Angélica 02/11/2011Alalalái!Dormem os picos das montanhas,
Dormem mares e florestas,
E tu velas insone na noite, Aléxandros.
Por onde andam teus olhos,
Aonde vai teu coração?
Buscas lugares longínquos
Onde se põe constelações,
Onde morrem as ondas do imenso oceano.
Não pensas em mim, e minha amarga espera.
Arde em ti o fogo que queima
No coração dos deuses.*
Para re-estrear o blog com o pé direito (ou talvez seja com o esquerdo, já que eu sou canhota), hoje trago a resenha de uma trilogia histórica – em todos os sentidos da palavra. Com vocês, Aléxandros, de Valerio Massimo Manfredi.
Como o título já entrega, a trilogia conta, de forma romanceada, a vida e os feitos de Alexandre da Macedônia, mais conhecido como Alexandre, o Grande. Gostaria de fazer um parêntese antes de começar a resenha: Por se tratar de uma série baseada em fatos históricos, eu me senti livre para citar alguns dos acontecimentos da trama ao longo da resenha – afinal de contas, a história da humanidade não pode ser considerada spoiler, é ou não é? ;-). Mas não se preocupem: eu procurei não entrar muito nos meandros da trama, e citei somente o estritamente necessário. Bom, vamos lá.
O primeiro livro, “O Sonho de Olympias”, narra o período que vai desde o nascimento de Alexandre até os trágicos acontecimentos que o colocaram no trono da Macedônia. O segundo volume, “As Areias de Amon”, retrata o primeiro período de seu governo, e o começo da investida macedônia contra os persas. Por fim, “Os Confins do Mundo” centra-se na conquista dos grandes territórios persas pelo jovem rei, finalizando a trilogia com os eventos que levaram à sua morte.
Não sei se o design das capas brasileiras foi ideia da Rocco ou se foi copiado de alguma edição estrangeira, mas o fato é que as mesmas representam bem o desenvolvimento da série ao longo de seus três volumes (apesar de eu detestar a cor amarelo-bile da primeira capa, yuck): No primeiro volume, acompanhamos a infância de Alexandre. Como o amarelo já denuncia, os acontecimentos por aqui são um tanto mornos, e a coisa só começa a ficar interessante de verdade pouco depois da metade do livro. Neste primeiro momento somos apresentados ao sistema político e social da Macedônia, além de conhecermos os principais personagens que rodeiam a vida do jovem príncipe: seu pai e antecessor, o energético Filipe da Macedônia; sua enigmática mãe, Olympias; seus amigos de brincadeiras (e, mais tarde, generais de guerra) Heféstion, Ptolomeu, Seleuco, Eumênio, entre tantos outros. Esta é a etapa em que o autor tenta adaptar a visão do leitor ao mundo antigo em que a história se passa, para que o mesmo não tenha dificuldades em mergulhar na história nas partes posteriores da mesma. Mesmo não sendo a parte mais divertida da narrativa, não há dúvidas quanto a sua utilidade na história, nem quanto à maneira cuidadosa e bem trabalhada com que o autor a executou.
A partir da metade do primeiro livro, quando Alexandre já está na puberdade, a história começa a pegar ritmo, e no segundo volume, cuja capa apresenta um tom de laranja forte, somos apresentados a uma aventura verdadeiramente épica, digna dos heróis de Homero. É neste volume que acontecem as batalhas mais críticas do reinado de Alexandre, e tudo é narrado ao estilo das epopeias antigas: o protagonista é um homem formidável, quase um deus encarnado, e não há nada nem ninguém que não sucumba ao seu domínio ou que não se deslumbre com sua força e seu caráter. Já no terceiro livro, de capa vermelha, passamos a conhecer o lado mais obscuro do governo do grande conquistador. Intrigas, massacres, conspirações palacianas e tentativas de regicídio tornam-se cada vez mais comuns na vida de Alexandre, cujos problemas parecem aumentar à medida que seu território se expande. O livro final torna-se gradativamente mais trágico, e culmina com a morte do protagonista.
A narrativa, sendo essencialmente histórica, não chega a entrar no terreno da fantasia, mas o tom místico está presente em todos os momentos. São comuns durante toda a história presságios e premonições certeiros, o que nos traz a impressão de que, mesmo que eles não se manifestem no plano físico, a vida dos homens é de fato guiada pelos deuses. É esse misticismo, aliás, que ajuda a dar o tom da narrativa: mesmo que “Aléxandros” utilize um estilo literário diferente, mais comum à nossa própria época, não há como negar a semelhança de tom com as obras de Homero. O suposto parentesco de Alexandre com o mítico Aquiles, muitas vezes relembrado ao longo da história, somado à grande nobreza de caráter do protagonista, reforça ainda mais este traço da narrativa, fazendo com que Alexandre pareça, aos olhos do leitor, um verdadeiro semi-deus.
Uma das coisas que mais me impressionou nestes livros foi a sua fidelidade histórica. É claramente perceptível o cuidado que Manfredi teve com a pesquisa realizada para a confecção deste romance. Roupas, costumes, alimentos, pense no que quiser: tudo está de acordo com tudo aquilo que já foi descoberto sobre a cultura grega e macedônia da época. E essa acuidade não para por aí: não há um único personagem na trama, desde os protagonistas até os personagens mais terciários, que não tenha registro na história. Pode-se encontrar registros históricos até mesmo daqueles personagens que aparecem no romance uma única vez, para logo caírem no esquecimento. É também notável a destreza de Manfredi para a escrita. Seus cenários e seus personagens são minuciosamente descritos, o que facilita muito a imersão do leitor na narrativa. As cenas de guerra são especialmente épicas: é possível ao leitor se sentir quase como se estivesse assistindo às batalhas do meio das fileiras de Alexandre.
Outra coisa que me agradou muito foi a empatia transmitida pelos personagens. A saga tem algumas dezenas de personagens, e todos eles são, a seu modo, únicos. Os personagens principais esbanjam simpatia, desde o heroico Alexandre até o astuto Eumênio de Cárdia (meu personagem preferido), passando pelo cético Ptolomeu, o muito-músculo-e-pouco-cérebro Leonato, enfim... Personagens interessantes é o que não falta a “Aléxandros”. E creio que parte da força dos mesmos venha da sua própria universalidade. O autor criou personagens com personalidades que, se por um lado se encaixam perfeitamente na história, por outro poderiam existir ainda hoje. Muitas de suas reações e atitudes podem ser encontradas, salvas as devidas proporções, na sociedade atual.
Minha única ressalva neste quesito é a falta de personagens femininas com participação significativa na trama. A única personagem feminina que é melhor desenvolvida é a rainha Olympias, mas sua presença na trama se concentra quase que inteiramente no primeiro volume: a partir do momento em que Alexandre deixa a Macedônia para empreender suas expedições conquistadoras, a rainha é lembrada apenas em breves comentários. Mas, em relação a este tópico, eu sou obrigada a me conformar: como o próprio Manfredi diz em nota no final de um dos livros, a participação social das mulheres nesta época era praticamente nula, e as mesmas eram vistas como meros objetos. Quase não há menções históricas sobre as mulheres deste período, e como esta trilogia se pauta pela fidelidade histórica, não há muito que possa ser feito.
Ao acabar a leitura de “Aléxandros”, senti um enorme aperto no coração, como se estivesse me despedindo de um amigo querido. Passei dias pesquisando sobre a vida de Alexandre Magno, e percebi que o autor interpretou a seu bel-prazer vários fatos históricos, a fim de que se encaixassem melhor na narrativa. Nunca poderemos saber como foi, de verdade, a vida do verdadeiro Alexandre. Talvez ele tenha sido mesmo um conquistador heroico, ou talvez fosse apenas um ogro megalomaníaco que, assim como o Cérebro, queria conquistar o mundo. A verdade já se perdeu no tempo há eras, e não pode mais ser alcançada por nós, apenas pressentida. Mas seja qual for a verdade sobre o Alexandre original e seus companheiros, tenho certeza de uma coisa: o Alexandre que habita a minha mente, aquele que vai sobreviver ao tempo dentro de mim, é o Alexandre de Manfredi. E mesmo que outros livros me levem a conhecer outros Alexandres, outros Eumênios e outras Olympias, os personagens do autor italiano terão sempre um lugar especial na minha mente e no meu coração. Recomendo a leitura a todos os que gostam de um bom romance histórico, e também a aqueles que querem apenas se divertir com um belo romance de aventuras. Alalalái!**
*Poema retirado da contracapa do primeiro volume de “Aléxandros”.
**Alalalái era o grito de guerra utilizado pelos soldados gregos e macedônios.
Resenha retirada de: http://umatardecomcha.blogspot.com/2011/11/boletim-literario-4-alalalai.html
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