Tiago.Cecconello 21/02/2023
O sonho de DOIS HOMENS RIDÍCULOS
Elogiar Dostoiévski é chover no molhado. Qualquer obra que ele escreveu é espetacular. Esses dois contos fantásticos abordam duas questões importantes de maneira criativa e profunda: o terrorismo psicológico e o niilismo/positivismo.
Em A Dócil, um livro verdadeiramente feminista - não esse feminismo barato e chulo que vemos hoje em dia, que enfia crucifixo na vagina e quer impor, de maneira fascista, o identitarismo -, Fiódor mostra de maneira brilhante a opressão e pressão psicológica um indivíduo ressentido e reprimido impõe cruelmente à sua mulher para descontar os seus fracassos e sua masculinidade frágil. Nessa obra, como em todas as outras do escritor russo, vemos uma análise profunda da psique humana na construção brilhante de um personagem atormentado pela sua consciência. Esse livro lembra que, todos os dias, convivemos com pessoas que, muitas vezes, carregam dores e problemas que não conhecemos ou que, nós mesmos, ajudamos a potencializar. Às vezes, essas pessoas chegam a pedir ajuda, mas não recebem nossa atenção. O único caminho que sobra a elas é o suicídio. Por isso, muito cuidado com a forma como você trata outro ser humano, sobretudo aqueles que convivem mais tempo com você.
Em o Sonho de um Homem Ridículo, Dostoiévski, na verdade, fala de dois homens tidos como ridículos: o niilista/positivista e o utópico. Esse conto lembra muito O Idiota, obra-prima do próprio autor, que coloca em conflito o idiota que menospreza todos os valores e tradições x o idiota que acredita que o mundo pode ser um lugar melhor. Porém, uma coisa é ser um IDIOTA maiúsculo, aquele que nega tudo e acha que lutar por um mundo melhor é inútil, outra coisa é ser um idiota que acredita que o mundo pode ser um lugar melhor. O primeiro é um idiota absoluta, o segundo, é idiota apenas para quem é um idiota absoluto. Ou seja, ser visto como idiota por pensar utopicamente é um elogio.
O homem ridículo dizia que não se importava com nada, nem com uma criança desamparada, mas ninguém pode fugir da consciência (de novo ela, o elemento-chave dostoievskiano). Até o maior dos assassinos tenta esconder seu crime, pois sabe, em sua consciência, que está errado. Essa mesma consciência atormenta nosso personagem, mostra que ele estava errado, mas, enquanto está acordado, ele pode criar subterfúgios racionais para ignorar ou empurrar esses incômodos para debaixo do tapete. Porém, no sonho não tem escapatória. Ele possibilita que a catarse aconteça. E nosso homem ridículo por achar que pode ignorar o mundo e os valores, agora se torna um homem ridículo por acreditar em utopias, ajudar criancinhas e desejar o amor ao próximo. Convenhamos, é melhor ser um ridículo utópico, que acredita na vida, do que ser um ridículo niilista que lava as mãos.
Eu poderia ficar escrevendo aqui eternamente, pois a obra do mestre russo é tão intensa e profunda que desperta a ridícula ingenuidade de achar que esse texto será lido por alguém e poderá ajudar a disseminar essas histórias fantásticas e essenciais para mais brasileiros, de forma que a mensagem utópica de Dostoiévski toque o coração ridículo de mais gente.