Léo 31/08/2016
Leitura leve e descontraída, livro agradável
De um jeito bem sutil e gracioso, compartilho através uma apresentação do livro ''Minha Prima Chata'' do autor parceiro Alan Borges. O livro foi publicado pela Chiado Editora e faz parte do acervo de publicações infanto juvenil do autor. Na obra, as diferenças entre as pessoas entram em jogo e adultos e crianças aprendem e reaprendem muitos valores importantes no eixo estrutural familiar da sociedade ao longo do tempo. Como de costume, Alan Borges imprime suas características espontâneas na maneira de explorar o ambiente infantil com muita facilidade incluindo entre aventuras, descobertas e curiosidades, dosagens certas de ensinamentos.
A apresentação feita ao início do volume logo comprova alguns elementos bacanas que serão usados na história, como jogos de vídeo game, bolinhas de gude e jogo de botão, e o leitor mais adulto acaba retornando aos velhos tempos de criança e lembra que infância foi uma época da vida muito bem vivida pelos pequenos. Para o leitor de menos idade, a história traz modelos de vivência um pouco diferentes dos atuais [modernizados exageradamente e até mesmo corrompidos por questões sociais e morais], e empolgam por mostrarem certos princípios importantes que infelizmente a sociedade acabou deixando um pouco de lado.
O protagonista Marcelo, de nove anos, ao narrar a sua história transmite na verdade um turbilhão de conclusões indiscutíveis; demonstra inteligência, educação, afeto, entusiasmo, meiguice, espontaneidade, o seu lado poético de ver as coisas e também os seus vacilos, comuns na vida de quaisquer crianças. Mas apesar dessas falhas que causam-lhe culpa e preocupação, ao descrever os pais algumas vezes e homologar um amor incondicional a eles, o menino alavanca de vez a admiração do leitor. Sem dúvida alguma é um personagem que causa identificação imediata em leitores apaixonados pelo gênero da obra e por uma boa e moderada leitura.
Não demora muito para que um simples romance com muita doçura e descobertas, salientado pelo subtitulo do livro, apanhe o leitor pelas beiradas e o traga o gostinho de um frenesi infantil ao rememorar as suas paixões da meninez. ''A chata da Cristina tem doze anos, cabelos macios e dourados, olhos verdes, intensamente brilhantes e prolixamente bonitos, há uma discrepância absurda entre sua chatice e sua beleza externa. Eu tenho que admitir que possuo uma certa admiração por sua beleza, na verdade, eu acho que tenho uma quedinha por ela, se ela não fosse a minha prima e não fosse tão chata, acho que a pediria em namoro...''
Além de conquistar pela sapiência precoce, o jovem protagonista aproxima o leitor a cada capítulo. Sua ternura, simpatia, sinceridade e imparcialidade ao declarar suas memórias de 93 na capital baiana permitem a facilidade de compreensão. Isso mesmo, a história contada por Marcelo e escrita por Alan Borges é muito descomplicada e habitual. As briguinhas entre colegas no cenário escolar, as partidas de botão e videogame com os amigos, as mentirinhas contadas aos pais que sempre acarretam em punições são retratadas sem rodeios e interpretadas sem dificuldades por qualquer leitor. ''Neste momento, o silêncio sobrevoou pelo Céu aberto de nuvens fofinhas de Salvador, mergulhou em direção de nossa casa, planou sobre a janela, aterrissou e debruçou-se na para peito, invadindo a nossa casa, percorreu por toda extensão da sala, preencheu a cozinha, mas depois de alguns instantes, ele foi embora.''. O menino não chega ao ponto de extasiar por completo os seus leitores causando inúmeras sensações mas agrada por sua forma aberta de contar uma parte de sua vida que considerou muito importante. Como muitas crianças, de uma hora para outra ele alterna entre situações, pulando de um momento tenso para outro feliz com muita naturalidade. ''Papai sempre me falou para que eu tomasse muito cuidado com as palavras, e que eu não poderia expô-las de qualquer maneira, ele sempre me disse que nem sempre eu posso falar o que realmente penso, uma palavra mal interpretada ou solta indevidamente, pode me colocar em encrenca, posso até magoar alguém ou fazê-lo chorar, mas isso vai contra os meus princípios [...]''.
A diversão é garantida pelo pequenino Marcelo e embora muitas situações que o menino conte sejam desventuras e tenham seus desenlaces meditativos, é impossível não sorrir com as briguinhas entre ele e a prima chata que adora provocá-lo.
Na obra encontra-se também etapas desgostosas que remetem o pensamento do leitor para a desigualdade social existente no mundo. Enquanto crianças com eixos familiar bem encorpados e organizados economicamente desfrutam de uma vida confortável e podem estudar, vestir e comer todos os dias, outras andam descalças e mal vestidas e tentam sobreviver com o pouco que conseguem pelas ruas e vielas das cidades, isso quando infelizmente não acabam se entregando para o palco da marginalidade. ''Passava um menino pelas areias quentes [...] ele estava cantando: ''queijo assado na brava, olha o queijo assado na brasa, assa na hora, queijo assado na brasa''. O menino era um pouco menor do que eu [...] também conseguia ser mais ossudo [...] eu nunca havia visto um menino tão mal vestido [...] Puxa!! De algum modo, quele momento me causou uma agonia por dentro [...]''. Sem dúvida, ''Minha Prima Chata'' é uma obra vestida de lições por trás do habitual enredo social. O autor novamente mostra sua identidade e confirma sua capacidade e talento para passear com maestria pela esfera infantil, desenhando o retrato de um ''queridão'' do gênero. Em alguns decursos ele ainda presenteia o leitor com pensamentos mais líricos que são descritos por Marcelo em seu empolgante memorando.
''Sonhei que estava no interior onde meus avós moravam,
Onde o sol é mais quente do que em qualquer outro lugar,
Onde o solo é seco e oco
Onde havia um quintal repleto de árvores
Que usavam cobertores de mangas rosas estupidamente deliciosas...
Um lugar onde eu brincava e me sentia mais criança do que aqui na cidade,
Onde eu afundava minhas pegadas até as canelas.''
Os personagens em ''Minha Prima Chata'' são persuasivos e conseguem suscitar boas impressões. A amizade de Marcelo com Tetêco e Bobinho é encantadora. O autor mais uma vez registra o valor verdadeiro de uma amizade no contexto geral e integra personagens participativos ao corpo da história, utilizando também os notáveis e variados apelidos de infância, a exemplo dos amigos citados.
Sua escrita coloquial com porções requintadas foi muito bem implantada ao modelo de apresentação do enredo. Alan Borges é simples e direto e gosta do que escreve pois percebe-se uma dosagem enorme de paixão nas linhas escritas. Alguns erros de grafia encontrados na história são entendidos quando se imagina o jovem menino em sua ainda pouca trajetória escolar escrevendo e recontando para os demais a sua curta e verdadeira história. Ora pois, os erros são inevitáveis aos nove anos e, apesar de alguns não concordarem com essa antelação proposital do autor, é seguro dizer que bem ou mal essa escolha gera naturalidade e vericidade à obra. Uma observação significativa é condizente aos advérbios, que são necessários e sempre bem aceitos, mas que aqui, embora tenha dado ao protagonista um traço característico até importante, foram usados um tanto em excesso. Mas nem isso e nem tampouco a parcela pequena de redundâncias encontradas atrapalham a leitura do livro composto por quinze capítulos.
O tema sobre as diferenças é o atrativo principal dessa obra de Alan Borges. É necessário salientar que desde pequeno somos cercados pela diferença e essa questão deve ser entendida e aceita desde a infância. Há diferenças no modo de pensar, agir, falar e vestir, isso sem contar com as diferenças culturais e etnias. O autor utilizou muito bem essa temática e incluiu na esfera de sua história personagens diferentes que souberam estabelecer o equilíbrio. A beleza de Cristina, a prima chata, não condiz em nada com o seu comportamento insolente e soberbo e essa dissemelhança entre fisionomia e conduta também não passa desapercebida. O autor nos faz lembrar que ter beleza não significa ser inteligente ou ter boas maneiras. Até Chuck, o personagem que todos achavam esquisito, tinha algo para ensinar. Gostei como Alan Borges trabalhou na personagem Cristina, a deixando com aquele estilo de patricinha mas não retirando da garota o afeto interior que nem ela mesmo conhecia. Achei a história muito boa. O processo de afeição entre Marcelo e a prima chata realmente traz uma boa lição: sermos diferentes não nos faz melhor nem pior do que o próximo e nem excluídos da sociedade. Em alguns casos realmente o velho ditado ''os opostos se atraem'' cai como uma luva. Ler esse livro trouxe-me muita nostalgia ao relembrar as amizades, paixões e aprendizados da infância. As dúvidas sobre o amor e a saudade eram constantes e o autor soube representar isso muito bem em sua composição. O desfecho deixa claro que realmente quando o amor chega, não tem jeito. ''É absurdamente estranho, eu queria tanto que ela fosse embora, e agora estou aqui, arrependido sobre meus pensamentos [...] Cristina sem saber acabou erigindo um sentimento muito forte em mim. O mais estranho é que eu passei a sentir a falta de suas chatices [...] sinto falta daqueles olhos verdes olhando em minha direção.''
Classifico o livro com 4 estrelas e parabenizo o autor por mais essa obra tão significativa para a nossa literatura infanto juvenil nesse momento em que muitas de nossas crianças se perdem em universos distantes da educação e corrompidos pela próprio modelo de liderança. Lembro que a leitura é leve e a história pode ser devorada em poucas horas. Foi assim comigo e com certeza será com vocês também.
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