Estado de Exceção

Estado de Exceção Autor
Giorgio Agamben




Resenhas - Estado de Exceção


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Antonio Luiz 15/03/2010

Estado de regra
Não é comum um livro tornar-se um clássico imediatamente depois de lançado, mas é o caso de "Estado de Exceção". Nenhum leitor dessa obra do filósofo italiano Giorgio Agamben duvidará de que essa obra continuará a ser uma referência para gerações futuras.

Este livro é parte de uma trilogia iniciada com "Homo Sacer" (UFMG, 2002) e completada com "O que resta de Auschwitz" (Boitempo, 2008). No primeiro livro, Agamben prolonga e aprofunda trilhas abertas por Walter Benjamin ao estudar as relações entre poder e violência e por Michel Foucault em busca da genealogia do poder soberano sobre a vida “nua”, despida de cidadania e direitos e reduzida a seu fundamento biológico.

Desta vez, aborda, do ponto de vista da filosofia do direito, o estado de sítio, de emergência ou de exceção (“lei marcial” ou “poderes de emergência” para os anglo-saxônicos), que cada vez mais se torna o paradigma do Estado e da política “normal”.

O III Reich foi um estado de exceção, proclamado por Hitler de acordo com a lei alemã assim que o poder lhe foi entregue, que durou 12 anos. Assim como o fascismo italiano, não foi legalmente uma ditadura, mas um “Estado dual”, uma estrutura de poder informal ao lado de uma ordem legal suspensa pela exceção.

Agamben define o totalitarismo como a instauração, por meio de um estado de exceção, de uma guerra civil legal que permita a eliminação de categorias de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema.

Entretanto, o estado de exceção não foi inventado pelo absolutismo, mas pela Revolução Francesa – e desde a I Guerra Mundial, a criação voluntária de um estado de emergência política ou econômica permanente tornou-se uma das práticas essenciais de todos os Estados, incluisive os chamados democráticos.

Não é preciso insistir em casos extremos, como os supostos talibãs confinados em Guantánamo e desnudados do estatuto de prisioneiros de guerra (ou de acusados) e reduzidos à figura aberrante de “combatentes ilegais”. Bastam os decretos e medidas ditas provisórias que em toda parte esvaziam as atribuições dos parlamentos.

Juridicamente, o estado de exceção é um paradoxo. Alguns juristas o consideraram parte do direito positivo, fundado na necessidade. Mas como legislar a suspensão do próprio ordenamento jurídico? Se o estado de necessidade gera sua própria norma jurídica, por que precisa ser ratificada pela lei? Outros o viram como um fato político totalmente estranho ao direito. Mas como o ordenamento legal poderia ignorar uma questão tão crucial e suas conseqüências jurídicas?

Agamben busca seu paradigma na instituição romana do justitium – literalmente, suspensão do direito, por meio de um senatus consultum ultimum com o qual o Senado pedia aos cônsules ou mesmo a cada cidadão que tomassem qualquer medida considerada necessária para a salvação do Estado.

Não se tratava de ditadura, mas de uma zona de anomia na qual, sem que a lei fosse abolida, as determinações jurídicas, a começar pela distinção entre público e privado, eram desativadas, os atos caíam fora do âmbito do direito e não podiam ser classificados como legislativos, executivos ou transgressivos.

Esse estado de exceção, espaço sem direito no coração do direito, é essencial à articulação fictícia entre violência e direito, vida e norma. A auctoritas, metajurídica, depende da capacidade de validar ou suspender a potestas, normativa e jurídica em sentido estrito. Quando ambas coincidem, a exceção se torna a regra e o sistema jurídico-político torna-se uma máquina letal.

Agamben insiste no caráter fictício dessa articulação para abrir nesse espaço vazio um espaço para a ação política, hoje em duradouro eclipse. Política, bem entendido, não como mero poder de negociar com o direito, mas como ação que corta o nexo entre violência e direito e tenta interromper o funcionamento dessa máquina que leva o Ocidente para a guerra civil mundial.

Nelson Rodrigues 07/05/2015minha estante
Excelente resenha.


Douglas 03/03/2021minha estante
Gratidão pela resenha ?




Paulo.Incott 09/06/2017

Estado de Exceção. - G. Agamben
Agamben consegue, em poucas páginas, elucidar a construção de um fenômeno complexo da contemporaneidade - a manutenção do estado de exceção em meio à democracias constitucionais.

O autor trabalha com a dificuldade de conceituação do Estado de Exceção e procura na teoria de estado e filosofia política identificar os traços que permitam a construção coesa deste instituto. Através de uma análise histórica e de uma pesquisa bibliográfica extensa, consegue esboçar uma genealogia do estado de exceção valiosíssima para compreensão de muitos aspectos da atual conjuntura sócio-jurídico-política, inclusive do Brasil.

A linha traçada entre o direito romano e a instrumentalização da exceção no Estado de Direito é original e marca um referencial teórico para qualquer discussão acerca do totalitarismo, da democracia, do autoritarismo, da divisão de poderes, do papel do direito, das questões de poder e tantas outras conexas à essas.

Alguns pontos fundamentais trabalhos por Agamben em sua obra:

- Necessidade como fundamento da tecnologia de governo
Esta pode fundamentar a exceção ou a revolução ... sendo ambas as duas faces de uma mesma moeda, porém, solidificadas por pulsões que, de forma geral, se diferenciam - uma delas se destina a romper com a ordem a vigente, estabelecendo uma nova, enquanto a outra objetiva (ainda que nem sempre de modo claro) reforçar a ordem existente

Não tem medida

Se manifesta de modos distintos como exceção > princípio da inadaptabilidade da jurisdição é extendido ao executivo

- Carl Schmitt > da exceção à soberania - ditadura soberana

Oposição entre norma e realização (ou decisão). Cisão entre norma e aplicação = estado de exceção em Schmitt

A confusão entre atos do poder executivo e atos do poder legislativo como sinal marcante do estado exceção

*** Problema da aplicação da norma > caso individual frente ao geral (norma) - doutrina de Kant mal colocada - não é operação lógica > passagem do semiótico ao semântico, que é uma atividade pratica > função enunciativa do direito

- Institutum (direito romano)
Qualquer medida para salvar a republica
Institutum = Solstitium = Suspensão direito > solstitium > solstício > quando o sol "pára" > vazio jurídico
Relação Guerra x Tumulto
Tentativa de fundar a exceções na legitima defesa (analogia) > defesa do Estado
Limite da ordem constitucional > senatus consultum ultimum e institutum > 1º solicitação do Senado para que se tomassem todas as medidas necessárias salvação do Estado > 2º decreto que declarava tumultus = situação de emergência, dando luz ao institutum = suspensão do direito

ESTADO DE EXCEÇÃO NÃO É DITADURA > É SUSPENSÃO DO DIREITO > MEDIDA CONSTITUCIONALMENTE PREVISTA EM MUITOS PAÍSES > AQUI A GRANDE PROVOCAÇÃO TRAZIDA POR AGAMBEN >> É O PRÓPRIO MOTOR OU FUNDAMENTO DO ESTADO DIREITO

NAZISMO E FASCISMO NÃO FORAM DITADURAS TECNICAMENTE FALANDO > FORAM ESTABELECIDOS SEM REVOGAR ORDEM CONSTITUCIONAL > ESTA PERMANECEU EM VIGOR, DANDO ORIGEM A UM SISTEMA "DUAL"

DUALISMO DEMOCRACIA X DITADURA É ENGANOSA PARA OS PARADIGMAS GOVERNAMENTAIS DE HOJE

Questão central que Agamben propõe: O que é uma pratica humana entregue a um vazio jurídico?

Resultado (conclusão) da pesquisa genealógica:
1. EE não é ditadura, é espaço vazio de direito, zona de anomia. Falsa a teoria da necessidade como fonte originária do direito, que enxerga EE como exercício de um direito de defesa do Estado. Igualmente falsa pretensão de Schmitt de teorizar a partir de uma divisão entre normas de direito e normas de aplicação
2. Esse espaço vazio de direito é essencial à ordem jurídica. Paradoxo. Relevância estratégica decisiva... Estado de Direito seria impensável sem ele... precisa poder lançar mão desta medida em diversos momentos - reforço de poder
3. Atos cometidos durante o instituto (institutum) conseguem escapar a qualquer definição jurídica, não podendo ser sancionados
4. A suspensão de lei cria "força de Lei", dando a atos cometidos em desconformidade com a lei, ainda que esta esteja vigente, um poder místico de que todos tentam se apropriar. A questão central é a definição do que Schmitt chama de "político".

- W. Benjamin x Schmitt
Benjamin > dois tipos violência > uma conserva e outra funda o direito(revolucionária ou pura)
Para Benjamin a pureza não existe enquanto substancia, mas como resultado da linguagem... aquilo a que se atribui a pureza.
Benjamin > Indecidibilidade intrínseca ao poder soberano
Em Benjamin soberano permanece criatura
Benjamin: "O estado de emergencia em que vivemos tornou-se a regra"
Não se trata de se perguntar sobre os fins da violência, mas caracterizar a violência como algo que mantém outros tipos de relação com o direito que não a de meio e fim
Violência pura = quando a violência é meio fundador do direito. Estabelece o direito como poder. A violência pura atua não como violência que governa ou executa, mas q simplesmente age e se manifesta. Revolução e estado de exceção umbilicalmente ligados > com se fossem dois jogadores de xadrez que tentam mexer o mesmo peão

Contraponto:
Schmitt - violência soberana > não funda nem conserva, mas suspende o direito.
Soberania como lugar de decisão extrema
Para Schmitt a decisão é o elo que une soberano o Soberano e o Estado de Exceção ("Soberano é aquele que pode decidir sobre a exceção")
Em Schmitt o soberano vira o "deus cartesiano"


O que acontece quando exceção e regra se tornam indiscerníveis?
Desaparece o elo (e com ele a diferença) entre direito e violência

A mesma tentativa de capturar o ser puro nas malhas do logos (grande pretenção metafísica) se percebe em tentar assegurar a relação entre violência e direito

- Correspondência entre morte e anomia

Festas anomicas - suspensão da lei

Paradoxo moderno: de um lado a tendência normativa em sentido estrito (positivismo), que visa cristalizar-se num sistema rígido de armas cuja conexão com a vida é, porém, problemática, senão impossível; de outro lado, uma tendência anômica que desemboca no estado de exceção, em que uma força de "lei" privada (do soberano em sentido figurado) age como pura inclusão da vida.

- Auctoritas e potestas - confusão moderna - convergência em soberania

Auctoritas > Hostis iudicatio > cidadão romano que traísse ou conspirasse contra república podia ser declarado hostis = inimigo público... não simplesmente inimigo estrangeiro, que era protegido pelo ius gentium, mas primado de todo estatuto jurídico, podendo ser destituído de todos os seus bens e condenado à morte

Conceito de auctoritas se torna fundamental - serve mesmo de fundamento para teoria dos estados autoritários
Direito romano é a base. Nome "Augusto" - mesma raiz - não significa um potestas (poder de um magistrado) mas a potência da auctoritas
As qualidades de duce (fascismo) e fuhrer (nazismo) derivam da auctoritas, onde o poder está ligado não a um cargo constitucional (chefe governo - que seria algo como o potestas) mas a qualidades da pessoa física > biopolítica

"quando o estado de exceções em que eles (protestas e auctoritas) se ligam e se indeterminam torna-se a regra, então o sistema jurídico-político transforma-se em uma máquina letal"
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Cristiano.Goes 22/03/2020

Estado de Sítio
Leitura densa, mas necessária para compreender a escalada autoritária nos governos.
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José 15/09/2017

Um livro difícil, mas necessário
Vencer um livro difícil é uma dupla alegria. A de tragar seu conteúdo e a de concluir uma tarefa que exigiu da mente o que a escalada de uma montanha exigiria do corpo. Esse opúsculo (em extensão - 133 páginas) é certamente a mais densa obra que li em anos (o que revela certa ferrugem cerebral, dado o vício em livros fáceis). E certamente é a que mais me ajudou a entender o momento de desmantelo institucional do (Estado de) Direito que estamos passando no Brasil. O vazio de cogência das normas limitadoras de poder diante da vontade de autoridades que emergem como donas da potência - precisam de nomes? - só pode ser explicado por uma inteligência como a de Agamben, que faz a genealogia do estado de exceção desde os institutos romanos até o Ato Patriota de 2001 (o livro é de 2003). Por todas, uma frase: "As medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal?. (Eu disse que não era fácil. Mas é muito bom).
27/12/2018minha estante
Vc acha que é necessário ler o Walter Benjamin e Schimit antes de ler esse livro?




Eduardo634 06/03/2024

Estado de exceção é a vida secreta e mais verdadeira da lei
Num estudo que remonta ao direito romano, constrói a história das práticas e conceitos jurídicos (e extra-jurídicos) que levaram, no século XX, ao aparecimento dos Estados fascistas e da generalização do estado de exceção à regra nas democracias modernas.

Com Schmitt, discute as formas de ditadura (comissária X soberana) e sua ligação com o ordenamento jurídico. Respectivamente, de manutenção da letra da lei sem sua aplicação e, do outro lado, da aplicação de uma lei sem vigência. Tal diferenciação pode parecer meramente abstrata. Contudo, apenas através dela é possível compreender um fenômeno que (mudando completamente a forma como vejo o direito) opera fortemente nos regimes autoritários: a força de lei - dispositivo jurídico ao qual dedica um capítulo inteiro-.

Não posiciona (topologicamente) o estado de exceção dentro ou fora do Direito; ele é um espaço anômico que organiza exatamente o vazio entre o ordenamento jurídico e a vida. "Estar-fora e, ao mesmo tempo, pertencer", escreve ao descrever o soberano. Encarnando a lei, o soberano a impõe e a destitui. Sua própria natureza assim o faz.

Conceitualmente denso, mas extremamente valoroso. Repetitivo como toda genealogia aparenta necessitar ser para realizar um bom trabalho.
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Paloma Machado 11/02/2023

O estado de excessão é um estado que não vai ter direitos para os indivíduos.
O autor vai trazer a concepção de Carl Schimidt acerca do estado de excessão, no entanto, é necessário uma leitura completa para que possa ter uma compreensão melhor.
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