Queria Estar Lendo 19/01/2017
Resenha: Vivian Contra a América
Vivian Contra a América é o segundo e último livro da duologia Vivian Apple, da Katie Coyle, que começou no livro publicado em 2015 aqui no Brasil, Vivian Contra o Apocalipse.
Depois de descobrirem as mentiras da Igreja Americana, Harp e Vivian estão mais encrencadas do que nunca. Fugindo do complexo da Igreja, sendo obrigadas a deixarem Peter para trás e sem saber por onde começar ou mesmo o que fazer, as duas amigas estão perdidas.
"Foram nossas próprias ações desafiadoras que nos trouxeram até aqui. E, embora as consequências sejam enormes e terríveis, não consigo me arrepender do que fizemos."
E como se não fosse o suficiente, elas acabam de virar Inimigas da Salvação e procuradas pela Igreja, o que basicamente quer dizer que elas não estão seguras em lugar algum porque há uma recompensa por sua captura. Dessa vez, Harp e Viv não podem fugir dirigindo rapidamente pela autoestrada e precisam contar com a ajuda de Winnie, a recém-descoberta irmã de Vivian, e a milícia rebelde da qual ela faz parte.
O problema é que as duas não estão cem por cento de acordo com os métodos utilizados pela milícia ou com os ideais de sua fundadora, e se quiserem salvar as pessoas que amam, elas vão precisar enfrentar tudo com a coragem destemida que o Universo lhes deu.
Na resenha de Vivian Contra o Apocalipse eu já havia comentado como o mundo descrito pela Katie Coyle era algo que assustava por ser tão intensamente real e plausível, devido as tensões que estamos vendo no mundo hoje. E Vivian Contra a América não fica longe disso.
"Eu queria, e não pela primeira vez, que a Igreja fosse uma religião como outra qualquer. Eu queria que desse essa sensação de comunidade aos Crentes sem causar mal a ninguém."
O último livro da duologia mostra um planeta terra ainda mais acabado, com um clima ainda mais perigoso e uma incerteza ainda maior sobre o nosso destino. O Apocalipse do qual falavam no primeiro livro era só uma forma da Igreja Americana de controlar ainda mais seus fiéis, instaurando medo para que pudessem lucrar com o desespero. Mas a verdade é que o mundo está morrendo, mesmo, e não por alguma intervenção divina, mas pela já conhecida devastação humana.
Além disso, Vivian e Harp continuam a cavar, procurando pelas pessoas arrebatadas e invadindo a sede da Igreja para descobrirem seus planos para o futuro -- já que não é nada lucrativo ficar matando seus fiéis. Enquanto, no inicio, Vivian é tomada pela sede de vingança, pela vontade de ver todos que tem uma ligação com a Igreja America arderem e, por isso, se identifica tanto com a milícia, Harp quer justiça. Harp quer desmascará-los e fazer o mundo encarar todas as atrocidades que cometeram em nome de uma mentira absurda e das ilusões de uma pessoa mentalmente instável.
"Você acha que eu não sei lidar com uns probleminhas? É só olhar o noticiário, Peter Ivey. Eu sou a grande inimiga da Salvação."
É bem claro que ambas representam duas partes da mesma pessoa, digladiando-se com a necessidade de justiça e a vontade de vingança. Harp segue a lógica e Vivian segue sua emoção, o que por vezes a coloca em perigo verdadeiro.
E é impossível olhar para essa história sem enxergar o momento atual em que vivemos. Os crimes de ódio nessa América dominada pela Igreja aumentaram ridiculamente. Crimes que dizem defender a fé, quando na verdade é apenas medo e a parte mais suja do ser humano, que prefere culpar os outros pelo seu fracasso do que admitir para si mesmo que não é perfeito e precisa reavaliar suas decisões e posições. A mesma motivação que permite com que tantas pessoas se deixem enganar pela Igreja Americana -- e, no nosso mundo, por tantas outras pseudo religiões que ao invés de pregar a fé, o amor e o perdão, pregam o ódio gratuito e inquestionável, a submissão cega -- e mergulharem em uma crise que só piora sua situação.
O que eu mais gostei nessa duologia da Vivian Apple foi como a Katie deixou essa dúvida no ar: será que o mundo que ela criou é um mundo apenas "um pouco" mais exagerado do que o nosso, ou um mundo exatamente como o nosso que apenas não se esconde atrás de máscaras? A realidade pulsante da história fascina, assusta e faz pensar.
"Diego tem razão: também tenho um monstro dentro de mim. Uma fagulha de loucura que torna a destruição possível. Nesse momento, esse sentimento é maior do que o choque e a tristeza. Ele me transforma em algo inumado, como um pilar de fogo justiceiro pronto para consumir Masterson e os anjos, e os reduzir a pó."
Não tenho dúvida alguma de que Vivian Contra a América foi um dos melhores livros que li em 2016 e, a duologia, uma das melhores que vou ler na vida inteira. As personagens são vivas e críveis, bem delimitados. As perdas são reais e você sente o impacto de viver em um mundo sem aquelas personagens que morreram. É um livro que consegue ser leve e, ao mesmo tempo, denso. O tipo de leitura que vai depender da forma como você interpretá-lo para marcar a sua vida.