spoiler visualizarAugusto 17/03/2021
Graça: 1. Favor imerecido, mercê, dádiva.
É possível que minha cosmovisão cristã me leve a enxergar intencionalidade onde não há? Sim... talvez... e estou ciente disso. Você não precisa gostar de como vejo as coisas. Tampouco precisa ficar ofendido se discordar.
Gosto muito de como Rowling constrói personagens.
Sobretudo de como ela constrói heróis.
Porque durante toda a saga a autora foge do caminho mais fácil de pintar pessoas perfeitas e infalíveis.
Os heróis da série agem, em muitos momentos, de maneira tola, precipitada, egoísta, infantil, ciumenta, orgulhosa, etc... mas o ponto é: eles não se limitam a isso. Eles não param aí.
Nos momentos mais cruciais eles se distanciam dos vilões pelas escolhas que fazem.
Mesmo quando tais escolhas vão na contramão da autopreservação, da glória, da satisfação dos próprios interesses.
E, sobretudo, quando a Graça lhes é ofertada, eles a agarram. Hesitantes ou não... eles a agarram.
Isso fica muito evidente nas histórias de Lupin, Neville, Sirius, Hagrid e do próprio Harry.
Todos com passados tingidos com cores muito escuras.
Todos tocados por alguma espécie de tragédia.
Lupin transformado em lobisomem e sofrendo com o preconceito e a segregação desde criança.
Neville tendo crescido sob o peso da tragédia da tortura a que foram submetidos seus pais e que os levou à insanidade. Uma avó, amigos e professores que não acreditavam nele e frequentemente o depreciavam.
Hagrid, meio gigante. Abandonado na infância pela mãe. Responsabilizado por crimes que não cometeu. Expulso de Hogwarts. Impedido de tornar-se bruxo.
Sirius com uma família que poderia perfeitamente "justificar" os piores traços de caráter. Depois, preso injustamente durante anos, acusado falsamente da morte de inúmeras pessoas.
Harry, como dito em outras resenhas, órfão, humilhado diariamente por anos a fio na casa de parentes, sem vida fácil em Hogwarts.
Fica claro o constraste com Draco Malfoy por exemplo.
Sim, o contexto familiar dele é muito ruim, mas ao mesmo tempo, ele é alvo do que foi provavelmente a maior demonstração de Graça em toda a obra.
Ao final do livro vemos Dumbledore, afirmando estar o tempo inteiro ciente de que o garoto vinha tentando assassiná-lo, que havia sido responsável pela quase morte de mais dois outros colegas, que expôs todos os alunos da escola a um grande risco de vida ao trazer Comensais da Morte para dentro do castelo... ainda assim (mesmo assim), o velho bruxo lhe oferece não apenas o perdão, mas a garantia de proteção.
Draco hesita, vacila... e isso leva à morte de Dumbledore.
"Está colocando a morte do diretor na conta de Draco mesmo tendo sido Snape quem executou o feitiço?"
Evidente que sim.
Draco traça o plano, Draco tenta matar Dumbledore em duas outras ocasiões, Draco abre a escola aos servos do Lorde das Trevas, Draco desarma Dumbledore e, por fim, Draco vacila quando a chance de fazer o certo lhe é oferecida.
"Mas Draco não teve os amigos que Harry teve pra guiá-lo por bom caminho."
Porque ele se colocou fora de alcance.
Ele reproduz, em toda a série, um comportamento claramente racista, arrogante e elitista, o que afasta dele quem poderia ajudá-lo a ver as coisas sob um outro ângulo.
Cerca-se das piores pessoas possíveis.
Bajuladores que aplaudem tudo o que faz.
Nunca o confrontam.
Draco escolhe... e escolhe, até este momento da narrativa, sempre o pior.
Mas apesar disso, apesar de toda sua arrogância e tolice, a Graça ainda o encontra e se estende... inesperada, imerecida... ele novamente a deixa escapar.
Draco é um claro exemplo do que não fazer com sua vida.
Muito, mas muito longe de ser um personagem digno de admiração.
Edit: Arranje uma Hermione Granger pra si. Tenha ao menos um amigo que se importe com você e respeite seus sentimentos, mas ame mais a verdade e a justiça do que ama você. Conserve por perto quem lhe confronta em amor quando você pisa na bola.