Jardim, cinzas

Jardim, cinzas Danilo Kiš




Resenhas - Jardim, Cinzas


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LETRAS e VEREDAS 07/10/2020

TRANSGRESSÃO POÉTICA DA REALIDADE
Por meio da fusão entre o relato autobiográfico e a ficção, “Jardim, cinzas”
aborda a história de luta pela sobrevivência de uma família contra a perseguição
nazista.

Tecida pela voz do menino Andreas Scham, a narrativa de “Jardim, cinzas”,
embora seja marcada com sinais terrenos e inserida no contexto da Segunda
Guerra Mundial, relega os fatos históricos a um plano secundário, para privilegiar
a existência “toda entremeada de coisas irreais” do pai do narrador, Eduard
Scham.

Eduard Scham, personagem complexa e irreverente, alia em si os enigmas do
eruditos, os mistérios do profetas messiânicos, o lirismo dos boêmios, o
anarquismo do libertino e a sabedoria dos delirantes. Num mundo assolado pela
banalização das atrocidades, Eduard Scham simboliza a noção de que a lucidez –
“essa consciência de seus próprios limites, essa capacidade doentia do
distanciamento” – é um destino cruel. A excentricidade e a irreverência dessa
personagem manifesta-se como uma estratégia de transgressão poética contra o
confinamento instaurado pela ditadura da realidade.

Outra personagem fascinante é a mãe do narrador – infelizmente, ela não tem
seu nome mencionado na narrativa. Para enganar o signo da fome e a indiferença
do frio e ”contestar a morte universal do tempo, da moda e da juventude com a
utopia de um futuro confuso”, essa mulher aninhava seus filhos com histórias
repletas de sonhos e fantasia.

“Essas histórias, repetidas noite após noite, outono após outono, a balada do
príncipe enfeitiçado e da fada má, repetiam-se interminavelmente, levadas de
teto em teto, de janela em janela, apagadas e disseminadas pelo vento,
passavam por metamorfoses fantásticas, mas conservavam, em suas inúmeras
versões, a complicada trama lírica cheias de aventuras perigosas e de um amor
que sempre acaba triunfando”.

As personagens de “Jardim, cinzas” nos ensinam que se a poesia e a ficção não
conseguem alterar ou condicionar a barbárie da realidade, podem torná-la
suportável e extrair dela a seiva da utopia de um novo mundo.
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