Maria - Blog Pétalas de Liberdade 26/04/2016Contos sobre lendas nacionais* Acesse o blog para ver algumas ilustrações presentes no livro
No livro, várias lendas da Amazônia são citadas, alguns contos falam sobre o surgimento desses seres lendários, outros falam de suas aparições, do embate entre lenda e homens, e algo que pude perceber em alguns textos foi a ideia de que talvez, nós, humanos, estejamos nos tornando mais perigosos e mais cruéis do que as temidas lendas.
"Os monstros da mata não conseguiriam competir com os homens da cidade." (página 13, "Mapinguari Urbano", Alcides Saggioro Neto)
Acho que a lenda do boto é uma bem conhecida, com a história dos homens sedutores que surgiam de noite, conquistavam as moças e depois sumiam, deixando mulheres grávidas e filhos sem pai. O conto "Filhos de boto", da Patrícia Ferreira, me fez pensar como essa lenda pode ter sido usada para mascarar a cruel verdade sobre a paternidade dessas crianças, seria melhor dizer que uma criatura sobrenatural era a responsável.
Confesso que esperava algo mais leve, mais mágico, contos mais felizes (como algumas dessas lendas me foram apresentadas na época em que, todo ano, fazia trabalhos sobre o folclore na escola), porém, "Quando a selva sussurra" tem um estilo mais sombrio e pesado, com desfechos mais trágicos, e mesmo assim, interessantes.
"A promessa de Boró era que ela sempre estaria na escuridão para iluminar o caminho de Curó, e que ele, tal como ela, não precisaria mais temer a noite." (página 96, "A índia que não temia a noite", onde Mário Bentes que fala sobre o surgimento da Lua)
"Daniela suspirou, decepcionada. Esperava respostas coerentes e não um roteiro de conto folclórico. Ficou imaginando como explicaria ao chefe que o Curupira era o principal suspeito do crime." (página 118, "Os mistérios dos corpos rasgados", o texto de Andrés Pascal, que tem uma narrativa super ágil)
Eu ainda não conhecia algumas lendas, como a da Matinta Perera (velha que se transforma em ave agourenta e insistente ao desejar algo) abordada em "Suindara Maldita" do Raphael Alves (onde Rui escutava histórias sobre ela quando era criança, mas não imaginava que a encontraria no futuro, muito menos que conviveria com ela) e "A Casa 26" de Rossember Freitas (um dos meus preferidos, que fala sobre Viviane e sua avó, que se mudaram para uma casa assombrada, só o fato de ela estar próxima ao cemitério já poderia ser um indício disso, mas ainda tinha um gato estranhíssimo lá). A palavra "anhangá" não me era estranha, e foi interessante vê-lo no conto "A longa noite de Antônio Félix", onde Maria Santino fala sobre Félix, um caçador valentão que, certa noite, pagou o preço por suas maldades. Os contos sobre as Amazonas também foram interessantes para mim.
"Não sei o que mais me enfeitiçou: o caldo ou seus olhos..." (página 110, "Olhos de Icamiabas", Attaíde Marttins)
A degradação e a preservação da natureza também são temas de alguns textos.
"Não há como deter o processo evolutivo, os homens ainda não compreenderam isso, jamais entenderam que eles é que são os estrangeiros, alienígenas, os corpos estranhos em um mundo perfeito. Eles é que são os detratores da beleza, os massacradores de vida... mas é natural tudo ter um fim! Faz parte da vida caminhar para a morte." (página 143, "Lauaretê", Virgínia Allan)
Enfim, não é possível falar sobre cada conto separadamente, pois o post ficaria enorme, mas espero ter conseguido passar um pouco da essência da obra. "Quando a selva sussurra" não se tornou um favorito como os dois últimos livros do gênero que eu li ("Eu me ofereço" e "Respeite o medo"), mas eu gostei bastante dele. Não sei como foi definida a ordem em que os contos foram colocados na obra, mais acho que se eles tivessem sido colocados de forma que os que falam sobre o surgimento de certo mito viessem primeiro, talvez ficaria mais fácil para leitores que, como eu, ainda não conhecessem aquela lenda, pudessem se situar; ou então, se o livro fosse dividido por temas (por exemplo: todos os textos sobre o Curupira juntos), talvez fosse uma boa ideia. Senti falta de saber um pouquinho sobre os autores também; nas antologias da Editora Illuminare, por exemplo, no final do livro há uma pequena biografia sobre cada autor, poucas linhas, mas que já nos ajudam a ter uma noção sobre quem escreveu determinado conto.
Sobre a parte visual: a edição está ótima! A capa é bonita e condizente com a obra, as páginas são amareladas, as margens, o espaçamento e as letras tem um bom tamanho, a primeira linha de cada conto tem uma fonte diferente, e cada conto tem uma ilustração, foi até difícil escolher só algumas para mostrar no post, pois todas são muito bonitas.
Por hoje é só, espero que vocês tenham gostado da resenha. Fica a indicação de leitura para quem gosta de literatura nacional voltada para o nosso folclore, uma área que ainda tem bastante potencial para ser explorado em nossa literatura.
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