helmalu 26/04/2016Esse livro é animal!"A maioria das pessoas acha que as vacas não pensam. Oi. Peraí que vou reformular essa frase: a maioria das pessoas acha que as vacas não pensam, e que não têm sentimentos. Oi, de novo. Eu sou uma vaca, meu nome é Elsie (é, eu sei). E isso não é conversa pra boi dormir. Viu? Nós pensamos, sentimos e fazemos graça, a maioria de nós, pelo menos."
É assim que a nossa protagonista e narradora se apresenta ao leitor, de um jeito humorado e, também, crítico.
Elsie vive na fazendo com as outras vacas e animais, uma vida pacata e simples, contudo, ela não é uma vaca comum! Elsie é uma vaca descolada e, além disso, é do tipo que questiona as coisas.
Certo dia, quando ela e sua amiga Mallory decidem fugir para ver os touros do outro lado da cerca, Elsie passa ao lado da casa dos humanos e se depara com uma cena que mudará sua vida drasticamente dali em diante: a família assistia ao Deus Caixa (TV) hipnotizados, e o horror dos horrores passava na tela:
"Então eles mostraram as vacas.
As vacas eram mantidas dentro de um enorme galpão, separadas por umas baias de metal bem estreitas. Mas isso não foi o pior. Porque o impiedoso Deus Caixa mostrou o que acontecia a elas depois: um homem levava uma vara de metal à cabeça da vaca, e de repente as pernas da pobrezinha cediam, e ela caía dura, morta. Assassinada. Uma após a outra, dando um último suspiro, como se um interruptor estivesse sendo desligado, simples assim."
E é desse jeito traumático que Elsie descobre o seu destino, e o da maioria das vacas, e também para onde sua mãe foi quando sumiu. Triste demais. Elsie fica transtornada, decide tomar uma decisão: vai para a Índia, pois lá as vacas são sagradas, tomadas por deusas, lá ninguém vai querer colocá-la no meio de um hambúrguer. Decidida do que faria para evitar seu destino cruel, Elsie começa a se preparar para a viagem, porém, como ela mesma diz: "Tente manter alguma coisa em segredo na fazenda. Impossível.", e, assim, o porco Jerry e o peru Tom Turquia, também amedrontados com seus destinos, resolvem se juntar a Elsie em sua viagem rumo ao Oriente Médio.
"Por que será que na hora de deixar algo para trás é que mais damos valor àquilo?"
O peru Tom Turquia quer ir para a Turquia, pois acredita que ninguém o comerá já que seu sobrenome é o nome do país. Já o porco Jerry, que decide mudar o nome para Shalom, quer ir para Israel, já que lá a carne de porco não é comida porque o animal é considerado impuro, assim, ele poderia andar tranquilamente que ninguém o veria como um bacon ambulante. Então, eles partem para a viagem que mudará as vidas e o modo como eles pensam para sempre, os unindo em uma jornada de descobertas sobre os homens e eles mesmos.
Se você procura uma leitura leve, com personagens divertidas, tiradas muito bem humoradas e cheia de referências pop, Holy Cow é o livro ideal. Mas se você quer um livro com questionamentos, metáforas e reflexões profundas, Holy Cow também é o livro ideal! Como o subtítulo informa, Holy Cow é uma fábula, ou seja, nesta narrativa, animais possuem sentimentos e comportamentos semelhantes a humanos, mas diferentemente das fábulas clássicas, aqui, os animais dão um recado muito importante em relação ao modo como o homem tem os tratado principalmente durante as últimas décadas. A questão do consumismo é a que mais aparece durante a narrativa, o modo como os homens usam os animais a seu bel-prazer, sem nenhum tipo de culpa ou ressentimento.
"Tudo que vocês, humanos, fazem é pegar, pegar, pegar da Terra e de suas criaturas magníficas, e o que dão em troca? Nada. Sei que os humanos consideram um insulto grave ser chamados de animais. Bem, eu nunca daria a um humano a honra de ser chamado de animal porque os animais podem até matar para viver mas não vivem para matar. Os humanos vão precisar reconquistar o direito de ser chamados de animais."
Nessa fala de Elsie, podemos perceber a revolta de um animal caso ele pudesse falar, mas a verdade é que os animais falam sim, com os sentimentos: uma vaca sofre ao ser apartada de seu bezerro, um porco agoniza ao ser abatido, eles têm instinto materno, têm emoções, a única coisa que os difere de nós é o grau da racionalidade, só isso! Eu não estou tentando convencer ninguém a se tornar vegetariano, assim como o autor também afirma não querer, mas acho importante repensarmos algumas atitudes nossas, o desperdício, o consumismo desenfreado, a crueldade para com os animais e o especismo, afinal, por que um cachorro é fofinho e a vaca é um bife? Essa é uma das perguntas que Elsie e o leitor acabam fazendo.
Além dessas questões, o livro também tem um tom político e até toca em questões religiosas, apesar de ser literatura infanto juvenil, acredito que os adultos também gostarão de ler Holy Cow.
A primeira parte do livro é a melhor para mim, apesar de se tratar de uma vaca falante, ainda é verossímil, contudo, a segunda parte do livro não me agradou, se tornou algo que não consegui assimilar tão bem quanto os primeiros capítulos e o final também não foi bem o que eu esperava, por isso, atribuí quatro estrelas ao livro no Skoob. Foi uma leitura muito rápida, dei boas gargalhadas e, ao mesmo tempo, refleti sobre muitas coisas. A escrita de David é sensacional, mas acredito que a leitura no original seja mais interessante devido às referências culturais que ficaram "esquisitas" na tradução, por exemplo a referência do peru Tom Turquia: em inglês, Turkey é usado tanto para o animal peru, quanto para o país Turquia, e seu nome, e não o sobrenome - que foi a saída que o tradutor encontrou para essa barreira linguística - era o motivo para ele querer ir para tal país. Entre outras referências que ficaram esquisitas em português, ainda assim curti muito o livro, o tema que ele trata, consumo de animais, me interessou de cara quando vi a premissa e comentários sobre o livro. Fiquei feliz demais quando o Grupo Editorial Record me enviou Holy Cow de cortesia!
Indico a leitura para quem está procurando um livro divertido mas não bobinho, com uma protagonista divertidíssima e um enredo fora do comum.
site:
http://leiturasegatices.blogspot.com.br