Marcos606 06/09/2023
Trata da juventude inquieta de Agostinho e da tempestuosa viagem espiritual que terminou cerca de 12 anos antes de o livro ser escrito no refúgio da Igreja Católica Romana. Na realidade, a obra não é tanto uma autobiografia, mas uma exploração do desenvolvimento filosófico e emocional de uma alma individual. As confissões abriram caminhos totalmente novos como literatura, e o gênero da autobiografia deve muitas de suas características a Agostinho.
Embora a narrativa autobiográfica constitua grande parte dos primeiros 9 dos 13 livros de Confissões, a autobiografia é incidental ao objetivo principal da obra. Para Agostinho, “confissões” é um termo genérico para atos de discurso religiosamente autorizado: louvor a Deus, culpa de si mesmo, confissão de fé. O livro é uma meditação ricamente texturizada feita por um homem de meia-idade (Agostinho tinha cerca de 40 anos quando o escreveu) sobre o curso e o significado de sua própria vida. A dicotomia entre a odisseia passada e a atual posição de autoridade como bispo é enfatizada de diversas maneiras no livro, principalmente porque o que começa como uma narrativa da infância termina com uma discussão extensa e muito religiosa do livro de Gênesis; a progressão vai desde o início da vida de um homem até o início da sociedade humana.
Entre esses dois pontos, a narrativa do pecado e da redenção prenderá a atenção da maioria dos leitores. Aqueles que procuram encontrar nele as memórias de um grande pecador ficam invariavelmente desapontados, na verdade muitas vezes perplexos com as minúcias do fracasso que preocupam o autor. De maior significado é o relato da redenção. Agostinho é especialmente influenciado pela poderosa pregação intelectual do suave e diplomático bispo Santo Ambrósio, que concilia para ele os atrativos da cultura intelectual e social da antiguidade, na qual Agostinho foi criado e da qual foi mestre, e o ensinamentos espirituais do cristianismo. A ligação entre os dois foi a exposição de Ambrósio, e a recepção de Agostinho, de uma seleção das doutrinas de Platão, mediadas na antiguidade tardia pela escola do Neoplatonismo. Agostinho ouviu Ambrósio e leu, em tradução latina, algumas das obras extremamente difíceis de Plotino e Porfírio. Ele adquiriu deles uma visão intelectual da queda e ascensão da alma humana, visão que encontrou confirmada na leitura da Bíblia.
A religião para Agostinho, contudo, nunca foi apenas uma questão do intelecto. O sétimo livro das Confissões relata uma conversão intelectual perfeitamente satisfatória, mas o extraordinário oitavo livro leva-o um passo necessário adiante. Agostinho não conseguia buscar a pureza ritual do batismo sem se purificar ao extremo dos desejos da carne. Para ele, o batismo exigia a renúncia à sexualidade em todas as suas manifestações expressas. A narrativa das Confissões mostra Agostinho formando a vontade de renunciar à sexualidade através da leitura das cartas de São Paulo. A cena decisiva ocorre num jardim de Milão, onde a voz de uma criança parece convidar Agostinho a “pegar e ler”, ao que ele encontra nos escritos de Paulo a inspiração para adotar uma vida de castidade.
O resto das Confissões é principalmente uma meditação sobre como o estudo contínuo das Escrituras e a busca pela sabedoria divina ainda são inadequados para alcançar a perfeição e Agostinho faz as pazes com as suas imperfeições. É uma obra de grande força e talento artístico.