Jamais fomos modernos

Jamais fomos modernos Bruno Latour




Resenhas -


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caio.lobo. 06/02/2024

Jamais fomos modernos, ainda bem.
Pode-se considerar Latour como um dos maiores e únicos gênios da humanidade no final do século XX e começo do século XXI. Não consegui enquadrar ele em nenhuma corrente de pensamento, é um daqueles sujeitos únicos, com uma linguagem exclusiva. De início é difícil de lê-lo, mas depois que adentra o mundo epistemológico de Latour, que é bem variado, tudo é fluído como uma catarata, onde há diversos obstáculos e águas represadas, mas também diversas passagens e fluxos. ?Jamais fomos modernos? trouxe um alento para minha vida, um alívio pela esperança da incompletude do projeto moderno, e até mesmo da impossibilidade disso. Parecia que entrávamos num mundo técnico e tecnicista, racionalista, onde natureza e sociedade estavam separadas. A racionalidade socialista perdeu, a racionalidade naturalista caiu, sobrando só a racionalidade liberal, porém não é bem assim.

Objeto e sujeito começam a mostrar suas fissuras, pois já não são tanto um como outro, sendo híbridos. Criamos um tribunal onde os juízes e jurados são equipamentos técnicos, máquinas e experiências. Criamos uma máquina onde as engrenagens são estruturas sociais, tribunais e movimentação humana, o contrato é o ?método científico? que sustenta a estrutura. O homem moderno, tentando mostrar a separabilidade ?sociedade x natureza? teve que ter ?língua dupla?. Precisou dizer que ambas são coisas opostas ao mesmo tempo. A natureza é transcendente, pois suas leis não podem ser alteradas; a natureza é imanente, pois a moldamos de acordo com a sociedade; a sociedade é transcendente, pois suas estruturas são permanentes; a sociedade é imanente, pois o homem tem a liberdade de transformar sua existência ao mesmo tempo em que a natureza o molda. Por conta dessa linguagem dupla, e até mesmo essência dupla, o homem moderno muitas vezes é ateu e religioso ao mesmo tempo. Então podemos perceber com isso estruturas teológicas em locais de ciência (cerimônias, mestres, fascinação com o que é maior do que nós); arte na política (interpretação, encenação, cores); método científico nos relacionamentos (observação de evento-cônjuge, hipóteses de futuro, experimentos sexuais); há as conversas com espíritos para decidir fatos racionais (teoria da relatividade, leis de Newton); e há aparelhos técnicos e manuais metodológicos para se conectar com Deus (terço, japamala, livro de orações, liturgia).

Enquanto os modernos buscam a separação entre sociedade e natureza, cultura e física, os pré-moderno tem uma visão holística, onde a cultura molda a sua física e a natureza é parte de suas relações sociais. É impossível separar totalmente a sociedade de natureza, mas também é impossível unir homem e natureza completamente. O pós-moderno viu com desespero a suposta separação entre entes, a suposta morte de deuses. Vive na modernidade, mas não acredita nela, aceitando vive-las, mas não aceitando sê-la. Então o pós-moderno reclama, critica. A crítica se torna importante, mas corre-se o risco de sempre criticar, fazer a crítica da crítica, e com isso a crítica da crítica da crítica e assim ad infinitum.

Para os modernos os tempo sempre ?avança para frente?, como se o passado fosse algo a ser superado. Acreditaram na irreversibilidade do tempo e no contínuo progresso. Hegel tem dedo nessa culpa, pois criou um artificial motor da história, mas nada pode ser realmente artificial, então está nessa paisagem natural chamado ?tempo cíclico?, passado, junto a outras estruturas meio artificiais, meio naturais, como o ?tempo eterno?. Ai vem o pós-moderno e cria sua temporalidade: o fim. Esperam o fim que nunca chega, e ao mesmo tempo em que já existimos após este fim. Percebe que há diversas historicidades? O tempo pode ir para ?trás? através de lembranças, ritos e cerimônias, se repete todo dia num ciclo e deitar e acordar de dia, se estica quando estamos entediados e se contrai quando nos divertimos, saímos do tempo enquanto dormimos ou meditamos, segue linear quando estamos na linha de produção com cada minuto contado em uma régua chamada ?relógio?, e durante os sonhos o tempo se torna até mesmo um rizoma, pois não há hierarquia de começo ou fim, não sabemos se um fato aconteceu antes ou depois do outro exatamente.

Os anti-modernos são cópia exata dos modernos, só que ao contrário, espelhados, pois o seu tempo é linear mas não progressista, vendo no lugar uma decadência. Mas para haver essa percepção de irreversibilidade é necessário ligar diversos pontos de muitos elementos e compará-los, como a história faz, mas no geral ninguém faz isso no cotidiano, por isso figuras como Jesus, Cleópatra, Beethoven e as pirâmides nos parecem tão próximos e familiares. E as coisas temporais se misturam, com rituais sendo feitos com odre de couro e garrafas PET, escutando Bach com aparelhos de som de alta tecnologia, vendo o futuro com oráculos ou com estatísticas. A humanidade hoje pode dirigir um carro Tesla com rodas inventadas há mais de 6.000 anos; brincamos com fogo há mais de 1 milhão de anos, hoje através de potentes bombas atômicas.

Não tem como ser moderno, pois dos recantos mais diversos do planeta pululam diversos modos de ser, diversas temporalidades, os mais diferentes sujeitos e objetos, todos híbridos. Vêm do sul, do leste, da floresta, do deserto, de multidões cosmopolitas, dos templos, do espaço e até do não-espaço. O moderno morde a própria língua dupla, pois seu relativismo não é válido em todos os locais, da mesma forma que seu absolutismo não é absoluto. Se tudo é relativo, a relatividade também é relativa, logo ela pode se absoluta em alguns momentos. Com isso os quase-objetos se multiplicam, algo não pode ser só mercadoria, pois temos afetos, e mesmo jogando fora se tornam partes da natureza/sociedade. A tentativa de modernização trouxe vários problemas e questionamentos, mas mesmo que jamais tenhamos sido modernos, podemos preservar elementos da modernidade, da pré-modernidade e até da pós-modernidade. A questão fundamental não é retorno e nem avanço, mas como diz Latour no final do livro: ?mudar nossas formas de mudar?.
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JoAo.Belos 01/03/2020

Bom
Bom livro para quem gosta de debates sobre moderno.
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