Dudi 20/11/2019Não acreditem na sinopse: ela não soluciona o crime!A arte do descaso é um livro reportagem da jornalista Cristina Tardáguila que investiga o que de acordo com o FBI é o maior roubo de arte do Brasil, de peças avaliadas em mais de 10 milhões de dólares, que está entre os dez maiores do mundo. O interesse da autora pelo tema ocorreu quando ela percebeu que após cinco anos decorrido o crime, ele foi esquecido pelas mídias e pelas autoridades, sem qualquer solução, apesar de sua gravidade em escala mundial.
A autora começa o livro narrando o assalto ocorrido em pleno carnaval, no Museu da Chácara do Céu, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Após relatar a cena do crime, a escritora começa a descrever seus desdobramentos com base em relatos e entrevistas de testemunhas, nos quais a demora, falta de conhecimento, capacitação e esforço das autoridades são evidentes, destacando a falta de estrutura do poder público para situações como essa.
Cristina Tardáguila fez um grande trabalho de coleta de informações, detalhamento, e contextualização. Diferente da polícia ela falou com todas as pessoas presente durante o ocorrido, fez ligações entre possíveis suspeitos que a própria polícia não fez, avaliou as informações disponíveis cuidadosamente, percebeu as falhas cometidas pelas autoridades assim como possíveis linhas de investigação. Sempre que faz referências a pesquisas ou estudos, ela cita diretamente a fonte e onde podemos encontrar aqueles dados mais detalhados. Quando realiza entrevistas ela sempre contextualiza o personagem, falando se sua formações, história, possível envolvimentos, momentos em que os entrevistou, suas expressões faciais e sentimentos que pareciam exprimir. Dessa forma, foi possível perceber o esforço da escritora para relatar com fidelidade o caso. Contudo, como uma jornalista, que deveria procurar analisar os fatos com imparcialidade e evitar um envolvimento pessoal, é perceptivo uma obsessão pelo tema. Desse modo, seu trabalho como um livro reportagem fica comprometido e a própria autora relata precisa voltar ao seu papel de jornalista, abandonar o “apego emocional” e enfim estruturar sua reportagem.
Outro fato que me incomodou bastante foi o modo como esse livro foi apresentado ao público. Meu primeiro contato com essa obra foi através de resenhas publicadas na internet. Em quase todas, inclusive no título, era ressaltado que Cristina solucionou o maior crime de roubo de obras de artes do país, que enfrentou diversas situações de riscos assim como viajou para o exterior seguindo possíveis pistas da localização das peças roubadas. Todas essas afirmações são falsas, e quem as escreveu obviamente não leu o livro.
Cristina encerra seu livro com um apelo, falando que era seu desejo solucionar o caso, mas que esse não foi possível, mas que ainda há tempo, pois o crime não prescreveu. Portanto, ela não solucionou o maior roubo de arte do país, mas gostaria que seu trabalho levasse a isso. Sobre as situações de riscos, elas são quase inexistentes. Seu trabalho de apuração envolve poucas situações perigosas, o que inclusive leva o leitor a certa monotonia na leitura nos primeiros capítulos. Por fim, ressalto que a autora não viajou em momento algum atrás de qualquer pista do paradeiro das obras roubadas, ele viaja para participar de encontros, conversar com especialistas, conhecedores ou órgãos que trabalhem com roubo de arte.
Um livro esteticamente bonito, com ilustrações, mas com certa lentidão na narrativa, e sem nada muito “emocionante”. Contudo, é um livro interessante para que tenhamos conhecimento da realidade que nos cerca, e do descaso que a arte enfrenta no nosso país e no mundo. A autora em diversos momentos faz referência a casos ocorrido no Brasil assim como em outros países, o que nos faz perceber como a situação geral é precária. Ela relata casos famosos bem sucedidos como O Grito de Edvar Munch, e outros tristes onde peças raras são destruídas para encobrir o crime. A autora demonstra que o poder público precisa agir e a opinião pública precisa de manifestar. Mais de 10 milhões de dólares foram levados de um museu, talvez as obras tenham sido queimadas, um segurança viu um Picasso ser derrubado e rasgado, o mundo perde um pedaço da história, mas ainda há tempo.