Luiz 01/12/2023
Exame de Consciência, o elemento central da boa confissão
Livro: Confissões
Autor: Santo Agostinho
Agostinho de Hipona, é um dos mais célebres filósofos da história do cristianismo, sua envergadura intelectual e sua vida dedicada a Verdade o levaram à Igreja Católica, contribuindo enormemente para a história do cristianismo, foi canonizados e passou a ser chamado de Santo Agostinho.
Santo Agostinho, viveu no período crítico da queda do Império Romano, viu em primeira mão a decadência moral do império e sua destruição, esse vislumbre lhe proporcionou a sintetização de sua maior obra "A Cidade de Deus", mas outra obra que marcou o cristianismo e a filosofia foi o livro "Confissões".
Confissões é um livro singular em diversos sentidos, de muitas maneiras ele reflete uma síntese muito boa que pavimetará os caminhos da Escolástica, num misto do que há de melhor da filosofia clássica acrescido do que existia de melhor sobre a teologia católica, Confissões de Santo Agostinho é um marco histórico, um verdadeiro Clássico.
O livro possui 7 pontos de exposição e reflexão, que cito logo a seguir:
1) Relato Autobiográfico
Agostinho relata sua vida pregressa desde a suas primeiras lembranças, assim entendemos os seus pontos de mudança de paradgmas em momentos chaves de sua vida. Conseguimos perceber que Agostinho, assim como qualquer outra pessoa comum, era literalmente uma "pessoa comum", era uma criança que tinha fazia peripécias, e até em sua vida adulta, ele era uma pessoa que por várias vezes de deixou levar pelo pecado, a concupiscência, lascívia e etc., até seu relato familiar percebemos que seu pai não era um devoto à Igreja Católica e por isso existiam conturbações no relacionamento familiar, Mônica, mãe de Santo Agostinho, era quem equilibrava toda a relação, trazendo ordem e fé pra família, grande devota que teve tanta importância pra Agostinho, que sua vida exemplar como mãe e esposa, lhe renderam o cânone de Santa, anos de pois.
Algo interessante de se abordar é o fato de que pra muitos protestantes que se inspiram e reconhecem a importância de Agostinho pra sua teologia, não conseguem admitir que se exista uma pessoa Santa, o tema dos Santos é completamente atacado dentro do Protestantismo, mas lendo Confissões, percebe-se que o caminho que de busca pela santificação é possível, conhecendo a história dos santos e as escolhas que fizeram, suas renúncias ao pecado, é completamente possível seguir a citação de 1Pedro 1:15-16. Arrisco a dizer que desde Lutero, que ironicamente foi da ordem agostiniana, mas admitiu en vários escritos a impossibilidade de se ter uma vida de santidade, criou-se a mentalidade de que se tornar um Santo é impossível, e que somente Jesus poderia ter sido santo, mas nesse relato de Santo Agostinho vemos que a vida de santidade é feita também renuncias, e que sim, não é fácil, mas com fé e a graça de Deus, podemos alcançar, ainda que com grande angústia e dúvidas que surgem no processo, Confissões nos apresenta exatamente isso.
2) Jornada pelo Conhecimento
Como todo filósofo honesto, a medida que se tem o ímpeto de buscar a verdade, a medida que a apreende, muda-se a forma de compreender o mundo e sua forma de Ser no mundo. Agostinho à medida que mais aprende mais se autocritica.
Teve contato com vários escritos filosóficos clássicos como Epiruco e Platão, e esses escritos o encatavam profundamente, e assim como todo conhecimento, existe sempre, a possibilidade de corrupção. Agostinho se enveredou pelo caminho da Heresia do Maniqueísmo, que em suma, partia do pressuposto que existia um conflito entre bem e mal, refletido pela ideia de espírito e matéria, respectivamente. Mas graças a sua busca constante pela verdade, conseguiu superar os pressupostos maniqueístas que haviam num primeiro momento o seduzido.
A busca por conhecimento o levou a perceber sua vocação para o ensino, e suas habilidades intelectuais pra educar almas, tornou-se professor das Artes Liberais, vocação essa que lhe aproximou cada vez mais do catolicismo.
3) Processo de Conversão
Entendemos que o processo de busca pela verdade, e em especial a verdade Cristã, não foi fácil, ainda que Agostinho tenha intelectualmente compreendido a doutrina, assim como sua inteligência tenha sido clareada, a verdade é que Agostinho passou por grandes momentos de crise e dúvidas, abrir mão de sua vida mundana e entregue aos prazeres foi um dos pontos mais difíceis, bem como também tornar-se um verdadeiro devoto e seguidor de Cristo.
Agostinho por vezes se questionava o por quê era tão difícil ressurgir como uma nova pessoa, mas a medida que mais lemos o livro, mais evidente fica o fato de que sim, ele tornou-se uma nova pessoa em comunhão com Cristo. Tendo boas orientações e bons exemplos a seguir como Ambrósio e Simpliciano, pode perceber que o caminho da santidade era possível.
Aqui retrato, e comento, o contraste existente entre Agostinho e Lutero. Lutero pertencia a ordem agostiniana, chega a ser irônico o fato de que Lutero havia construído toda a sua doutrina de Justificação Somente pela Fé (Sola Fide) porque não conseguia abdicar do pecado, não atoa disse certa vez "peca forte e crê mais fortemente ainda", não vendo possibilidade de se livrar do pecado, e obviamente, buscar o caminho da santidade, seu conflito o levou a formular uma teologia que lhe decreta Justo, mas que não o torna justo, não o transforma, mas lhe faz parecer justo aos olhos de Cristo. É lamentável ver que esse tipo de teologia problemática tenha nascido de alguém que fez parte da ordem de Agostinho, fato é que Lutero, muito provavelmente nunca tenha tido contato nenhum com a história de Santo Agostinho, pois suas posturas frente a realidade são completamente diferentes.
O verdadeiro processo de conversão é o processo de transformação, coisa que Lutero não conseguiu, e disse ser impossível, não atoa não se acredita em pessoas Santas, denteo do protestantismo, mas vendo a história dos Santos, incluindo a de Santo Agostinho, vemos que o caminho de santidade é sim possível e inspirador.
4) Estrutura Reflexiva e Confessional
Ainda que seja em grande medida um relato biográfico que mostre a vida de Santo Agostinho, se destaca também por ser um relato Confessional, bem como o título sugere.
Agostinho faz o que é fruto da doutrina católica. A confissão bem feita é fruto de um bom exame de consciência. Ao olhar pra si mesmo, refletindo e analisando sua próprias ações, toma-se consciência do que foi feito por ingenuidade ou por maldade, o que poderia ter sido evitado ou não, a melhor forma de se portar a determinadas situações e etc. Santo Agostinho realiza um exame de consciência impecável analisando a si próprio desde a infância e sua lembrança mais antiga. Ao passo que, bem a moda antiga, confessa seus pecados publicamente, também inspira outros a vencerem seus vícios e pecados pra ressurgir em Cristo.
Agostinho nos presenteia com um verdadeiro testemunho que faz com que tenhamos um grande incômodo pelas faltas que não conseguimos superar. Percebemos pelo seu livro o conflito que a alma humana, seja em que época esteja, sempre vivência.
"Contudo, como saberei se sou assim afetado e rejeito o elogio por este destoar da minha imagem concebida de mim mesmo? Não por me importar com sua opinião, mas por agradar-me mais quando são elogiadas as qualidades que amo em mim? De alguma forma, não sinto que fui elogiado quando o objeto do elogio não é o que julgo ser admirável em mim mesmo, pois ainda que sejam elogiadas, desagradam-me, ou agradam-me pouco. Serei eu um mistério para mim mesmo neste aspecto?"
(Santo Agostinho, p.209)
5) Investigação Filosófica
Como já sinalizado antes, o livro é um misto de coisas, e a investigação filosófica a que Santo Agostinho se propõe é formidável. Não somente busca as questões mais elementares que a alma humana anseia, como também se põe a pensar sobre o mundo, o universo e Deus.
Assim como um grande filósofos da época clássica faria, Agostinho nos apresenta reflexões ricas para entender esquemas teológicos diversos como o que Deus fazia antes de criar o mundo, ou até mesmo sua capacidade de nos fornecer a Sabedoria que estaria presente conosco desde sempre.
" 'O que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?'. Ou 'Como concebeu a ideia de tudo criar, se nunca criara nada antes?'. Dá a eles, ó Senhor, a bênção de ponderar o que dizem e descobrir que o 'nunca' não tem espaço onde o 'tempo' não existe. O que se pretende dizer com 'nunca criara nada' senão que nada criara em tempo algum? Que eles compreendam que não pode existir tempo antes da criação e parem de falar falsidades. Que sejam, também, estendidos à concepção da eternidade e entendam que Tu és anterior a todos os tempos, o eterno Criador de todos os tempos, e que tempo algum ou criatura alguma podem ser coeternos Contigo, mesmo que algumas tenham sido criadas antes dos tempos."
(Santo Agostinho, p.234-235)
6) Devoção a Deus
O aspecto de devoção a Deus é surpreendente, desde o início do livro vemos a reverência e honra prestata a Deus e suas infinitas obras, Agostinho nos revela a cada linha e cada parágrafo seu grande amor por Deus, ainda que venha eventualmente a questiona-lo por diversas coisas que ocorreram em sua vida, Agostinho sempre nos mostra estar agradecido por tudo que lhe ocorreu pra que chegasse ao ponto em que esta. É um grau de intimidade com Deus e de devoção, que chega a ser invejável.
7) A importância de marco histórico
O livro se torna uma verdadeira preciosidade a medida que se lê, vemos relatos históricos de diversas questões, sendo apontados, vemos por exemplo a própria questão do combate às heresias, em especial o Maniqueísmo, temos contato com a questão do sacramento da confissão, a doutrina católica de rezar pelos falecidos, pedir intercessão dos santos, as relíquias milagrosas, os bispos e padres daquela época. Mais do que a história de Agostinho, temos um verdadeiro marco histórico do cristianismo católico em seus primeiros séculos, se comparado ao dias atuais.
Questões que hoje são tão colocadas em "xeque" por diversos protestantes, Confissões nos apresenta a história do cristianismo sempre permeado de pessoas que o atacam sem saber o que é, e quando passam a saber, valorizam a importância Perene da Igreja Católica, fundada pelos apóstolos, sustentáculo da verdade.
É de se admirar, ironicamente falando, que tantos protestantes tenham admirado Santo Agostinho, mas o tenham feito pela metade, pois nada é tão católico quanto o relato de um verdadeiro devoto à Cristo e à sua Igreja, reconhecendo que tudo o que pensava ser, preconceituosamente, era mentira.
Confesso que fiquei surpreso em grande medida com o livro, não sabia exatamente o quê esperar da leitura, por um lado fui completamente surpreendido pelo seu conteúdo e pelo misto de coisas abarcadas que ele possui, por outro lado, em alguns momentos me senti perdido nos relatos e raciocínios, assim por vezes não aproveitei a leita como poderia. Porém, uma coisa acabou sendo marcante positivamente, logo após a leitura do livro aproveitei pra ler um livro do Prof. Olavo de Carvalho sobre Santo Agostinho, ali ele não só relata o contexto histórico de Agostinho, como também sua relevância filosófica, Olavo faz um comparativo da abordagem de Agostinho com demais filósofos como Descartes, Maquiavel e outros, fica notório o marco deixado por Agostinho e mostra o como essas profundas reflexões que ele se propõe a fazer foram sendo perdidas dentro da campo da filosofia ao longo dos séculos. Isso me fez ver com um olhar mais criterioso o trabalho de Santo Agostinho e no futuro pretendo reler o livro com uma edição melhor e com mais referências do que esse ano eu tive. Percebi que o livro foi fazendo muito mais sentido a medida que fui lendo outros livros católicos.
"[...] Portanto, minha ansiedade por descobrir o que poderia tomar como certo roía com mais força o meu coração, e eu me sentia envergonhado, pois durante muito tempo fui iludido e enganado pela promessa de certezas, na qual acreditei como uma criança, tagarelando sobre incertezas como se fossem certezas. Somente mais tarde sua falsidade se tornou clara para mim. No entanto, eu estava certo de que eram incertas, e por antes tê-las considerado certas, acusei Tua Igreja Católica com uma sede cega por contenda. Ainda não havia descoberto a verdade, mas agora sabia que não ensinava aquilo que eu tão veementemente a acusei de ensinar. A respeito disso, ao menos, eu estava confuso e fui transformado. Alegrei-me, ó meu Deus, pois a Tua Igreja, o corpo do Teu Filho Unigênito, cujo nome fora colocado sobre mim quando criança, não valia de conceitos infantis, nem mantivera em sua sã doutrina qualquer princípio que limitasse a Ti, o Criador de tudo, a um espaço, ainda que grande e amplo, como as extremidades da forma humana."
(Santo Agostinho, p.96-97)
É um livro importante em vários sentidos, mas não recomendaria lê-lo sem uma boa bagagem sobre catolicismo e até mesmo histórico-filosófica.