Gramatura Alta 28/06/2016
Suspense muito bom
Uma boa história, ou uma boa ideia, não precisam de muitos detalhes, nem de muito desenvolvimento, para surpreenderem. Às vezes basta um pequeno desvio de atenção, como uma mágica, fazendo o leitor pensar uma coisa e depois, já no final, mostrar que não era bem assim, que toda a verdade estava lá, bastava pensar, ou ler direito. Os personagens são apresentados e desenvolvidos dentro de um limite que não permite ao leitor prever o que está por vir. As pistas são entregues aos poucos, de forma que o leitor consiga assimilar sem dificuldades, mas insuficientes para enxergar o plano geral.
A obra de Michael Kardos, além de apresentar um final que mostra como o leitor foi enganado o livro todo, ganha pontos por diversas características. Começando pelos personagens principais: Melanie, ou Meg; Allie, a mãe de Melanie; Ramsey, o pai. Arthur, o repórter; Eric, o melhor amigo; Wayne e Kendra, os tios que esconderam Melanie. Todos, cada um a seu tempo, tem uma importância fundamental no desenvolvimento da história. E todos, sem exceção, têm um grau de imperfeição.
A narrativa, em terceira pessoa, acompanha apenas dois deles: Melanie, obviamente; e Ramsey, seu pai, o suspeito de ter assassinado sua mãe. Junto com Melanie, no tempo presente, acompanhamos seu sonho de viver sem se esconder, sua volta à cidade natal e a tentativa de encontrar pistas que levem a polícia a prenderem Ramsey, acabando com seu sofrimento diário de achar que será morta por ele.
No tempo passado, quinze anos antes, acompanhamos toda a vida de Ramsey, até o fatídico momento do assassinato. Conhecemos sua criação, por pais desajustados, mas nem tanto. Suas infrações delinquentes na juventude, seu primeiro emprego, a paixão com Allie, o casamento, a profissão de motorista de caminhão, as suas ideias sobre o futuro, sobre sua relação conjugal, o amor que sente por Melanie, e assim por diante. O curioso é que, em nenhum momento, até o final do livro, quando toda a verdade é revelada, não conseguimos encontrar motivos suficientes para o crime acontecer.
Sim, este é um ponto original e que motiva a leitura. Por quase toda a história, mesmo conhecendo o ponto de vista da vítima e do réu, não conseguimos encontrar motivos para o que irá acontecer, ou aconteceu. Página atrás de página, tentamos compreender o que poderá motivar alguém, que parece amar tanto a esposa e a filha, a cometer a atrocidade de matá-las em uma noite absolutamente normal. Até que descobrimos que tudo estava lá, o tempo todo, era só prestar atenção.
Na verdade, a história confirma algo que todos sabemos: que muitas pessoas não são o que parecem, que nunca conhecemos verdadeiramente alguém, até que esse alguém precise se mostrar, que deixe cair sua máscara. Algumas máscaras estão lá como proteção; outras, para esconder as falhas; e outras, para ocultarem um monstro.
A GAROTA SEM PASSADO apresenta uma conclusão que satisfaz, que transmite a sensação de que você leu algo que foi surpreendente, mas que também deixa um gosto amargo na boca. Como os personagens, a história é realista no destino de cada um. Ela praticamente grita que o mundo é imperfeito, que existem pessoas carentes, loucas, traidoras, egoístas, egocêntricas, covardes, enfim, de todos os tipos, espalhadas por todos os lugares, porque o ser humano é assim, cheio de falhas. A vida é um reflexo dessas falhas. E na parte final, quando Melanie fica em um parque, na expectativa de que uma certa pessoa possa aparecer, quando apenas o leitor sabe o destino dela e que ela nunca irá aparecer, dá aquele aperto no coração. Mas as coisas são assim. E ponto.
site: http://www.gettub.com.br/2016/06/a-garota-sem-passado.html