Niétotchka Niezvânova

Niétotchka Niezvânova Fiódor Dostoiévski




Resenhas - Niétotchka Niezvânova


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Adonai 24/10/2021

Um texto que desvia
Imaginar que esse livro foi escrito no século XIX com esse conteúdo é também repensar como algumas temáticas sempre estão circulantes. Uma garota muito nova que se apaixona por outra menina e não compreende seus desejos e suas relações pode ser desenvolvido de tantas formas e por isso é uma pena que o texto acaba tão abruptamente, já que Dostoievski decide encerrar sua escrita.

Romance singular e que merece ser revisitado em outras leituras.
Dan 27/10/2021minha estante
Dostoiévski era um conservador autêntico, diferente de muitos conservadores nacionais que brincam de ser escritores.




Victor Dantas 04/05/2021

Sujeito: ausência. presença. reencontro. #44
Voltei a escrever. O curso ultimamente tem tomado toda minha atenção e concentração, enquanto as leituras, por mais que estejam em andamento, ao finalizá-las, não tenho feito mais registro por meio da resenha. Mas, estou voltando. Vamos lá então.

Publicado em 1849, "Niétotchka Niezvânova" é o terceiro romance de Dostoviévski em ordem cronológica. Romance esse que assume uma posição de destaque em toda sua obra publicada, tanto pelo momento em que foi escrito quanto pelos conteúdos que o autor utiliza para construir seu enredo.

Começaremos pelo momento da vida pessoal do Dostoiévski, enquanto ele escrevia o romance.

Desde seu romance de estreia "Gente Pobre", Dostoiévski sempre foi um defensor das ideias socialistas tradicionais, e suas personagens eram uma extensão desses seus ideais de vida.

Em meados de 1848-1849, o autor começou a participar dos debates e movimentos de oposição ao regime totalitário do Império Russo, passando a integrar um grêmio socialista liderado por Mikhail Petrachévski.

Petrachévski era um alvo declarado do imperador da época Nikolai I, tendo nas suas sombras o exército militar do império, buscando a melhor situação para capturá-lo.

Eis que em 1849, os ativistas do grupo são capturados, levados a julgamento e condenados a pena de morte.
Entre eles, estava Fiódor Dostoiévski.

E naquela mesma época, o Dostoiévski estava escrevendo "Niétotchka Niezvânova", que viria ser seu primeiro romance de formação.

A pena estava anunciada. O destino estava determinado.
Mas, as coisas tomam outro rumo.

O imperador Nikolai I, acreditando ser misericordioso, decide anular a pena de morte à poucos minutos antes da execução do grupo na parede de fuzilamento, e declara uma nova pena. Exílio por 8 anos na prisão da Sibéria e 2 anos de serviço militar.

Diante da situação, a escrita do romance é interrompida, Dostoiévski é exilado na Sibéria, enquanto que os capítulos finalizados de "Niétotchka Niezvânova" passam a ser publicados anonimamente em um jornal.

Sendo assim, "Niétotchka Niezvânova" fica como um romance inacabado, com um final abrupto, no entanto, o que foi escrito e publicado posteriormente, foi o suficiente para que os críticos literários, mais tarde, viessem considerá-lo como uma das obras-primas do autor.

O enredo é o seguinte:

Iremos acompanhar a infância, a adolescência e uma prévia da vida adulta de Niétotchka Niezvânova, ou seja, um romance de formação.

A história inicia com Niétotchka apresentando ao leitor, a experiência primária mais sentida por qualquer ser humano, o abandono parental ou a ausência parental.

No caso da Niétotchka, primeiramente ele vivencia a experiência parental, com a morte do seu pai biológico quando ele tinha apenas 2 anos de idade.

Aos 8 anos de idade, Niétotchka vivencia outra ausência parental, a morte de sua mãe, e também o abandono parental, seu padrasto, o elo afetivo mais forte que Niétotchka até então possuía, a abandona após a morte da mãe.

Diante desses dois conflitos centrais, o enredo ganha forma, e o leitor passa a observar e acompanhar os efeitos dessa ausência, desse abandono e dessa ruptura afetiva na vida da Niétotchka. Como essas experiências foram bem precoces na vida da protagonista, o Dostoiévski, se aprofunda na psicologia infantil e adolescente da personagem, como essas situações traumáticas são percebidas, sentidas, por esse sujeitos, e como isso se desdobra na vida adulta.

A relação de Niétotchka com seu padrasto é o principal ponto do enredo, onde dá origem as outros conflitos que a protagonista vivencia ao longo de sua vida. Temos, quase o desenvolvimento do complexo de édipo surgindo entre Niétotchka e seu padrasto. Dostoiévski aprofunda e expande essa questão de uma forma absurdamente delicada, cuidadosa e atenciosa, dando luz a distintos aspectos que contribuem para tal situação.

"Desse modo, eu crescia em nossa mansarda e, aos poucos, o meu amor, ou, dizendo melhor, paixão, pois eu não conheço palavra bastante forte para expressar plenamente o sentimento invencível, torturante, que eu tinha por meu pai, chegou a atingir não sei que irritabilidade doentia" (p.57).

O próprio nome "Niétotchka" e o sobrenome "Niezvânova" carregam uma simbologia, onde em termos gerais o primeiro se refere a uma negativa (Não), e o segundo dá ideia de um ser sem nome (Coisa). Ou seja, o autor quis identificar a personagem como uma expressão de todas as pessoas que são abandonadas, não vistas pela sociedades, ou inferiorizadas.

Além do conteúdo social a respeito do abandono e ausência parental, a paixão paternal, Dostoiévski, aborda também outros temas importantes: a violência doméstica e psicológica; o alcoolismo; e a homoafetividade na adolescência.

A necessidade de vínculo, afeto é tão forte na construção subjetiva da Niétotchka, que em um determinado momento da sua vida, ela passa a se relacionar com outra personagem de uma forma tão profunda, que se desenvolve para um estado de apaixonamento, amor romântico, desejo.

O leitor é convidado a partilhar desse desejo/segredo que a própria protagonista nos confia:
"Resumindo - e me perdoem-me estas palavras - eu estava apaixonada por minha Kátia" (p. 115).

Dostoiévksi, foi absurdamente corajoso em dá voz e representar uma relação homoafetiva, m meados do século XIX, diante de uma nação e cultura extremamente conservadora, machista, homofóbica, que era a Rússia e todo o ocidente.
Situação essa, que obviamente rendeu críticas negativas por parte dos leitores e especialistas literários da época.

Sobre a parte textual, o livro é narrado em primeira pessoa, com uma narrativa puramente introspectiva da protagonista, ou seja, pensamentos e reflexões são as bases do enredo. Os diálogos presentes são bem executados, profundos e reflexivos.

Considero a narrativa de "Niétotchka Niezvânova" puramente sinestésica.
É como se o movimento textual, do enredo, até mesmo o trânsito entre os cenários, estivessem condicionados com o sentir e o observar da personagem. Não sei se me faço entender, só lendo para você identificar ou não esse aspecto, ou talvez seja apenas a minha experiência de leitura mesmo que me causou essa percepção. De todo modo, INCRÍVEL.

No final, "Niétotchka Niezvânova", é sobre o sujeito se reencontrar consigo, se perceber e se afirmar. É sobre ausência e presença. Ciclos.

Bom, esses são alguns dos aspectos que tornam e confirmam a importância e a posição de destaque de "Niétotchka Niezvânova" na obra Dostoiévskana, bem como na literatura russa como todo.

Se você ainda não deu atenção para essa preciosidade literária, aproveite agora a chance para repensar suas prioridades de literárias e inserir "Niétotchka Niezvânova".

Eu fico por aqui, seguindo fiel ao meu Dostô e aproveitando sempre que possível as ocasiões para divulgar a palavra desse genial escritor. #EUSOUDOSTÔFÃ.

Alexandra.Sophia 04/05/2021minha estante
#EUTBSOUDOSTÔFÃ




joaoggur 31/08/2023

Pobre Niétochka?
Publicado em folhetins no final dos anos de 1840, Niétochka Niezvanova foi abruptamente interrompida pela prisão de seu autor. O livro apresenta um final seco e com inúmeras pontas soltas, tal qual erros de continuidade; e estes pontos não fazem da obra algo menor.

Narrado em primeira pessoa (pela protagonista que da nome ao livro, - que, na verdade, tem como real nome ?Ana?), como uma espécie de autobiografia, podemos separar sua história em três partes (que, se não tivesse sido interrompida, poderiam ser muito mais):

Na primeira, acompanhamos sua tenra vida, ainda com seus pais biológicos. Seu padrasto (que ela o chama de pai) é um homem fanfarrão e alcoólatra; e, mesmo assim, a protagonista o venera incondicionalmente.

Ante o fato de tornar-se órfã, iniciamos a segunda parte da leitura. A protagonista vai morar com um príncipe, em um local abastado e tendo acesso a uma boa educação. No lugar conhece Katia, a mimada filha do príncipe. Niétochka apaixona-se por sua nova amiga, mesmo com ela a tratando como lixo. Após a consolidação daquele pequeno ?relacionamento? (cenas onde o desconforto é quase impossível de ser disfarçado), a protagonista é enviada para a casa de parentes da mulher do príncipe.

Já nesta residência, adquiri simpatia da dona da casa, a enteada do príncipe. Em contrapartida de sua relação com ela ser boa, a protagonista percebe comportamentos estranhos de seu marido, e a relação tem um desgaste cada vez maior.

É uma pena que a escrita do livro tenha se cessado tão abruptamente. Dostoiévski, nesta (pequena) história, já consolida sua habilidade de adentrar ao psicológico de seus personagens. Já podemos identificar traços como o Complexo de Electra (relação Niétochka X Padrasto), ou a tendência da protagonista em apaixonar-se por aqueles que a desprezam. O livro, ademais, é tristíssimo. A narradora passa praticamente toda a sua vida sozinha e, nos momentos em que se está acompanhada, pede esmolas de afeto.

Apesar dos pesares, do final abrupto, dos erros de continuidade, não há motivo para não recomendar. O autor escreve com maestria, e vale a leitura.
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paloma519 28/01/2023

triste e melodramático
Esse livro é só desgraceira, do começo ao fim. Quando eu começo a achar que as coisas na vida da Niétotchka vão começar a melhor, é só ladeira abaixo de novo.

A estória é narrada em primeira pessoa, e é uma autobiografia e um bildungsroman, ou romance de formação. A narradora inicia sua história desde sua infância até o início de sua juventude, aos 18 anos. O romance termina de forma abrupta, pois é inacabado - antes de finalizá-lo, Dostoiévski é preso.

Durante toda a obra, Niétotchka sempre foi manipulada por pessoas que ela amava, mas que abusavam dela psicologicamente, como seu padastro - que nunca teve escrúpulos nenhum de corromper a criança, fazendo com que ela roubasse e mentisse para a própria mãe; e mais tarde, por sua amiga e paixão (bem estranha, por sinal), Kátia, também no período de sua infância. Nas três casas diferentes em que a Niétotchka vive, ela se sente triste, oprimida e angustiada. Um fato interessante é que Niétotchka idolatra seus opressores; tanto seu padrasto, quanto Kátia. Desde bem nova, nota-se claramente um padrão à depressão, melancolia e solidão na personagem - e não é para menos.

O que mais me chama atenção nas obras de Dostoiévski é sua capacidade de, minuciosamente, descrever os sentimentos e emoções das personagens, e ele faz isso com maestria. A impressão, lendo suas descrições, é que você é aquela personagem, e em vários momentos senti, de fato, o sentimento opressor e angustiante descrito na obra.
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DIRCE 24/09/2014

Se você optar por ler este meu comentário não o leve em consideração. Leia a resenha do Ricardo Rocha
Quem já leu Os Irmãos Karamázov- um livro com um enredo riquíssimo e com um mergulho nas profundezas das almas das personagens e que traz à tona os seus conflitos e dilemas - sabe o porquê Dotoiesvisk é sempre lembrado quando o assunto recai sobre os grandes gênios da literatura mundial e, por isso, quem, por ventura, ler esse meu comentário, com certeza, não se mostrará condescendente com minha pessoinha, diante da confissão que agora faço:não fosse "Niétotchka Niezvânova" um livro de 214 páginas não volumoso, portanto, eu o teria abandonado .
É possível perceber no decorrer da leitura, que a preocupação de Dostoiévisk não foi com o enredo e, sim, com a miséria social que leva a degradação da personalidade - uma temática abordada brilhantemente por Vitor Hugo em Os Miseráveis. Não, não estou com isto dizendo que Dostoiévisk não conseguiu com que eu visualizasse a mísera social e moral a que Niétotchka era submetida, mas o que não me agradou foi o excesso de diminutivo: muitos inhos (as) - papaizinho, paizinho, mamãezinha, excesso que fazem com que protagonista e a leitura se mostrem muiiitoo chatinhas.
No primeiro parágrafo eu me utilizei da palavra condescendente e foi,justamente, condescendência que me faltou em relação às personagens. O papaizinho era um alcoólatra, um explorador, um mau-caráter e, ainda assim, mesmo sendo uma menina de apenas 8 anos , Niétotchka nutre por esse imbecil (que teve mão estendidas e as ignorou) um sentimento de Édipo ( bem freudiano e talvez seja esse o maior mérito do livro, haja vista que ele foi escrito entre 1846 a 1949 e abandonado por 10 anos, antecedendo a Freud, portanto). Esse sentimento de Niétotchka em relação ao pai (as aspas são por conta de que o papaizinho era na realidade o padrasto )a leva a enganar, roubar sua mãe, uma pobre coitada, uma miserável, que tem um final trágico.
Na adolescência da Niétotchka, surge uma atmosfera de mistério que me deixou esperançosa que a leitura se tornasse mais prazerosa, porém, sinceramente, não entendi. Ora bolas, Piotr era conhecedor do ocorrido com Aleksandra, foi em sua defesa, por quê tanto barulho?
Enfim, não gostei. Eu não consegui me deixar seduzir pelas personagens, não conseguir sentir empatia por nenhuma delas. Tudo que elas me provocaram foi canseira.
Mas claro que não sou louca de avaliar a obra com um número de estrelas que iria diminui-la na Estatística deste site, por isso opto por não avaliá-la.
Douglas 15/09/2020minha estante
Ótima resenha, Dirce. Só com alguns spoilers, de leve. Rs




SimoneSMM 31/10/2023

Toda aquela convulsão na vida psíquica dos personagens de Dostoiévski é aqui aplicada a uma criança. É impressionante a narração dos sentimentos e percepções infantis de forma tão complexa, tempestuosa, intensa!

Numa certa altura, a personagem Niétotchka diz: "Realmente, aquela estranha afeição minha lembrava de certo modo um romance..." e "aquele amor estranho que não parecia infantil", depois de já ter referido que seu único prazer era pensar e ter como objeto de seus devaneios, seu pai / padrasto. E ainda de desejar a morte da mãe para que pudessem, ela e o padrasto, ser felizes. Trata-se aqui de uma criança entre os 8 e 10 anos. Essa construção do amor na psiquê infantil chama muito a atenção, principalmente porque não é uma relação imprópria, do ponto de vista sexual. É um sentimento que nasceu na criança, não provém da conduta dos adultos, de forma direta, buscando esse resultado.

Surpreende ainda o fato de, nos anos de 1840, Dostoiévski ter dado ênfase ao erotismo e homoerotismo na criança, de maneira crescente e muito intensa, deixando explícito que as meninas tentavam não ser descobertas e, portanto, trazendo a impressão de não-inocência.

O livro é inacabado e deixa aquela sensação de que a genialidade do autor teria muito, muito mais a nos dizer.
Emerson Meira 31/10/2023minha estante
Muito bom Simone! Linda resenha! Deu vontade de ler ?


SimoneSMM 31/10/2023minha estante
Emerson, quando puder, leia! Tenho certeza que vc faria muito mais conexões que eu, devido a seus conhecimentos. Acho q vc gostaria ?


Emerson Meira 01/11/2023minha estante
Lerei sim, achei bem interessante. Agradeço a sugestão! ?




Ricardo Rocha 16/08/2011

ao acabar Nietotchka Niezvânova renasci para uma vida literária que julgava perdida, desde aliás, grandes obras apaixonadas do próprio Dostoievski. como só acontece com obras-primas, tudo o que em tese deveria contribuir para diminuir o livro o engrandece. a começar pela pressa da feitura e pelo fato de ser uma obra encomendada, o que fica inquietantemente claro a cada final de capítulo que “chama” o seguinte – vale dizer, o próximo número da revista em que estava sendo publicado. isso impõe um ritmo frenético à escrita que acaba se adequando com perfeição à sensibilidade à flor da pele da protagonista- menina, quase uma mulher. O próprio fato de não estar acabado abre perspectivas, o que Dostoievski até permitia, como os sete anos ao final Crime e castigo, mas não numa medida tão ampla. A redação sem qualquer tipo aparente de revisão, como se os originais devessem ser entregues no dia seguinte: é uma redação sem revisão, por vezes repetitiva, por demais adjetiva e, de novo, tudo se casando à perfeição com a história da infância e adolescência da exaltada Nietotchka. Talvez por essa, ele tenha encurtado as frases e diminuído os diálogos e parágrafos, o que dá um tom surpreendente para um livro de Dostoievski, muito próximo do que décadas mais tarde será louvado como vanguarda, o monólogo interior, do que ele é portanto pioneiro – porque, narrada na primeira pessoa, em alguns momentos escapa para a terceira de forma brilhante e, mais que isso, escapa da consciência de Nietotchka Niezvânova para a das demais personagens; e pela falta de elaboração ele talvez se permita deixar passagens que, quem sabe, com revisões possivelmente retiraria ou amenizaria. E o mais extraordinário de tudo: os temas. Quem sabe se fosse um livro escrito hoje por uma menina de 8 a 16 anos, seguiria mais ou menos nos mesmos moldes, porém não chamaria a atenção de ninguém, porque é uma menina de fato, falando do que de fato conhece, já numa época inundada de Freud e em que falar dessas coisas é algo banal. Mas sendo um homem maduro de um outro século, em que essas coisas ou não se sabiam ou eram reprimidas, é algo quase inacreditável. Naquela época, nem certas palavras existiam, nem se falavam.A menina confessa sem o menor constrangimento seu amor pelo pai, um amor “nada infantil”, a ponto de sonhar com a morte da mãe para que possam fugir sozinhos para um lugar maravilhoso. De passagem, focaliza a vida trágica desse homem de um prisma diferente do que seria o dele próprio ou mesmo o da narrativa onisciente, pois não é um fracassado qualquer, é um fracassado visto por uma menina inocente que por ele é apaixonada. Ora, uma mudança de perspectiva é suficiente para fazer todas as coisas novas e dar novos sentidos às conhecidas. É esse mesmo o caso do amor que brota entre a menina e a filha da casa que a abriga quando órfã. Em nenhum momento Dostoievski se detém para refletir se é imoral, ou anormal, simplesmente conta a sua estória, uma estória que, hoje, poderia se chamar "história" com toda pertinência, sem que ninguém se espantasse. E esse é o espanto. Nem mesmo o pai da outra menina se mostra indignado com o amor entre elas, pelo contrário, as abençoa. Toda essa desenvoltura diante de seus temas se modifica porém na última parte. Quando Niezvânova chega à casa do casal com quem terminará de amadurecer, é ainda uma menina. E cresce aí, à sombra de um casal cujo marido a olha de um modo assustador que a constrange. Só muitas páginas depois e de muitas confissões sublimadas, há um desabafo que expõe o fato de que a esposa tinha ciúme do marido com a menina – e tudo muito entre as linhas. O complexo freudiano da primeira parte se torna um desejo proibido na última. Mas agora Dostoievski se tornou cuidadoso. Enquanto antes praticamente fazia dos amores da menina o tema único do livro, ainda quando tratava outros, agora ele introduz recursos característicos, uma carta roubada, um mistério, enfim, deixa de lado (enquanto tema principal) tanto o desamor da menina pelo homem (se é que é de fato um desamor, visto que aqui já surge algo que tem necessariamente de a conter em quaisquer sentimentos por ele, pois é o marido de sua benfeitora), quanto o desejo implícito dele por ela, que jamais se manifesta claramente nem jamais fica claro que não existe.
Portanto, para além das virtudes e defeitos literários, Nietotchka Niezvânova é um estudo profundo das emoções e da moral humana através dos tempos.
É um mistério que semelhante obra tenha passado praticamente em branco todo esse tempo, mesmo após a celebridade de seu autor. Talvez o tempo ainda vá trazer para esse romance, em vez de um livro que pegamos como curiosidade, o leitor se encante com a obra, ela mesma, com a beleza estética, a hipersensibilidade, a perspicácia, o talento, num tempo menos afeito ao que todos gostam, um tempo de homens em busca de tempos e livros diferentes dos que buscam hoje.
Karla 31/01/2012minha estante
Dani isso fica claro no final, na página 207, o marido diz que a mulher acusou que o motivo que ele perseguia tanto a Niétotchka era pois ele nutria uma paixão secreta por ela.

Ricardo, concordo com tudo o que você disse, e acho que o romance, mesmo inacabado e com tantas falhas tem uma profundidade que o torna incrível. E ainda mais pela prenuncia aos modelos de Freud.
Achei uma das melhores obras de Dostoiévski. Uma verdadeira pena ele ainda ser desconhecido.




Flavio 01/11/2020

Um texto original e como abordam os tradutores, pioneiro no âmbito narrar a infância distante da idéia de inocência.
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Claudia.livros 10/08/2023

É um romance inacabado... não sabemos o fim. Será?

Dostoiévski não terminou de escrever o romance, pois foi preso e ficou anos na Sibéria. Depois desse período fez alguns enxertos, tirou algumas coisas e... não colocou um final. Mas será que precisava mesmo?

Ahhhh eu prefiro essa obra do jeitinho que está!

Niétotchka escreve suas memórias quando adulta e já uma grande artista. É cantora.

Nossa personagem descreve sua infância, suas dores ao lado da mãezinha e do maléfico padrasto. A manipulação que esse sujeito fazia com a pobre menina é de cortar o coração ?

Depois, suas lembranças seguem para vida que levou na casa do doce príncipe K. e sua família. Ela nos apresenta a princesa, mulher estranha e arrogante e a filha deles, Kátia. Kátia, grande paixão de Niétotchka (sim, temos aqui uma história de amor homo) mas que também sabia manipular como ninguém ?

Niétotchka depois passa a viver com o estranho casal, Aleksandra (enteada do príncipe K) e seu marido. Nessa casa temos mistério, suspense, revolta e muito sofrimento. Aleksandra é uma verdadeira mãe para nossa heroína e assim, apesar desse ambiente estranho, ela cria Niétotchka cercada de amor ??

E a história se desenrola, há muita emoção, reflexões maravilhosas, mas realmente não tem um final. Cada um de nós dá o final que quiser ?

Adorei esse livro ?
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Karina Paidosz 13/10/2022

Esse livro me trouxe um misto de sentimentos:
Dostoiévski usou de seus grandes artifícios em se tratando de mistérios.
Tirando "crime e castigo" que foi o meu favorito dele até agora, Niétotchka Niezvânova trouxe uma grata surpresa.

Eu vinha numa melancolia com as últimas leituras, e esse me trouxe mais reflexões.
Não achei de todo excelente, confesso até que levei um bom tempo até finalizar; estava algumas semanas postergando a leitura desse. Mas o final foi bem surpreendente.
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Marcelo 04/08/2023

Vou deixa aqui, de cara, um spoiler importante: o único pecado deste livro é que ele não termina de fato.
Esta obra, escrita durante o período em que o autor esteve preso, foi concebido para ser um romance, mas acabou sendo lançado como uma novela que acaba abruptamente.
O texto narra a vida da protagonista que dá título ao livro, desde a sua infância até o início da fase adulta. Trata de temas incomuns para a época como o amor entre duas mulheres e também de questões que, anos depois, seriam chamadas de freudianas.
Excetuando-se o já citado fim, é um excelente livro.
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Gio 30/05/2021

Em Niétotchka Niezvânova, que foi publicado pela primeira vez em 1949, Dostoiévski mostra todo o seu potencial como romancista e um projeto ambicioso e revolucionário de um romance de formação. Niétotchka (diminutivo de Ana), narradora-personagem, é uma figura romântica e muito ambigua, que vê a vida de forma realista e sonhadora ao mesmo tempo, sendo muito consciente de seus devaneios e loucuras e também da própria realidade que a cerca. Logo no inicio, já deixa claro que o enredo é um relato de sua vida (e de quem por ela passou) e suas experiencias afetivas em sua visão já adulta. Nos primeiros capitulos, fala sobre seu padrasto e sua mãe, demonstrando uma admiração e paixão pelo padrasto (complexo de Édipo, sim ou sim?) e seu ódio ingenuo em relação a mãe, que em suas impressões infantis foi realmente a culpada pelas frustrações e fracassos do padrasto, que na realidade vivia em um mundo de ilusões e era incapaz de aceitar sua mediocridade. Após um periodo de angustias, vê sua mãe morrer e sua maior referência amorosa a abandonar, honrando tristemente o significado de seu apelido de "criatura abandonada e desprotegida". A partir dai, uma nova trama se inicia. É adotada por um principe que já tinha filhos, passando a conviver com outras crianças sendo uma delas Katia, por quem acaba se apaixonando, um periodo em que descobre em si mesma muitos sentimentos e emoções, que por novamente fugirem do convencional a colocam em torturas emocionais e sentimentos de culpa, o que acaba causando desconfiança e um certo receio em sua familia adotiva, que decidem separar as duas crianças. Nessa terceira fase, Ana vai morar com a irmã mais velha de Kátia, já casada, por quem também teve muita admiração. Uma moça que pelas descrições, tinha uma aparencia e caráter tipicamente românticos: pálida, traços angelicais, poucos amigos e com um ar misterioso de quem esconde um passado obscuro. É nessa nova fase que Niétotchka tem contato com a literatura e recebe uma educação diferenciada (sendo um tema muito interessante, mostrando as afinidades de Dostoievski com a Pedagogia Ativa de Rousseau) por sua nova "mãe" adotiva. Até que um dia, em um livro de Walter Scott (que inclusive desconfio ser o escritor queridinho de Dosto, em Noites Brancas e provavelmente em outras narrativas também há muitas referêcias a ele) , encontra uma carta que revela toda a tensão que sua intuição acusava existir entre seus novos parentes, o que acaba levando-na a refletir também sobre si mesma e seu passado. Um livro inacabado pois foi escrito quando Dostoievski estava preso na Sibéria, isto é, em meio a torturas e tribulações (deduzo ser por isso os "erros" de desatenção no livro que comprometem um pouco o enredo), que sobretudo para a época carrega temas que são ainda hoje tabus e questionamentos intensos, uma narrativa impressionista que a depender de sua empatia com a história, é como se aqueles sentimentos fossem seus (eu mesma fiquei tão impactada com algumas passagens que acabei deixando passar pormenores, pretendo ler novamente inclusive kk). Inacabado, um tanto melodramático, publicado inicialmente como romance de folhetim, um romance em que somos levados a indignação e a compaixão, em que a natureza humana nos é revelada em toda sua ambiguidade de forma sútil e trágica por uma narradora demasiamante humana, que viu na escrita uma forma de compreender a si e aos outros, que devido aos traumas desde cedo descobriu o absurdo da vida e percebeu que a esperança, o sonho e a imaginação são as formas mais puras de liberdade.
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Morgana.Paulino 20/11/2023

Na hora que ia começar, o livro acaba
Dos livros iniciais do autor, esse é o que tem uma escrita mais fluída e menos truncada.

Acompanhamos a infância de Nietotchka e seu núcleo familiar composto pela sua mãe e seu padastro. Padastro esse que tem uma relação disfuncional com nossa protagonista.

Avançamos para a segunda parte do livro, onde Nietotchka conhece Kátia, uma jovem de mesma idade, mas com personalidade diametralmente oposta, que desafia Nietotchka a todo momento.

A última parte do livro acompanhamos a adolescência até o início da vida adulta da personagem, quando ela vive com a irmã mais velha de Katia e seu esposo. Nos deparamos mais uma vez com uma relação nada simples.

Em síntese, é um livro que fala sobre o desenvolvimento de uma mulher, onde a psicanálise vai beber dessa fonte, pois fala de forma muito completa sobre os dilemas emocionais e formação de personalidade.

É uma pena ser um livro inacabado do Dostô. Nos deixa com vontade de continuar a história e de compartilhar da visão que o autor teve da obra.

Na minha visão, na hora que ia começar de fato o livro, ele acaba.
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Sabrina Araújo 21/10/2022

Uma obra inacabada
>> Devido a quantidade de páginas e o fato de ter sido interrompida em  decorrência da prisão do autor por motivos políticos, Niétotchka Niezvânova passa a notável noção de que seria um romance extenso por conta de seu conteúdo, que anos mais tarde seria abordado na psicanálise: O complexo de Édipo. 


>> O livro é contado na primeira pessoa, trazendo inicialmente a narração sobre um violinista (Iefimov) que buscava insistentemente a fama, sua condição e muitas vezes o costume de tirar proveito da bondade alheia, o transformava em uma pessoa difícil de realmente ser digna de alguma ajuda, e a maneira em que ele mesmo buscava consolo na paranóia, fazia com que fosse colocado constantemente de frente com a auto sabotagem, o destruindo emocionalmente o tempo inteiro. A situação só piora quando ele resolve se casar com uma mulher apenas por causa de uma certa quantia de dinheiro que ela possuía, e sua única filha Niétotchka, até então, uma pequena criança, possuía sentimentos conflitantes em comparação a ambos, tendo Iefimov como principal apego e colocando a mãe como culpada dos desentendimentos. 


>> A trama traz a personagem Niétotchka levantando inúmeros questionamentos sobre si mesma, tentando entender a profundidade de sua psique e os sentimentos fortes que cultivava por seu pai, e mesmo para uma criança, que em convivência com brigas constantes entre o casal, passava até mesmo a desejar a morte da própria mãe para que ela e o pai pudessem ir embora juntos. 


>> O desenvolvimento da personagem é extraordinário e vai desde sua infância até sua maturidade, com destaque a sua mente intensa e cheia de questões que ela mesma tenta de maneira insistente buscar respostas. Na segunda parte, ela se vê envolvida em uma intensa paixão por outra garota chamada Kátia, que também, assim como outros personagens, torna-se alvo de suas observações ao tentar analisar as motivações de seu comportamento. 


 "Meu primeiro pensamento foi não me separar mais de Kátia. Algo me atraía irresistivelmente para ela. Não me cansava de olhá-la, e isto a deixou surpreendida. Era tão forte aquela atração, eu me entregava com tamanho ardor a esse meu novo sentimento".


>> A narrativa é recheada de intrigas, dramas, abordagens psicológicas e trechos que enfatizam - como sempre - todo o balanço de sua filosofia. Um livro que aborda temas polêmicos para sua época, onde apenas alguém brilhante como Dostoiévski poderia escrever tão facilmente e prender qualquer leitor até o fim. 


 "Estava pensando, pensando sempre; em meu cérebro imaturo não havia forças para solucionar toda a minha angústia, e eu experimentava, no íntimo, um sentimento cada vez mais penoso, mais desagradável".


>> É simplesmente uma pena que essa obra não tenha obtido sua merecida conclusão, é perceptível que Fiódor queria escrever um grande romance, ainda assim, é um livro que com certeza tem todo o meu carinho, justamente pelo tema escolhido. O fato de estar incompleta e seu motivo faz com que ela seja ainda mais especial, pois tudo em Dostoievski é histórico, seja em seus livros ou fora deles, e esse também é um pedaço que representa tudo o que ele foi. 
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