Ladyce 02/05/2016
Considerado o livro do ano em 2014 tanto pela crítica inglesa quanto pela americana fui com sede ao pote de Euforia, livro de Lily King, lançado no Brasil no início deste ano. O romance histórico baseado na vida da antropóloga americana Margaret Mead, durante a década de 1930, cobre suas aventuras no sudeste asiático, quando acompanhada de seu segundo marido Reo Fortune,[ Schyler Fenwick, no livro], um antropólogo natural da Nova Zelândia, vem a conhecer aquele que se tornará seu terceiro marido, Gregory Bateson [Andrew Bankson, no livro].
Margaret Mead foi muito mais do que uma revolucionária no estudo da antropologia, tornou-se também um ícone do movimento feminista por ter advogado a liberação sexual, depois de publicar o livro Coming of Age in Samoa em 1928. Talvez tenha sido por essa aura de importância, pela fama de rebelde, iconoclasta, por ter quebrado tabus sociais e culturais no ocidente com ideias adquiridas na observação de povos primitivos; por ter sido defensora da observação in loco; por ter tido três casamentos; por ter ensinado antropologia na Universidade de Columbia; ter sido conservadora do American Museum of Natural History; por ter recebido, ainda que postumamente, a Presidential Medal to Freedom, a mais alta honraria dada pelos Estado Unidos, que a vida de Margaret Mead, romanceada tenha sido tão elogiada pela crítica e pelo público. Talvez tenha sido o público, sempre curioso pela dedicação romântica, apaixonada, renovadora da antropóloga, que levou esse livro a ser tão bem considerado. Essa é a justificativa que encontro para o sucesso extraordinário deste romance histórico e para os elogios abundantes dos dois lados do Atlântico.
Em visita a um museu não apreciamos o retrato de uma pessoa famosa pelo que ela fez. É a arte do pintor ao retratá-la que nos fascina. Não fosse isso, nenhum de nós atravessaria meio mundo para observar por alguns minutos o retrato da Mona Lisa, por exemplo, cuja vida particular nos é tão pouco conhecida. É a habilidade de Leonardo da Vinci que nos leva ao Louvre. São suas pinceladas, sua técnica que nos fascinam ao contemplar La Gioconda. O mesmo não acontece com Euforia. Margaret Mead, sua vida e sua paixão são o que nos atrai. Não foi a arte literária de Lily King, a narrativa excepcional.
Euforia trata do início da paixão entre Nell Stone e o antropólogo inglês Andrew Bankson. Inicialmente a atração dele por ela é intelectual. Mesmerizado pela maneira de pensar, pela dedicação, pelos métodos de pesquisa de Nell Stone, Andrew a aprecia prontamente. É sua mente que o atrai primeiro. Depois sua liberdade, sua franqueza, sua essência americana.
Seus olhos queimavam dentro dos meus quando eu tinha uma ideia de que ela gostava. Seguia cada palavra que eu dizia; voltava a elas mais tarde. Quando escrevi o nome de Martin no gráfico, ela passou o dedo sobre as letras. Eu sentia que em alguns aspectos tínhamos feito alguma espécie de sexo, sexo mental, sexo de ideias, sexo de palavras, enquanto Fen dormia [183-4]
Euforia não é uma biografia. Tampouco é uma obra literária de peso. Trata-se de um romance tradicional, que conta as circunstâncias e o desenvolvimento do mais longo relacionamento de Margaret Mead, 14 anos: seu casamento com Gregory Bateson. É uma ficção histórica. Leve. Uma obra que nos dá em grandes pinceladas uma ideia do que pode ter sido a vida desses antropólogos trabalhando no início do século XX, estudiosos que mudaram o rumo do estudo do homem, de seu ambiente e sua cultura. Tem um ar de aventura, sem a excitação de As minas do rei Salomão, de Henry Rider Haggard, por exemplo. E talvez seja essa a minha grande crítica: o livro nem é bem uma biografia, nem um livro de aventuras que deixem o coração palpitando. Não é uma obra que prime pela qualidade literária, sua escrita é corriqueira. É morno. Nem isso, nem aquilo. É uma leitura que entretém, rápida. Algo para uma tarde de verão, para um dia de férias.