Memórias sentimentais de João Miramar

Memórias sentimentais de João Miramar Oswald de Andrade




Resenhas - Memórias sentimentais de João Miramar


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Biblioteca Álvaro Guerra 07/03/2022

Memórias sentimentais de João Miramar é um romance escrito por Oswald de Andrade, publicado em 1924, o qual inclui uma mescla de gêneros. É considerado uma das mais importantes obras do movimento modernista brasileiro, nascido na Semana de Arte Moderna de 1922.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/8525008036
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Eduardo 03/04/2010

75. NATAL

"Minha sogra ficou avó"


A única frase em questão é um capítulo de "Memórias Sentimentais de João Miramar", obra-chave da literatura oswaldiana. É um dos meus livros preferidos. Oswald é um dos poucos demolidores da literatura nacional. Ela sempre se renovou, é verdade. Mas poucos foram os momentos de grande ruptura com os modelos vigentes. Os concretistas fizeram isso também. Mas o grande boom coube a Oswald e seus colegas de modernismo. Na época, imperavam o parnasianismo e o simbolismo, além do sempre eterno romantismo. E o mundo mudava. Época de guerras pelo mundo, industrialização nos eixos brasileiros (principalmente a São Paulo de Oswald). Isso - essa velocidade que o mundo adquiria- precisava adentrar na literatura. Aí entra Oswald e seu estilo telegráfico.

Esse livro rompe com quase todos os esquemas tradicionais. Além disso, o enredo é uma grande risada frente a cara da burguesia paulista da década de 20: uma sociedade de aparências, num jogo de influências e falsidades. É o que mostra esse trechinho natalino. O narrador, João Miramar, avisa que no Natal, sua sogra foi avó. Poderia dizer "fiquei pai". Mas na sociedade patriarcal, afundada em moralismos, ganhar um neto é uma das poucas alegrias óbvias dos patriarcas das famílias. Dar um neto era, pois, mais uma obrigação do contrato familiar da boa família paulistana

Devo dizer que não é uma leitura fácil: muito da obra de Oswald hoje soa estranha para os leitores, que desconhecem as muitas referências à pessoas, aos tipos da sociedade e fatos da época do autor. O sarcasmo e bom humor de Oswald são, no entanto, universais. Não há como não rir da piada que João Miramar lança na última linha de suas memórias.

É um livro que causa estranhamento. Controverso, hilário por vezes, pedante por outros.

É uma obra com a cara do autor.
Eduardo 20/12/2010minha estante
esse papo de grande demolidor está uma merda. favor ignorar isso enquanto não edito isso aqui.


Aline R. 11/12/2011minha estante
Bipolaridade?


Eduardo 11/12/2011minha estante
asveiz..




jota 02/12/2020

DIFÍCIL (narrativa mesclada, fragmentada, não linear, que flerta com o Ulysses de Joyce)
Memórias Sentimentais de João Miramar: duas estrelas e meia
Serafim Ponte Grande: cinco estrelas
Macunaíma: cinco estrelas
Ulysses: quatro estrelas (5 + 3 ÷ 2)

Em Miramar na Mira, o crítico e poeta Haroldo de Campos tenta explicar para o leitor a obra-prima de Oswald de Andrade (1890-1954), Memórias Sentimentais de João Miramar. Antes de mais nada, o ensaio de Campos se reporta a 1922, ano marcado pelo surgimento do movimento modernista no Brasil e, coincidentemente, da publicação do livro que mudou os rumos da ficção moderna: Ulysses, de James Joyce. Memórias Sentimentais saiu dois anos depois (1924) e, em 1928, temos Macunaíma, de Mário de Andrade, escrito desde 1926. Que, juntamente com o livro de Oswald (há certo diálogo entre Memórias e Macunaíma, como o próprio Mário reconheceu em carta a Manuel Bandeira), vai marcar um momento especial da literatura brasileira, a renovação de nossas letras. Tudo isso é história: a Semana de Arte Moderna de 22 e seus desdobramentos logo comemoram o centenário.

Campos prossegue fazendo comparações entre Miramar e Macunaíma para mostrar o vínculo entre as duas obras, mas o que parece mais interessante no ensaio são mesmo as semelhanças entre o livro de Oswald e o de Joyce. Antes, Campos tecera alguns comentários sobre Thomas Mann que, como Joyce é por ele caracterizado como romancista da crise da burguesia. Especialmente pelo uso que Mann faz da paródia, o que o conectaria a James Joyce. A paródia está presente tanto na odisséia de João Miramar (por São Paulo, Santos e Paris) quanto na de Macunaíma (de Uraricoera para São Paulo em busca do muiraquitã), do mesmo modo que Joyce retrata a odisséia de Leopold Bloom por Dublin num único dia de 1904, 16 de junho. Lá o foco era na burguesia irlandesa, aqui a paulistana é que é especialmente parodiada. Recurso literário que já se encontrava presente em Dom Quixote (1605), de Cervantes, conforme lembra Campos.

Macunaíma é uma obra de fácil assimilação pelo leitor; isso não ocorre em Miramar pelo excesso de fragmentação e outras experimentações; as memórias são contadas em estilo telegráfico em 163 textos mesclados e dispostos sem qualquer sequência cronológica, o que, somado ao resto, convenhamos, dificulta nosso entendimento (o meu, pelo menos). Campos sugere que deveria haver obras que estudassem e explicassem melhor o livro para o público, como ocorre com as inúmeras que foram escritas sobre Ulisses. Que, no entanto, é muito mais volumoso e de estrutura muito mais complexa do que Miramar, um verdadeiro supermercado das letras, tem de tudo. Na falta, ele cita o que o crítico Antonio Cândido escreveu sobre Memórias Sentimentais: “Um dos maiores livros da nossa literatura, é uma tentativa seríssima de estilo e narrativa, ao mesmo tempo que um primeiro esboço de sátira social. A burguesia endinheirada roda pelo mundo o seu vazio, as suas convenções, numa esterilidade apavorante. Miramar é um humorista pince sans rire, que procura kodakar a vida imperturbavelmente, por meio duma linguagem sintética e fulgurante, cheia de soldas arrojadas, de uma concisão lapidar.”

Antonio Cândido, como muitos intelectuais brasileiros, parecia mais preocupado em escrever para seus iguais, outros intelectuais, em vez de se fazer entender também por leitores comuns. Traduzindo: “pince sans rire” significa, no contexto, sarcástico, e “kodakar”, retratar a vida com uma câmera Kodak. Também não adianta muito tentar resumir aqui a opinião e as explicações todas de Campos sobre Memórias Sentimentais. Elas tornaram o livro um pouco menos obscuro para mim (muito pouco, na verdade) e talvez possam também fazer isso por outros leitores. Reconheço que desde as páginas iniciais imaginei que o livro de Oswald não me agradaria plenamente, ao contrário do que ocorreu com Serafim Ponte Grande (publicado em 1933, mas escrito entre 1925 e 1929), que apreciei bastante por ser muito mais palatável.

Quis ler Memórias Sentimentais do mesmo modo que ocorreu com Ulisses, para saciar minha curiosidade sobre esses livros tão falados e nem tanto assim lidos. De uma lista publicada pela Folha de São Paulo em 2006, que trazia os cem melhores romances do século XX escolhidos por especialistas brasileiros, acadêmicos na maioria, já li sessenta e dois e nela o livro de Joyce ocupa a primeira posição. Não sei se irei ler os demais faltantes (trinta e oito), mesmo porque sobre alguns tenho a certeza de que não vou apreciá-los e outros estão fora de catálogo há tempos, são difíceis de encontrar ou então o preço deles nos sebos é abusivo.

A FSP, na mesma matéria enumerava, pelos mesmos especialistas consultados para a lista anterior, os trinta livros brasileiros mais importantes do século XX. Macunaíma ocupava o quarto lugar, Memórias Sentimentais de João Miramar o décimo e Serafim Ponte Grande o décimo terceiro. No primeiro lugar, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que li em fevereiro de 2020. Agora, lido Miramar, faltam apenas oito volumes para completar a lista dessas obras. Se conseguir, um dia digo se valeu mesmo a pena ler tudo isso. Ah, sim, a avaliação (duas estrelas e meia) é de minha relação com a obra (gostei muito pouco da leitura), não sobre a obra em si.

Lido entre 27 e 30/11/2020.
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andreagueiro 23/04/2021

um retrato do modernismo brasileiro
quando foi publicado deve ter sido muito aclamado por ser um retrato muito bom do modernismo brasileiro, as viagens e descrições do Miramar são os pontos altos do livro na minha opinião, eu amei ficar pesquisando as localidades que ele mencionava e me imaginando lá também!

do meio pro final tudo parece mais monótomo e um pouco cansativo, sinto que o Oswald usou palavras mais complicadas e fragmentárias de propósito e demanda um grande esforço pra entender alguns trechos (talvez por isso tenha sido um livro que tive que ler na faculdade né hahahaha).

e o último fragmento do livro foi genial pra mim, a maneira que foi descrito e a espontaneidade das últimas falas de João representam e fecham com maestria esse conglomerado de trechos que formam essa obra.
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André Sekkel 08/07/2011

Oswald de Andrade é, sem dúvida, um dos principais escritores brasileiros. Entretanto, hoje seus livros não são tão lidos como o foram outrora. Quando se fala de modernismo brasileiro, pensa-se principalmente em Mário de Andrade, no campo literário, Villa-Lobos na música, Tarsila na pintura… Para o vestibular, atualmente, a leitura obrigatória a respeito desse período é de Macunaíma, de 1933. Os livros de Oswald são mencionados, mas talvez mais por obrigação de se falar deles do que por vontade. No entanto, são livros mais legais de se ler – pelo menos é o que eu penso. Por exemplo, Memórias sentimentais de João Miramar, publicado em 1924, do qual falarei bastante aqui, é um texto riquíssimo em criação literária (creio que mais rico que o livro de Mário de Andrade), por criar uma possível língua brasileira, ao invés de usar o português, por desconstruir aquele esquema do romance Romântico, que acaba muitas vezes sendo enfadonho, como o Iracema, de José de Alencar, por utilizar uma estética nova – Haroldo de Campos aproxima o escritor paulista de James Joyce e do cubismo de Picasso, Braque e Gertrude Stein (essa última faz um cubismo literário).

Uma das primeiras críticas escritas sobre o livro de Oswald de Andrade foi publicada na revista Estética, no Rio de Janeiro, na edição de janeiro/março de 1925. Aqui, os autores e fundadores do periódico, Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes Neto, chamam a atenção para alguns aspectos da construção oswaldiana:

“A infância de Miramar, suas recordações do São Paulo da época, com os ‘berros do invencível são Bento’, a escola de d. Matilde que lembra o livro com cem figuras e a história de Roldão, Maria de Glória, o ‘grande professor seu Carvalho’ que foi pro Inferno, tudo isso nos aparece num esquema ligeiro e pitoresco. Se o autor em vez de situar esses episódios na página 15 ou 16 onde estão, os houvesse colocado na página 119 onde o romance termina, o conjunto pouco perderia. Isso não importa em dizer que o livro não tem unidade, não tem ação e não é construído. É a própria figura de João Miramar que lhe dá unidade, ligando entre si todos os episódios. A construção faz-se no espírito do leitor. Oswald fornece as peças soltas. Só podem se combinar de certa maneira. É só juntar e pronto”.1

Quando os críticos dizem que tanto faz os relatos da infância de João Miramar aparecerem no início ou no fim do livro, mostram sua construção cubista, ou seja, fragmentada, sem, no entanto, perder sua linha condutora e unificadora: o próprio Miramar. Agora, esse estilo cubista só é possível a partir do momento em que existe um leitor, ou melhor, a partir do momento em que o livro se vê como tal e pressupõe que haja um leitor. Essa linguagem fragmentada é, portanto, metalinguagem. Ela desmascara o livro enquanto material e enquanto construção estética, desconstruindo aquela linearidade Romântica do enredo e vendo o romance, agora modernista, ou moderno, como romance e como livro, criando, então, essa metalinguagem que acaba permitindo uma linguagem cubista. Sobre isso, Haroldo de Campos faz a seguinte análise:

“No caso da prosa miramarina de Oswald de Andrade, o estilo cubista, a operação combinatória ou metonímica nêle realizada, está do lado do cubismo histórico, é ainda residualmente icônica em relação ao mundo exterior. Propõe, no fundo, através da crítica à figura e à maneira habitual de representar o mundo das coisas, e mediante uma livre manipulação dos pretextos sígnicos daquela e destas, um nôvo realismo comensurado à civilização da velocidade e da máquina, à civilização que incluiu o cinema como seu aporte mais característico no elenco das artes. Assim, quando Oswald escreve ‘um cão ladrou à porta barbuda em mangas de camisa’, emprestando à porta as qualidades do porteiro que a foi abrir e definindo o todo pela parte (isto é, o porteiro pelas suas barbas e pelas suas mangas de camisa), está em plena operação metonímica, selecionando elementos fornecidos pela realidade exterior e transformando-os em dígitos, para depois recombiná-los livremente e hierarquizá-los numa nova ordem, ditada pelos critérios de sua sensibilidade criativa”.2

É aquele “esquema ligeiro e pitoresco” do qual falaram Prudente de Moraes Neto e Sérgio Buarque de Holanda, em 1925. Somando-se a eles esse trecho de Haroldo de Campos, fica evidente que há, na prosa de Oswald de Andrade (e na poesia também, mas não tratarei dela), uma fusão entre criação literária (estética) e observação crítica do mundo. É como se fosse necessária a criação de uma nova linguagem para falar desse novo mundo, que tem o cinema, o automóvel, o avião etc. E os modernistas paulistas desse período da década de 1920 ainda falaram da criação de uma língua brasileira, parecida mas diferente do português. Porém, ainda não era um consenso qual ‘brasileiro’ se deveria falar, como fica evidente na crítica de Prudente de Moraes Neto e Sérgio Buarque:

“Seria um horror se todo o mundo daqui em diante se pusesse a ‘escrever brasileiro’ e cada qual naturalmente a seu modo. A prova é o próprio brasileiro de Miramar, tentativa proveitosa apenas enquanto destruição. Acabou com o erro de português. Mas criou o erro de brasileiro, de que está cheio o livro”.3

Um exemplo disso é o capítulo “89. Literatura”:

“Para Aradópolis, junto à fazenda Nova-lombardia de recordações nupciais, fordei em primeira com o dr. Pilatos e meu querido Fíleas em excursão histórica…”4

O verbo conjugado “fordei” (presumo que o infinitivo seria “fordar”) indica que Miramar e seus amigos foram de automóvel Ford, um dos símbolos da indústria moderna, até Aradópolis. E “fordei em primeira” designa que usou a primeira marcha para atingir seu destino. Além disso, o “fordei” assume uma função cômica, pois acaba se relacionando com a “fazenda Nova-Lombardia de recordações nupciais”, deixando implícito o verbo “foder”, transformado em “fordei” (“fordar”, que pode ser relacionado, também, com a forma substantivada do verbo foder: foda).

Outra passagem interessante, que gostaria de destacar, está no capítulo “80. Resultado de profecias”:

“As notícias da guerra mutiladas como soldados em fuga chegavam dando a França como invadida e Paris ameaçada”.5

Há, certamente, uma fusão entre a maneira como as notícias chegavam e o que elas falavam, pois certamente fazia parte dos assuntos os soldados mutilados e em fuga, que na prosa miramarina é justamente o modo como chegam as notícias. Quer dizer, elas chegam de forma fragmentada (mutilada), muitas vezes de forma não-oficial (em fuga). Esse é, aliás, outro exemplo do cubismo de Oswald de Andrade, que faz, aqui, uma autorreferência ao falar das “notícias da guerra mutiladas como soldados em fuga”. Assim como os soldados mutilados, as notícias vinham também mutiladas (e aqui pode-se falar sobre diversas razões desse mutilamento: censura, dificuldade de se passar a notícia, especulação etc…), e da mesma forma mutilada esse período é composto.

Gostaria de chamar atenção pra um outro ponto, também referente à linguagem: o “À guisa de prefácio”, escrito por Machado Penumbra, que, com sua linguagem empolada, apresenta o livro. Ele é, talvez, um representante daquela escrita acadêmica pomposa. Seria, possivelmente, uma daquelas pessoas contra a renovação literária proposta pelos modernistas, mas ele a aprova, como fica evidente num dos últimos parágrafos do prefácio:

“O fato é que o trabalho de plasma de uma língua modernista nascida da mistura do português com as contribuições das outras línguas imigradas entre nós e contudo tendendo paradoxalmente para uma construção de simplicidade latina, não deixa de ser interessante e original. A uma coisa apenas oponho legítimos embargos – é à violação das regras comuns da pontuação. Isso resulta em lamentáveis confusões, apesar de, sem dúvida, fazer sentir ‘a grande forma da frase’, como diz Miramar pro domo sua”.6

De certa forma, quando escreve esse trecho, Oswald de Andrade adianta as possíveis críticas que seu trabalho pode receber, sem deixar de ter um ponto irônico na aceitação dessa linguagem modernista por parte de Penumbra, que, ao meu ver, é um conservador vira-casaca.

Memórias sentimentais de João Miramar foi publicado em 1924, ano-chave do modernismo para o filósofo Eduardo Jardim de Moraes. O autor divide o modernismo brasileiro em duas fases: 1ª – de 1917 até 1924, “caracteriza-se como a da polêmica do modernismo com o passadismo. Esta é uma fase de atualização – modernização em que se sente fortemente a absorção das conquistas das vanguardas européias do momento e que perdura até o ano de 24”.7 A segunda fase inicia-se em 1924, “quando o modernismo passa a adotar como primordial a questão da elaboração de uma cultura nacional, e que prossegue até o ano de 1929”.8 Portanto, o livro de Oswald de Andrade, aqui analisado, está bem no meio dessa divisão. Ao mesmo tempo em que ele faz parte da primeira fase – e isso fica evidente quando se nota a presença do cubismo, como já foi mostrado, na estética criativa do autor –, já aponta para a segunda – principalmente com a sua língua brasileira.

Machado Penumbra, de quem estava falando, pode ser interpretado como membro desse passadismo contra o qual o modernismo luta em sua primeira fase. O tom irônico desse personagem é justamente a aceitação que ele tem da obra de Miramar. E nisso pode-se ver, desde já, um passo rumo à segunda fase, de “elaboração de uma cultura nacional”, já que o prefaciador acata a língua modernista criada pelo autor, apenas não concordando com a pontuação.

Na fase de 1917-1924, o que importava era a modernização-atualização da arte brasileira, como diz Eduardo Jardim:

“O que importava, o que sobretudo se valorizava, era o fato da obra de arte ser moderna ou assim se apresentar dentro do nosso ambiente cultural. E ser moderno significava tudo aquilo que vinha se opor aos cânones passadistas que, até então, dominavam a cultura nacional”.9

Nesse sentido, aquela crítica da revista Estética já deixa claro que Memórias sentimentais de João Miramar é considerado um livro moderno:

“Miramar é moderno. Modernista. Sua frase procura se verdadeira, mais do que bonita. Miramar escreve mal, escreve feio, escreve errado: grande escritor. Transposições de planos, de imagens, de lembranças. Miramar confunde para esclarecer melhor. Brinca com as palavras. Brinca com as ideias. Brinca com as pessoas. Ele é principalmente um brincalhão”.10

Logo no início desse trecho os autores, representantes da jovem crítica modernista, deixam claro: “Miramar é moderno. Modernista”. A partir daí é que se pode falar do livro: “Miramar escreve mal, escreve feio, escreve errado: grande escritor”. Por que grande escritor, se escreve mal, feio e errado? Justamente porque ele é um modernista e pretende se opor aos “cânones passadistas”.

Posteriormente, na segunda fase modernista, iniciada em 1924, depois de feita a modernização-atualização da arte brasileira, de modo geral, o que entrará em foco é a questão da brasilidade, como diz Eduardo Jardim Moraes, no terceiro capítulo de seu livro (o mais interessante, ao meu ver):

“Esta mudança de rumos, generalizada em todas as orientações modernistas que já começaram a se esboçar distintamente, indica que a problemática da renovação estética, presente nos anos anteriores, cedia lugar, a partir de 24, a uma preocupação que, acirrando-se até 1930, se dirigia no sentido de, em primeiro lugar, elaborar uma literatura de caráter nacional, e num segundo momento, de ampliação e radicalização do primeiro, de elaborar um projeto de cultura nacional em sentindo amplo”.11

Sérgio Buarque de Holanda, já vê a questão de maneira um pouco diferente. Para ele, que divide as fases modernistas de outro modo, vê já na primeira, coincidente com o período da década de 1920, uma tendência “regionalista”:

“Mas a tentativa ‘regional’ da primeira geração modernista não era apenas inconsciente e nem ficou circunscrita à arte e à poesia. Foi a mesma aspiração de nacionalidade que levou alguns dos seus representantes a percorrerem só ou em grupos, por essa época, as velhas cidades mineiras, o Nordeste, o Extremo Norte e até o Acre. Foi ele ainda o que determinou, em grande parte, sua preocupação constante e fecunda com nossos costumes populares e tradicionais, o interesse pela nossa habitação colonial, a revalorização do Aleijadinho, as investigações folclorísticas, o culto e o cultivo da música popular, as tentativas de estudo e sistematização da fala brasileira”.12

Só para esclarecer a questão das divisões do modernismo: a primeira fase destacada por Sérgio Buarque inclui a segunda de Eduardo Jardim. Apesar dessa diferença, os dois autores concordam com relação ao nacionalismo. Noutro ponto que ambos autores concordam é com relação a influência das vanguardas europeias no modernismo brasileiro, o que pode parecer contraditório, já que na Europa elas buscam o primitivo fora do continente. Picasso, pro exemplo, vai atrás da arte primitiva africana, enquanto que Blaise Cendrars viaja ao Brasil.

Então, se esse foi um movimento de sair e buscar o primitivo, como é que ele fez os vanguardistas brasileiros olharem para o próprio país? O historiador nos explica:

“no Brasil, onde alguns desses ‘exotismos’ não precisavam constituir artigos de importação, mas estavam, ao contrário, integrados à nossa paisagem humana ancestral, sua investigação podia e devia confundir-se com a investigação de nossas origens, e sua exaltação, com a exaltação de nossa peculiaridade”.13

Quer dizer, foi o olhar para fora, a atenção que os modernistas brasileiros davam às mais recentes produções artísticas europeias, os responsáveis pela atenção dada à cultura popular brasileira, exótica e primitiva. Dessa forma, quando Eduardo jardim diz do primitivismo como solução dos problemas europeus, ele tem razão quando afirma:

“está claro que, uma vez transportada para o Brasil, esta solução sofreu as transformações que os próprios brasileiros exigiram. O solo cultural em que este problema surgiu no Brasil e na Europa é diverso e, por esta razão, o simples fato de ter havido uma comunicação entre os ambientes culturais europeu e brasileiro não nos autoriza a analisar o caso brasileiro utilizando os mesmos dados com que analisamos o caso das vanguardas européias”. 14

É justamente por conta desse “solo cultural” brasileiro, diferente do europeu, que os modernistas daqui olharam, como disse Sérgio Buarque, para o Brasil, o que havia de exótico e peculiar no país. Aliás, Oswald de Andrade dedica seu Pau Brasil “A Blaise Cendrars por occasiao da descoberta do Brasil”. O episódio é contado por Aracy Amaral, em seu Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas.15 A autora procura remontar a visita do poeta francês ao Brasil, mostrando a influência que ele teve em Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, que na época formavam um casal. Teria sido Cendrars o animador da famosa viagem do grupo modernista paulista para as cidades do interior de minas e, por consequência, de uma (re)descoberta do Brasil. Foi nesse período que surgiu, entre outros, o Aleijadinho, até então desconhecido e desvalorizado, como apontou Sérgio Buarque no artigo referido anteriormente.

Foi, portanto, o interesse que os modernistas brasileiros tinham em se aproximar das vanguardas europeias (e Cendrars, naquela época, era um dos maiores expoentes da poesia de vanguarda francesa, ou seja, mundial), ilustrado nesse caso pelo encontro de Cendrars com Oswald, que propiciou uma descoberta do Brasil. “Mais uma vez o Brasil fora ‘descoberto’, e descoberto, mais uma vez, por acaso”, segundo Sérgio Buarque de Holanda.

Na análise de Eduardo Jardim Moraes:

“Agora, uma vez atualizados/modernizados pelo trabalho de 22, o papel que se apresenta para nós é o de sermos regionais, no sentido de nacionais, e puros em nossa época. No entanto, esse esforço de construção, que se inscreve num esforço maior de reconstrução mundial, exige o exercício prévio de um processo de desconstrução da cultura brasileira nos seus aspectos mistificadores da realidade. Opera-se aqui, portanto, uma tarefa em dois níveis: cabe, em um primeiro nível, furar a camada mistificadora de cultura importada que já dura quatro séculos, para, em seguida, num segundo nível, construir uma nova visão da realidade, a de um país redescoberto. Esta é a visão pau-brasil: “Ver com olhos livres para ver”: Mas esta visão só será possível desmontando falsas perspectivas, construindo outras para colocar em seu lugar, para se chegar, finalmente, à captação livre da realidade nacional. Entende-se, dessa forma, o quanto Oswald de Andrade mantém aqui a virulência da polêmica do primeiro modernismo com nosso passado letrado. Mas já agora essa polêmica dá numa perspectiva diversa. Não se trata mais de combater o passado em nume da atualização/modernização, mas de introduzir a ótica do nacionalismo no processo de renovação: só seremos modernos se formos nacionais”.16

Nesse sentido, Memórias sentimentais de João Miramar é um livro importantíssimo e riquíssimo para se compreender o modernismo brasileiro. Não só aquele da década de 1920, mas o da chamada “geração de 45” e mesmo posteriores produções artísticas. Esse livro de Oswald de Andrade inova com sua linguagem brasileira e com a incorporação das estéticas de vanguarda vindas de fora, como o cubismo. No entanto, não há, como apontam Sérgio Buarque de Holanda e Eduardo Jardim Moraes, uma incorporação inocente: existe sempre uma preocupação com o nacional, com o que é brasileiro. Dessa forma, o cubismo oswaldiano serve para representar a modernidade paulista, como disse Haroldo de Campos. Automóveis, cinema, trens, avião. A velocidade é representada pelo texto sem pontuação e dinâmico do livro. O enquadramento cinematográfico também está presente: as descrições fragmentadas das cenas, que necessitam do leitor para serem interpretadas, assim como um filme é filmado não na ordem cronológica, mas de forma bagunçada, às vezes até aleatória, cabendo, por fim, ao editor dar sentido e significado. Com as Memórias de Miramar é algo parecido o que ocorre, sendo o leitor o responsável pela “edição” e construção de significado.

Notas:

1. HOLANDA, Sérgio Buarque de; MORAES NETO, Prudente. “Oswald de Andrade – Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo, 1924”, In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). O espírito e a letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, vol. 1, p. 210-211. Os destaques são dos autores.

2. CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem. Petrópolis: Editora Vozes, 1970, p. 91. Os destaques são do autor.

3. HOLANDA, Sérgio Buarque de; MORAES NETO, Prudente. “Oswald de Andrade – Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo, 1924”, In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). O espírito e a letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, vol. 1, p. 212.

4. ANDRADE, Oswald. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo: Editora Globo, 2010. p. 116.

5. ANDRADE, Oswald. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo: Editora Globo, 2010. p. 112.

6. ANDRADE, Oswald. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo: Editora Globo, 2010. p. 70-71.

7. MORAES, Eduardo Jardim. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. p. 49.

8. Idem.

9. Idem. p. 55.

10. HOLANDA, Sérgio Buarque de; MORAES NETO, Prudente. “Oswald de Andrade – Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo, 1924”, In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). O espírito e a letra. p.211.

11. MORAES, Eduardo Jardim. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. p. 73.

12. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Fluxo e refluxo – II”, In: In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). O espírito e a letra. Vol2, p. 337.

13. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Fluxo e refluxo – III”, In: In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). O espírito e a letra. Vol2, p. 341.

14. MORAES, Eduardo Jardim. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. p. 80.

15. AMARAL, Aracy A. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Editora 34, 1997.

16. MORAES, Eduardo Jardim. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. p. 82-83.
Aleksander 24/06/2014minha estante
Excelente! Te agradeço pelo texto.




Mama 15/06/2022

Leitura chata
O livro tem uma linguagem bastante rebuscada e, apesar de saber de sua relevância para a literatura, achei a história muito chata é monótona.
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spoiler visualizar
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Israel145 07/05/2017

Memórias Sentimentais de João Miramar é algo que oscila entre um soco no estomâgo e uma pegadinha. Impossível ler a obra fora do seu contexto. Quem assim o faz, nada tem a acrescentar às suas leituras e é melhor nem lê-la.
A desconstrução da estrutura formal de um romance é o lastro que Oswald de Andrade usa para elaborar a obra. O livro não tem capítulos, mas sim, cenas, como um roteiro de filme. Os acontecimentos narrados não tem nenhuma linearidade, os fatos são truncados (cortes bruscos) e a história com tons ora hilários, ora ininteligíveis. A estrutura dos períodos não se aplicam, as frase são desconexas, o nome dos personagens são facetas de si mesmo. O título das cenas provocam risos involuntários após a leitura das mesmas. A falta de pontuação causa tamanha estranheza que as vezes se faz necessário reler a cena mais de uma vez. A linguagem coloquial transborda devido ao uso excessivo.
O livro deve ter causado um alvoroço nos meios literários. Sua estrutura é tão diferente que oscila rapidamente do lirismo ao cinismo sem dar tempo do leitor digerir. E tudo isso antes do Ulysses de Joyce.
No geral, a obra não é para diletantes. O leitor casual pode não gostar do experimento bizarro de Oswald e talvez só valha a pena a leitura por mera curiosidade (meu caso).
No que tange à sua importância literária, é de fato uma bola fora da cesta, porém arremessada de forma muito bem calculada. Um desvio proposital, um gol contra apenas para tirar sarro do próprio time.
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Kelly 29/12/2009

Memórias sentimentais de João Miramar
Achei chatissimo, muito confuso.
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Raul Neris 13/04/2010

Bom, eu tentei ler esse livro, mas é realmente muito confuso, além de chato. Acredito que, por ser de outra época, me faltam algumas referências para compreender tudo o que essa obra tem a oferecer.
O modo de escrita também é bem diferente da contemporânea. A falta de algumas vírgulas dificulta a compreensão, por exemplo. O leitor tem que “completar” o texto com vírgulas invisíveis para entender algumas frases
Uma coisa que não entendi nesse livro de Oswald é que, quando há diálogos ou trechos de cartas o texto é muito mais compreensível. Parece que existem dois autores. São dois modos totalmente diferentes de escrever. E isso em uma mesma obra chega a ser paradoxal.
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Gabrielly 10/11/2021

Difícil leitura
Achei livro de difícil leitura, onde o leitor precisa tentar adivinhar o que estava acontecendo na vida do personagem. Entretanto a história é interessante.
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Luiz Pereira Júnior 24/05/2021

Um clássico é um clássico é um clássico
Mais um da famosa série “livros que eu tenho de ler para passar no vestibular”. Nem preciso falar muito (ou escrever) sobre “Memórias sentimentais de João Miramar”, de Oswald de Andrade, um dos luminares do Modernismo brasileiro. Isso todo e qualquer professor de Literatura do Ensino Médio sabe (inclusive eu).
Mas o que me chama atenção é sempre a ideia do que é um clássico. Teoricamente, é um livro para ser lido em classe (sim, já encontrei essa definição) ou é um livro que se renova a cada leitura (sim, também já encontrei essa definição). Fico com ambas, na falta de melhor. E, também, pode cair como uma luva para um livro que se lê por obrigação, ou com algum propósito específico (como um dos – muitos – passos para o ingresso no ensino superior).
Sim, amo a leitura e é muito raro eu passar um dia sem ler alguma coisa (seja lá o que for), mas também sei que a leitura pode irritar. E isso talvez seja o que eu considero um dos problemas do ensino da Literatura no Ensino Médio: o aluno já dá de cara com o Trovadorismo e aquele palavreado complicado. Mas, seja como for, quando ele já está prestes a sair do Ensino Médio, dá de cara com esse palavreado complicado do Oswald de Andrade.
(Antes que alguém me critique: tenho plena consciência de que o ensino da Literatura no Ensino Médio é pautado pela ordem cronológica e isso faz todo o sentido, é claro.)
Bem, seja como for, talvez o sentido maior de um clássico seja justamente esse: a imortalidade. Sim, li esse “Memórias sentimentais” em minha adolescência e não foi algo que me fizesse virar a noite querendo saber o fim da história. Mas, hoje, eu o reli em uma tarde e percebi que muito do Luiz Pereira Júnior adolescente ainda teria de passar pelo que João Miramar passou para chegar ao Luiz Pereira Júnior de hoje... E isso sim apenas um clássico pode fazer...
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Waguinho 13/06/2021

Memórias Sentimentais de João Miramar
O romance "Memórias Sentimentais de João Miramar" representa a primeira tentativa de construção do romance moderno no Brasil. Inserido no projeto modernista, busca desconstruir as bases da forma tradicional da narrativa de ficção. Esse exercício de demolição começa já no prefácio, ele próprio parte da ficção, já que vem assinado por Machado Penumbra, personagem do livro. Ao final do volume, a informação a respeito do local e data da produção da narrativa é mais um elemento de ficção.
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Igor 14/12/2013

"Minha sogra virou vó"
Esse será um livro que não irei classificar em estrelas. Não que ele esteja acima ou abaixo disso, mas porque este livro está fora do universo da classificação, algo relativamente comum em livros modernistas. Só digo que a nota 2.9 que este livro dispõe aqui no Skoob é muito baixa por sua complexidade!
Não é um livro, também, em que se dá importância à estória. Claro que há um pano de fundo narrativo, mas apenas para contextualizar as armações líricas que o autor tece, às vezes cubista, outras futurista, e por aí vai.
Então, se estiver curioso quanto a esta experiência literária, saiba que precisarás de muito fôlego, conhecimento de interpretação e escolas de artes, e persistência, muita. Às vezes será impossível decifrar um parágrafo dele, talvez até por intenção do autor, mas não se pode desistir.
Outras vezes será algo fácil de interpretar e até mesmo divertido, como "minha sogra virou vó", única frase do capítulo em que conta que sua filha nasceu, nada sentimental, como o título do livro sugeriria.
Deixo o universo inteiro deste livro às suas interpretações, pois quanto menos texto se tem, mais dele se pode extrair.
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