013), essencialmente atemporal. Agora são diversos os textos que, em pouco tempo, só poderão ser lidos com notas de rodapé. Soma-se a isto o fato de que não há muita possibilidade de diferenciação entre essas crônicas e a leitura do resto do jornal.
Uma das visões mais celebradas a respeito da crônica é a sua negação da retórica que usualmente permeia as páginas do jornal, ainda que o cronista se ocupe de notícias. É a ideia de que a crônica representa um descanso ou um respiro diante da realidade do mundo. Talvez esta seja uma visão romântica do gênero, que, afinal, também abriga dentro de si o artigo opinativo, mas é certamente muito mais cansativo que, após a transição para o livro, ainda continuemos com a impressão de estar lendo o jornal.
Apesar do recorte que privilegia esse tipo de texto, David também escreve crônicas com características que se costuma celebrar no gênero. O desejo de simplicidade está muito presente no que escreve, assim como o relato de cenas cotidianas. E, embora às vezes o efeito pareça calculado, consegue resultados belíssimos, o que se comprova logo a partir da primeira crônica, sobre o seu filho. Como o cronista mora nos Estados Unidos, consegue fazer comparações bem interessantes entre os modos de vida daqui e de lá, além de descrever personagens curiosíssimos, sobre os quais imagina as mais improváveis histórias. É quando ele lembra o cronista do livro anterior, que não subiu em caixotes para fazer discursos.
Essas crônicas, no entanto, sofrem com o tamanho excessivo do livro (são quase 300 páginas). E o período de seleção para tantas crônicas também foi curto, menos de dois anos. Talvez uma seleção mais enxuta, levando em conta que quem escreve rotineiramente em jornal não conseguirá ser sempre brilhante, fizesse bem ao livro. E talvez até diminuísse os efeitos da pregação política.
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