Kath 13/03/2022
Não foi o que eu esperava, mas vale a leitura
Já vou começar dizendo que esse é um livro muito bom, mas eu não consegui gostar. A prosa de Allende me lembra bastante a de Zafón, com personagens bem construídas e com foco em seus sentimentos e tragetória, o livro é poético, bem estruturado, bem escrito, mas não me cativou, na verdade, durante toda a leitura o que mais senti foi tristeza e a sensação de algo pesando no meu peito. Terminei a história angustiada. É aquele tipo de livro que faz você pensar na sua finitude e nas limitações que eventualmente poderá nos acometer. É uma leitura angustiante, especialmente as passagens da guerra em que nos deparamos — de novo — com a crueldade humana e começamos a nos perguntar "por quê?" Qual razão disso?
A história segue Irina Basili, uma cuidadora que começa a trabalhar numa casa de repouso. Vinda da Moldávia, ela tem um passado misterioso, mas ganha o coração de todos os velhinhos no abrigo e, eventualmente, chama a atenção de Alma Belasco, a senhora mais altiva e enigmática de toda casa. Essa senhora a contrata como sua assistente pessoal oferecendo o dobro do salário que ela ganha na instituição. Após alguma relutância, Irina acaba aceitando,
Enquanto trabalha para Alma, Irina conhece Seth o neto da mulher que se torna seu amigo, mas acaba notando que o rapaz está interessado nela, algo que a jovem mulher não consegue retribuir apesar de sentir alguma atração por ele. Juntos, os dois começam a investigar o passado de Alma intrigados com a estranha e constante correspondência e presentes que ela recebe com frequência.
Alma Mendel advinha de uma família judia que vivia na Varsóvia, quando os ares sinistros do nazismo começavam a se espalhar pela europa, os pais dela a enviaram para os EUA para que ela vivesse com os tios. O irmão de Alma, Samuel, se alistou no exército para tristeza e preocupação da menina. Como era muito pequena, ela não entendia o que estava acontecendo totalmente, de modo que a prisão dos pais no gueto de Varsóvia e sua posterior realocação para o campo de concentração passava como um pesadelo distante protegido pelos tios.
Na mansão Sea Cliff, Alma conhece Ichimei Fukuda, o filho caçula do jardineiro do seu tio. É paixão imediata entre eles, a menina fica encantada pelo introspecto e inteligente rapaz, mas o ataque japonês a Pearl Harbor coloca essa relação a perder ao separá-los. Ichimei é levado para um campo de concentração americano com as outras famílias japonesas do país, a comunicação com Alma se dá por cartas que frequentemente sofrem censura pelo exército, ao ponto do garoto parar de escrever e começar a lhe enviar desenhos para contar sobre o dia a dia da família no deserto.
Nesse ponto, conhecemos os irmãos de Ichimei, como sua família é duramente afetada e desfragmentada pelo exílio ao ponto de seu pai não resistir e se entregar completamente à tristeza. Enquanto isso, Alma continua sua vida a espera do amado, sem nunca esquecê-lo, presa em uma espécie de amor obsessivo. Quando finalmente se encontram, após o fim da guerra, não são mais os mesmos, mas continuam tão apaixonados quanto antes e se entregam de corpo e alma a esse sentimento proibido. Primeiro porque Alma é judia e, dessa forma, presa a algumas tradições que também incluem o casamento. Segundo porque, mesmo com a "libertação" dos japoneses, a mistura racial ainda era vista como algo inapropriado.
Quando se descobre grávida, Alma recorre a única pessoa que poderia lhe ajudar, seu primo Nathaniel. Amigos muito próximos desde criança, eles se conhecem como a palma de suas mãos e são muito unidos. Alma lhe conta a verdade e diz que apesar de amar Ichimei, não suportaria a vida pobre de limitações que ele poderia lhe oferecer e não queria começar uma família dessa maneira. Inicialmente, eles recorrem ao aborto, mas devido às condições Nathaniel desiste do procedimento e resolve o problema se casando com Alma.
Por serem muito próximos, não é muito difícil para a família acreditar no envolvimento dos dois, assim, Alma termina tudo com Ichimei e se casa por conveniência com o primo. Quando descobre, Ichimei se sente traído, decide nunca mais ver Alma novamente e assim suas vidas seguem rumos opostos que, mais tarde tornarão a se entrelaçar.
Paralelo a isso somos introduzidos na vida de Irina e na de outros personagens que compõem o cenário da casa de repouso onde Alma se interna voluntariamente e, igualmente o desfecho da própria em uma trama cheia de reviravoltas e segredos.
Como disse no começo, a sensação é angustiante e todo o livro, para mim, teve uma certa carga meio pesada, densa, como estar preso em um nevoeiro. Mesmo o final tendo sido parcialmente feliz dependendo do ângulo em que se olhe, eu não consegui terminar com o sentimento de calma que se dá quando lemos um livro muito bom ou muito bonito. Foi mais como luto, a sensação de ter perdido uma pessoa, uma angústia desoladora de alguém que recebeu um diagnóstico terminal. É um livro bonito que para mim soou extremamente triste e quase pessimista eu diria. Mas acho que o principal é que ele soa muito realista.
Alma se descreve como covarde, volúvel e egoísta, é exatamente assim que ela é. Esse foi o papel que ela adotou o livro quase todo e só veio conseguir se desprender um pouco disso no final, quando já era tarde demais. Se eu fiquei triste por alguém foi por Ichimei e Nathaniel, ambos de algum modo vítimas do egoísmo dela, especialmente o primeiro. Ela fez os dois serem infelizes por não ter coragem de amá-lo de verdade (e fico até desconfiada se amava mesmo, ao meu ver era só obsessão).
Todavia, é uma leitura que eu indico. Reitero que lembra a prosa magnífica de Zafón, mesmo nos tons mais sombrios e nas construções tristes de seus desfechos. Vale a pena ser conhecido.