Guerra Sem Fim

Guerra Sem Fim Joe Haldeman




Resenhas - Guerra Sem Fim


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Lista de Livros 23/12/2013

Lista de Livros: Guerra sem fim, de Joe Haldeman
“Nos poucos momentos em que fiquei acordado após, finalmente, me deitar, o pensamento de que a próxima vez que eu fechasse os olhos pudesse ser a última veio à minha mente. E, em parte por conta da ressaca da droga, mas sobretudo por causa dos horrores do dia anterior, eu me dei conta de que não estava nem aí.”
*
“– A vida – disse Marygay lamuriosa –, a vida é...
– A vida é um monte de células que andam por aí com um propósito em comum. Se este propósito em comum for me ferrar...”
*
Mais em:

site: https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2012/01/guerra-sem-fim-joe-haldeman.html
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Marcos Carvalho 18/08/2010

Atual
O livro é um alegoria para o clima político da época, pois é baseada na Guerra do Vietnã, da qual o autor combateu como soldado. Podemos fazer uma analogia com a atual situação política americana, em de envidar tempo, mobilização e altos investimentos para impedir o ataque das “supostas ameaças”, tão assustadoramente incoerente quanto o relatado no livro.
É um livro de prevenção a guerra com grandes exemplos e ensinamentos. Joe Haldeman nos mostra as virtudes de aprender com o passado, analisando constantemente o presente e implementar as mudanças necessárias para o futuro, para que evitemos de enviar os melhores homens e mulheres para combater em guerras contra um inimigo desconhecido e, por muitas, sem saber por o verdadeiro motivo.
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Orlando 24/11/2015

GUERRA SEM FIM DE JOE HALDEMAN
Se há uma constante na cultura humana, definitivamente essa constante é a guerra. Não importa de que país você seja, qual a cor de sua pele, que idioma você fala, qual origem de seu nome ou de sua família: a guerra já cruzou com o passado de todos nós... que seja apenas no passado histórico ou nos livros didáticos ou de Literatura: a guerra é parte da história de nossa espécie e, muito provavelmente, estará lá no fim de todas as coisas de algum mondo.

É mais ou menos isso que Joe Haldeman, ex-combatente americano na Guerra do Vietnã, pôs em seu sublime livro Guerra Sem Fim (Forever War, 1974), uma alegoria a essa mesma guerra do Vietnã na qual lutou, mas que no fim das contas a obra se tornou uma alegoria de todas as guerras, de ontem, de hoje e de amanhã. Não à toa Guerra Sem Fim está sempre muitíssimo bem recomendado em listas variadas de Sci-fi ao redor do mundo.

Estar em guerra parece ser algo completamente natural, até mesmo animais irracionais estão em constante guerra, mas ao menos a deles é compreensível: guerra por sobrevivência, puro instinto de pegar o essencial para sobreviver num deserto, numa floresta, nos oceanos, no ar que respiramos... até os menores e mais imperceptíveis organismos de nossa ecologia estão em constante guerra pela sobrevivência. E isso, repito, é fácil de entender, não há diálogo, mas também não há excessos, não há matança desenfreada, apenas equilíbrio natural perfeitamente controlado, um jogo honesto na cadeia alimentar, por assim dizer. Não há genocídio, a natureza vai indo em seu rumo perfeitamente natural do "pegue o que você precisa e vá embora".

Mas aí veio nossa espécie e desequilibrou o jogo ecológico. Apesar de travarmos guerras ecológicas como qualquer outro organismo vivo, nossa existência sobre o planeta é perfeitamente pautada por excessos e abusos: se precisamos de recursos, o que nos é necessário não é o bastante, é preciso mais e mais até que algum tipo de limite seja atingido e, quando o limite é a existência de outra forma de vida, a extinção não é um obstáculo para nós. Está no caminho? Então vai ser retirado. Nosso combate é sujo, é exagerado, é predador, é violento e acima de tudo covarde. Lutamos por pedaços de terra, por pedaços de metal ou madeira, lutamos por água, por expansão ou apenas porque o outro é isso: OUTRO.

Joe Haldeman sentiu isso na pele literalmente como ex-combatente de uma dessas guerras cheias de desmandos e desmotivos. Condecorado por ferimentos de guerra, Haldeman voltou para casa apenas para constatar, assim como muitos de seus companheiros de batalha, que aquele país, os EUA pós-Vietnã, não era mais sua casa. Culturalmente diferente, economicamente em mudanças, uma crescente liberdade guiando a nação a novos rumos, cada soldado era somente uma relíquia da guerra, nenhum deles tinha um "museu" para chamar de lar, estranhos em sua própria terra, o combate começou a parecer um "lugar" melhor, lá ao menos existia a chance de levar um tiro na cabeça e partir sem sentir nada.

Mas Haldeman não voltou à guerra e suas angustias foram postas no papel e o resultado é o brilhante Guerra Sem Fim, considerado um dos melhores e mais instigantes romances de Sci-Fi sobre guerra. Ao por naquelas páginas suas aflições, angústias e frustrações, Haldeman acabou criando uma obra honesta, limpa, crua em sua forma direta de dizer as coisas que o autor queria dizer. Ao se basear em suas experiências em uma guerra específica, o autor acabou por conseguir o grande feito das verdadeiras boas obras: partir de um recorte específico, particular e pessoal demais para uma ampla e abrangente generalização do tema: precisamos falar sobre GUERRA... não a do Vietnã, não a Segunda Grande Guerra, não a Guerra das Malvinas... qualquer guerra em qualquer lugar.

Em um tipo de realidade alternativa a nossa, no ano de 1996 o soldado William Mandella é recurtado pela Força Exploratória das Nações Unidas - FENU (United Nations Exploratory Force no original) para ir até um portal colapsar como parte de seu treinamento para uma guerra interestelar. Os portais surgiram sem muita explicação, mas sua forma de "funcionamento" e seus benefícios foram compreendidos pelos humanos e utilizados para expandir nossa participação no universo infinito. Grandes estruturas que ligaam diferentes pontos do espaço, os portais colapsares levam nossa raça para outras galáxias em uma fração de minutos ou horas... ao menos no que se refere aos passageiros das granes naves que os atravessavam.

Semanas e meses são necessários para atravessar o sistema planetário no universo de Guerra Sem Fim, mas a partir do momento que as grandes naves espaciais atravessam um colapsar é questão de segundos até sair do outro lado em uma galáxia muito, muito distante. Mas o cuidado de Haldeman em brincar com altíssimas velocidades está sempre sendo pontuado ao longo de sua narrativa: os fatores de desaceleração em velocidades próximas à da luz, os efeitos relativísticos de tais valores tão grandes de aceleração, os efeitos gravitacionais entre outros acabam parecendo sempre para tornar as coisas ainda mais complicadas num salta colapsar.

A trama que o livro apresenta é praticamente unilateral: é única e exclusivamente o ponto de vista de Mandella tendo de ir até sua primeira missão e de lá para outras tantas, cada uma mais difícil e distante que a anterior, o que torna os efeitos das velocidades relativas ainda pior sobre a vida do soldado. Como todos os membros de seu grupo, Mandella precisou passar por um intenso treinamento para a utilização dos trajes de combate, misturas de armaduras táticas com traje de sobrevivência para ambientes hostis.

Nesse treinamento havia de tudo um pouco: experiências de tiro com as armas laser do traje, montar bases de operação nos planetas visitados que possuíam portais colapsares em suas órbitas, reparos em bases já existentes entre outras tarefas dentro da convocação da FENU... ser soldado na Federação exigia muito mais do que atirar em homenzinhos verdes de outro mundo, antes mesmo de que se pudesse ver um marciano briguento, muitos eram os recrutas que morriam em decorrência de acidentes nos planetas e nas obras de reparos e construção de infraestrutura.

Haldeman divide seu foco narrativo expondo duas frente para Mandella, a primeira é justamente a partida do soldado para a guerra que os humanos travam com a raça batizada por nós como Taurianos, seres cuja provável origem esteja situada nas proximidades da estrela Aldebarão na constelação de Touro. Nesse sentido acompanhamos inicialmente a jornada de Mandella, clara metáfora ao caminho do próprio Haldeman, nos meandros da estrutura militar e na cadeia de comando, seu relacionamento com os demais soldados de seu pelotão e o aprendizado das técnicas de utilização do traje de combate, ao que tudo indica, um dos pontos que mais parece ter a atenção de Haldeman na narrativa.

Nesse primeiro rumo a obra segue até o primeiro confronto entre a tropa de Mandella e os Taurianos em um de seus postos avançados. Aí a coisa toda muda de figura e toda a burocracia militarista dá lugar a um combate unilateral alucinado entre as forças humanas e os alienígenas numa carnificina descrita com tensão e precisão angustiantes. Apesar de serem humanos contra uma raça não claramente descrita, percebe-se que a crueza do que Haldeman viu em seu período no Vietnã está ali fortemente influenciando as impressões que o autor nos passa com seu texto ágil. Com poucos detalhes subjetivos, a narrativa de Haldeman ganha, ao menos nesse ponto do livro, força em sua maneira direta e cirúrgica de descrever a sequência de cenas do combate, deixando em seu leitor um "gosto" ruim de fumaça acre de corpos calcinados...

Se Haldeman não é um detalhista compulsivo, não se deixe iludir, ele é um narrador fantástico de fatos e ações. Com seu texto ágil o autor prende a atenção do leitor e mesmo quando alterna do estado de alerta máximo dos soldados para o combate frenético, descoordenado e quase insano que se segue, no mesmo embalo cessa as hostilidades e mantém a atenção para a situação toda sem perder o fio condutor de sua trama: ali está o outro, eu não o compreendo, não conseguimos nos comunicar, ele precisa ser destruído antes que eu seja.

A segunda abordagem do autor diz respeito aos inúmeros confrontos de ordem psicológica, cultural e moral pelos quais seus personagens são submetidos. O primeiro retorno dos soldados ao planeta Terra é seguido do choque extremo sofrido devido ao fluxo do tempo cronológico do planeta contra o tempo subjetivo dos viajantes que cruzaram os colapsares em velocidades próximas à velocidade da Luz. Mandella e seu pelotão passaram aproximadamente 4 anos em viagens sucessivas, coincidindo com seu primeiro tempo de alistamento, enquanto que na Terra cerca de 30 anos haviam se passado.

Os choques são os mais diversos e variados possíveis: a economia mudou e é quase totalmente direcionada aos esforças de guerra, o planeta é praticamente comando pela FENU; a crise econômica gerou uma multidão absurda de desempregados, a fome é uma realidade em escala global, a tecnologia mesmo evoluindo bastante acabou sendo algo extremamente restrito; os feudos familiares para produção de alimentos para a própria subsistência por incentivo dos governos se tornaram uma alternativa atrativa para os que querem fugir da crise nas grandes cidades; a violência é uma constante a cada esquina com gangues de delinquentes, assaltantes, drogados e assassinos.

Diante desse mundo em frangalhos Mandella tenta encontrar a Terra de 1996 ou algo minimamente próximo disso ao lado da soldado Marygay Potter com quem dividiu sua cama muitas vezes durante a primeira incursão pelos colapsares e que acabou se tornando "seu par fixo" ao longo das viagens. O casal cogita, ainda que cheio de dúvidas, a possibilidade de permanecer na Terra e começar uma vida nova com os juros de seus pagamentos da FENU, a essa altura do campeonato, quase 30 anos depois, uma pequena fortuna.

Mas as coisas são bem piores do que parecem e podem ficar ainda mais ruins. Os planos do casal vão se perdendo num mundo que não é mais o que eles haviam deixado para trás e lhes tira ainda mais do que o tempo de alistamento nas fileiras da FENU. Mandella e Marygay retornam para seu pelotão e partem novamente para os colapsares para deter a ameaça tauriana em algum lugar. Aí mais uma vez Haldeman foca sua narrativa nos processos burocráticos da guerra e em combates ainda mais viscerais, mesmo quando esses combates duram apenas "alguns parágrafos". O fato relativístico que tanto afeta os personagens humanos também afeta os taurianos cujo poderio tecnológico evolui e se aperfeiçoa ao longo dos efeitos da relatividade. Um soldado humano que deixou a Terra 30 anos atrás poderia estar enfrentando uma tropa tauriana que deixou seu mundo há apenas alguns meses e com o que havia de mais moderno por lá.

Os saltos relativísticos põe Mandella ao lado de jovens soldados do futuro, todos mais novos do que o agora sargento coisa de dois ou três anos, mas pode pertencer ao século XX, Mandella é tratado quase como se fosse um ancião. Os conflitos de geração são elevados a potência máxima em todas as direções, refletindo, mais uma vez, a condição de Haldeman através da visão de Mandella. Inclusive a diferença entre como os seres humanos começam a nascer, não mais pelos processos biológicos do sexo entre homens e mulheres, mas sim através de inseminações especiais e câmaras de gestação sem a necessidade de uma mãe biológica para gestar um bebê por 9 meses; todos, por sinal, são de certo modo "propriedade da FENU", a quem devem suas vidas, estudos e profissão...

O autor também constrói em sua narrativa aparatos tecnológicos para dar essa noção de avanço no campo dos combates espaciais entre raças inimigas. Os próprios trajes espaciais, aparatos que são claramente os xodós do autor, vão ganhando mais e mais inovações e funcionalidades para o combate, aliados aos campos de estase, uma tecnologia que cria uma área de proteção que desacelera o interior do campo e tudo que não está num traje de combate simplesmente desacelera a uma taxa mortal, reduzindo a velocidade de batimentos cardíacos, circulação de fluídos vitais e demais funcionalidades orgânicas, um verdadeiro terror para os taurianos no campo de batalha.

Guerra Sem Fim é um belo livro, mesmo com todas as mazelas da guerra que narra e representa, Haldeman entrega a seus leitores uma narrativa também singela, com momentos de reflexão, desejos de um futuro em algum lugar que ainda aceita soldados sem pátria. A busca constante pela noção de pertencimento norteia cada página do livro que, mesmo econômico na quantidade de personagens atuado, tem força suficiente para se sustentar em Mandella e em suas interações com outros tantos personagens que, pela dinamicidade da história, acabam aparecendo rapidamente, cumprindo seu papel e literalmente ficando no passado devido a algum novo salto pelos portais.

Mas independente das questões subjetivas da obra, Haldeman pontua Guerra Sem Fim com cenas espetaculares de ação, sobretudo a extremamente tensa batalha final nos confins da galáxia para defender o que se acreita ser o portal colapsar mais próximo do mundo de origem dos taurianos. Já li uma boa quantidade de livros, mas Haldeman me impressionou bastante com a tensão dessa batalha, a velocidade e perigo com que as coisas acontecem e como o autor descreve o estado de espírito de seus personagens encurralados entre o inimigo e um mundo hostil por si só; e sem tirar o pé do freio, o que se segue é uma das mais belas passagens derivadas dos efeitos relativísticos dos portais, deixando ali, faltando poucas páginas para o final, a lição de que os brutos também amam e sim, em algum lugar há uma pátria para chamar de lar para todos os soldados.

Misto de autorreflexão, ação de ótima qualidade, Sci-fi sobre guerra e batalhas espaciais, Guerra Sem Fim é, de algum modo estranho, uma obra com pés bem fincados no chão, Haldeman pouco extrapola a ciência convencional e quando o faz, não há muito ali que não se possa imaginar. Talvez algum purista exigisse que o escritor tivesse se dado mais trabalho em explicações, mas Guerra Sem Fim não carece delas, a "ciência" ali presente age mais como um pano de fundo ou uma engrenagem auxiliar ao movimento da narrativa. O livro é aquele Sci-fi reflexivo, meio nostálgico, um tanto melancólico de uma lado e por outro é um livro dotado de um humor ferino e uma ironia mordaz que surge aqui e ali para nos lembrar que em certas ocasiões é preciso olhar nos olhos da dona morte e, quando ela sorrir, você sorri de volta.

Dito tudo isto, Guerra Sem Fim, não à toa, integra aquelas tantas listas que falei logo no comece desta resenha, obra que se lê quase de um fôlego só, violento e inventivo, é um convite ao combate ao lado de Mandella, um dos combatentes mais despreparados da história da Sci-fi sobre guerra, ainda assim um personagem fantástico.

Sinopse e Ficha Técnica
Escrito em 1974, o livro conta a história do soldado William Mandella, mandado para o espaço nos anos 90 para lutar em uma guerra para combater os misteriosos taureanos. Depois de dois anos de serviço ele volta à Terra, mas uma dilatação no tempo provocada pela viagem fez com que esses dois anos durassem muito mais.
Ou seja, quando Mandella retorna para casa após servir por dois anos, quase três décadas se passaram na Terra. E quanto mais longe ele for no espaço, maior será essa dilatação.
Um grande clássico da ficção científica que mostra como a guerra cria um distanciamento entre os veteranos e a sociedade que os envia para lutar.

Título: Guerra sem Fim
Autor: Joe Haldeman
Editora: Landscape
Edição: 1
Ano: 2009
Idioma: Português
Especificações: Brochura | 304 páginas
ISBN: 978-85-7775-081-8
Dimensões: 210mm x 140mm

site: http://www.pontozero.net.br/?p=8181
Aryel3 29/12/2015minha estante
Longa, mas muito boa. Gostei da sua resenha.


Orlando 04/03/2016minha estante
Obrigado Marjorie :)




Alexandre 23/05/2016

Vietnan interestelar
Ficção Cientifica e história possuem uma intima relação. Na maioria das vezes, um autor fala do futuro para poder refletir um passado próximo que se faz sentir no presente dos leitores. Ocorre aí, nesta mescla de idas e vindas no tempo, o nascimento de um texto cativante. Está relação, ou melhor está química, entre passado, presente e futuro não é fácil de ser conseguida, mas no caso deste livro ela brota das páginas e faz o leitor se debruçar sobre as aventuras desventuras de um personagem que é tragado por uma guerra interestelar que dura séculos e cujo o motivo e o sentido já foram esquecidos. Parafraseando a guerra do Vietnam com sua insanidade e efeitos contra culturais este livro se torna uma das maiores críticas a guerra moderna estando no mesmo patamar de obras como “Nada de novo no front”. Um verdadeiro clássico da Ficção Cientifica.
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MF (Blog Terminei de Ler) 13/04/2020

"Guerra sem fim" de Joe Haldeman: a ficção científica utilizada como metáfora para a vergonhosa Guerra do Vietnã
"Pressionei um botão 'chama táxi', e o leitor avisou que o meu seria o de número 3856. Perguntei a um policial e ele me orientou a aguardar o carro lá embaixo, na rua. Ele daria apenas duas voltas no quarteirão" (Joe Haldeman, em 'Guerra sem fim', prevendo o surgimento de aplicativos de transporte)

Nota inicial: a presente resenha possui vários spoilers.

Livro “Guerra sem fim”, clássico da ficção científica escrito pelo estadunidense Joe Haldeman. A obra é influenciada diretamente pelo tema da Guerra do Vietnã, na qual o autor serviu como soldado, chegando a ser ferido.

A GUERRA DO VIETNÃ

A citada e conhecida Guerra do Vietnã foi um conflito armado ocorrido entre os anos de 1955 e 1975, constituindo o capítulo mais vergonhoso da Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética disputavam com sua influência cada canto do mundo. O Vietnã era dividido em duas nações: o Vietnã do Sul, apoiado pelos EUA, e o Vietnã do Norte, apoiado pela URSS. Os estadunidenses tiveram sua maior derrota bélica, perdendo mais de 50 mil soldados em combate. Os sobreviventes, ao retornarem, incapacitados fisicamente ou não, sofreram com o repúdio de uma sociedade que já não apoiava a empreitada no sudeste asiático, influenciada por revelações de crimes de guerra cometidos pelas tropas contra a população civil vietnamita. Durante o conflito, os EUA usaram bombas incendiárias (como a Napalm); realizaram a pulverização de armas químicas (como o agente laranja) que, nas décadas seguintes, provocou doenças e más-formações em crianças do Vietnã. Os mortos totais pela guerra estão na casa de milhões.

A GUERRA CONTRA OS TAUREANOS

Na trama do livro, conhecemos e acompanhamos William Mandella, soldado das tropas de defesa do planeta Terra. Em meados da década de 1990, ele é recrutado para servir na guerra contra os taureanos, raça alienígena com o qual os terráqueos entram em conflito. Para chegar até o local do conflito, as tropas do nosso planeta viajam através dos colapsares, um fenômeno espacial descoberto pelos humanos e que se assemelha bastante com o conceito popular de “buraco de minhoca”, popularizado por livros de físicos como Stephen Hawking, e que constituem ‘’túneis” que permitiriam ir de um ponto até outro do espaço sideral, dobrando o chamado espaço-tempo. Na obra de Haldeman, contudo, os colapsares provocam um efeito colateral que é a dilatação do tempo, fazendo com que o tempo transcorrido dentro das naves seja mais “lento” que o tempo “real” do universo. O resultado disso é que, quando Mandella retorna para casa após dois anos de campanha, quase trinta anos se passaram na Terra. E, quanto mais longe os humanos viajem para lutar com os taureanos, maior é a dilatação do tempo, fazendo com que os soldados fiquem décadas e, até mesmo, séculos distantes do nosso planeta.

A ANALOGIA ENTRE A GUERRA REAL E A DA FICÇÃO

O grande mérito de “Guerra sem fim” é a analogia que o relato fictício da obra faz com os acontecimentos reais da Guerra do Vietnã. Haldeman, como já dito anteriormente, por ter sido soldado no conflito, pôde estabelecer essas relações de forma perceptível, mas não explícita, na trama. Da mesma forma que os soldados estadunidenses foram convocados para um conflito contra um país desconhecido (assim era o Vietnã até 1955 e, provavelmente, ainda o é nos dias atuais), Mandella e seus colegas de front quase nada sabem dos taureanos e de seu planeta. O ambiente perigoso e inóspito dos planetas alienígenas pode ser comparado com as florestas e vilarejos vientnanitas, cheios de armadilhas deixadas pelos vietcongues. As mortes de colegas de Mandella, de forma pueril, desnecessária, durante os treinamentos, por exemplo, serve como uma analogia para as mortes reais dos combatentes estadunidenses que perderam suas vidas numa guerra em que, muito provavelmente, não acreditavam. O próprio estopim do confronto com os taureanos é nebuloso, tal como era o conceito de Guerra Fria e as motivações reais da guerra para os soldados. Por que atravessar o planeta, invadir, matar e destruir a população de um país asiático que nunca atacaram os Estados Unidos em seu território? Por que atravessar a galáxia, através dos colapsares, para matar e destruir uma raça alienígena que não tinha atacado o planeta Terra diretamente?

Ao retornarem para os Estados Unidos, os soldados sofreram com o preconceito da população, cujo sentimento antiguerra vinha num crescente constante, influenciado pela imprensa que divulgava as derrotas e atrocidades. Isso tornava o retorno à nação mais difícil do que a vida no front, onde havia o sentimento de grupo, de irmandade, com cada um sendo útil dentro da tropa. Quando Mandella retorna, décadas se passaram. A Terra já não é mais a mesma, mudou com a passagem dos anos provocada pela dilatação do tempo, é mais hostil com ele. A ambientação não é possível. O dinheiro que a guerra lhe rendeu é insuficiente para lhe garantir uma vida plena, tranquila. A vida só faz sentido no front, onde ele é útil. O sentimento de heroísmo só é viável quando aplicado aos colegas de tropa, tanto no Vietnã, quando no ambiente alienígena. O assassinato do alienígena sem saber se ele é uma ameaça real seria uma possível analogia para o assassinato de civis, guardadas as devidas proporções.

A guerra saía das fronteiras do Vietnã e invadia os países vizinhos como o Laos, Camboja e Tailândia, com resultados desastrosos. Outras nações como a China, Austrália, bem como Coreia e Alemanha (ambas as nações divididas pela mesma Guerra Fria) também se viram envolvidas no conflito, apoiando um ou outro lado, todos com resultados questionáveis. Na obra de Haldeman, as nações também se unem, sob um exército planetário. E, da mesma forma que a Guerra do Vietnã se estendeu por anos devido a interesses políticos e econômicos de difícil assimilação para as tropas, assim ocorre no livro, com a economia planetária totalmente condicionada ao conflito com os taureanos. A Terra precisa da guerra alienígena para funcionar. Os EUA precisavam (e ainda precisam) da guerra, como ferramenta, para manter sua hegemonia no mundo.

É também trabalhado por Haldeman o sentimento de angústia pela possibilidade de não rever os parentes queridos. Da mesma forma, a sensação de desconforto ao não ser bem recebido pelos parentes, influenciados pela opinião pública motivada pela vergonha da guerra, serve como uma analogia para os parentes de Mandella, que se tornam um tanto “desconhecidos” para o protagonista, devido à passagem dos anos, das décadas.

Por fim, o próprio conceito de dilatação temporal serve como uma analogia interessante para a longevidade do conflito real que inspirou a história.

HOMOFOBIA E SUPERFICIALIDADE

Há trechos incômodos em “Guerra sem fim” e, aqui, isso não representa um mérito devido ao relato cru, tendo em vista a Guerra do Vietnã, que serviu de inspiração. O incômodo é provocado por falhas morais do próprio Haldeman. Há, em trechos pontuais do livro, de forma bem perceptível, uma boa dose de homofobia. O protagonista William Mandella se sente muito incomodado com a presença de homossexuais na tropa e deixa claro isso nas opiniões que compartilha com pessoas próximas a ele. Em determinado momento do livro, a homossexualidade se torna a regra no planeta Terra, como uma ferramenta interessante para controlar a super população do planeta e tal status quo tortura mentalmente Mandella.

Nos anos seguintes à publicação original da obra, Haldeman chegou a pedir desculpas pelos trechos homofóbicos contidos no livro. Entretanto, vale a pena uma reflexão: por que há tanta homofobia oriunda do ambiente miliar, seja nas forças armadas dos Estados Unidos, seja em muitas outras, incluindo o Brasil? Frequentemente aparecem nos noticiários reportagens de militares vítimas de homofobia. No Brasil, especificamente, por exemplo, há ONGs dedicadas a denunciar tais casos. Se, nos dias atuais, as Forças Armadas tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil têm se esforçado para desestimular comportamentos e práticas homofóbicas, nem sempre foi assim. A nítida impressão é que, entre os militares de algumas décadas atrás, a homofobia era a regra. Haldeman é oriundo desse ambiente, onde a intolerância com homossexuais era socialmente aceita e motivada. Interessante notar como o conceito de masculinidade tóxica se manifesta num ambiente repleto de homens, jovens e com hormônios em efervescência, que convivem durante meses sem uma única presença feminina. A homofobia surge, talvez, como uma reação a uma sexualidade frágil alicerçada em preconceitos de gênero.

Naturalmente, como heterossexual, posso estar cometendo alguma imprecisão nessa opinião. Agora, para um leitor do século XXI como eu, certas passagens não podem ser naturalizadas e aceitas, sem as devidas ressalvas. Haldeman, como dito, percebeu que os tempos são outros e se desculpou.

Outro detalhe que incomoda em “Guerra sem fim” é a superficialidade da analogia. Por mais que os comparativos sejam interessantes, que a alegoria em si seja rica, é inegável que não há um aprofundamento quando lembramos do material-fonte. A Guerra do Vietnã foi um conflito sangrento. Milhões de civis inocentes foram covardemente assassinados pelas tropas dos Estados Unidos, do Vietnã do Sul e aliados. Todo esse massacre é pouco explorado na trama do livro. E é ignorado, quase que completamente, os crimes de guerra que os Estados Unidos cometerem durante o conflito, tais como limpeza étnica (incluindo aí estupros e infanticídios) e o uso de armas químicas, que envenenaram a população civil por várias gerações.

Talvez a vergonha, como soldado, de ter participado de algo onde ocorreram tais atrocidades, tenha levado Haldeman a uma abordagem mais voltada para o indivíduo em si, a forma como ele encarou o conflito. É bem provável que Haldeman não tenha tomado partido em crimes de guerra e, por isso, baseou sua obra na sua experiência pessoal, bem mais “amena”, por assim dizer. Seria uma abordagem sincera e válida. Entretanto, para mim, soa incompleto, como se faltasse algo mais, que tornasse mais crível a brutalidade do confronto com os taureanos e que, da mesma forma, me fizesse ter empatia pelo lado dos alienígenas que, de forma compreensível (mas covardemente pouco explícita), foi lançado “sem querer” na guerra, tal como os vietnamitas.

CONCLUSÃO E DICAS

“Guerra sem fim”, seja pelas analogias e reflexões que proporciona, seja pela criatividade de suas ideias, merece um lugar de destaque dentre os clássicos da ficção científica. É uma ótima leitura, ainda que possua limitações que impedem sua excelência.

Para quem se interessou pela abordagem da obra, vale a pena conferir um outro livro que vai na mesma linha, porém, com um pouco mais de coragem e uma dose maior de humor negro, que é “Matadouro nº 5”, do também estadunidense Kurt Vonnegut.

Por fim, vale citar que o livro de Haldeman teve seus direitos de adaptação cinematográfica adquiridos, já há alguns anos, pelo cineasta Ridley Scott, conhecido por seus bons filmes de ficção científica. “Guerra sem fim” já foi adaptada para o teatro e, em meados de 1988, foi adaptada para os quadrinhos, nas mãos do artista belga Marvano.

P.S.: Livro lido em outubro de 2019. Resenha escrita em 2020.

P.S.: Caso tenha gostado do que escrevi, visite https://mftermineideler.wordpress.com/
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Leandro Vasconcelos 05/11/2017

Guerra sem Fim é a obra-prima de Joe Haldeman, veterano de guerra americano e vencedor dos prêmios Locus e Hugo de 1976. Nela, o autor descreve a experiência militar do soldado William Mandella, cuja carreira se desenrola num futuro sombrio da humanidade: uma guerra interestelar interminável e sem sentido.

A trama pode ser considerada uma alegoria da Guerra do Vietnã, vivenciada pelo próprio Haldeman em sua juventude. Descreve principalmente o sentimento de solidão experimentado pelos veteranos que retornaram aos EUA e encontraram enormes dificuldades para voltar ao convívio social numa sociedade em transformação constante.

Neste intuito, o autor extrapola ao máximo as consequências da Teoria da Relatividade de Einstein, na qual preconiza-se que o tempo é relativo à velocidade do objeto. Assim, as viagens interestelares realizadas pelo protagonista fazem com que seu tempo subjetivo seja bem menor que aquele vivenciado pelos terráqueos. Portanto, toda vez que o mesmo retorna de uma campanha, sua convivência fica cada vez mais difícil, eis que passaram-se vários séculos na Terra, embora tenham decorrido somente alguns meses em sua nave.

Tal enredo, além de metaforizar a angústia dos veteranos, também é recheado de críticas à guerra em si, ao exército e às instituições, sendo manifesto o ressentimento do autor para com sua experiência no Vietnã. Os insights científicos, ademais, são interessantes. A ação é bem explorada em várias cenas e as descrições de cenários são muito boas. Gostei muito do treinamento, da primeira batalha e do entrevero final. Contudo, os interregnos entre as campanhas das quais participa Mandela são um tanto monótonos, mesmo nos apresentando a realidade transmudada na Terra (e em outros planetas).

Realmente, uma obra paradigmática sobre o tema de ficção científica militar, talvez comparável à de outro autor clássico, Robert A. Heinlein. O livro parece uma mistura de "Tropas Estelares" com "Um estranho numa terra estranha".
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