O pescoço da girafa

O pescoço da girafa Judith Schalansky




Resenhas - O pescoço da girafa


6 encontrados | exibindo 1 a 6


Ladyce 27/04/2016

Obra surrealista
No livro Jokes and their relation to the unconscious, Sigmund Freud explana sua teoria do humor como expressão do sublime. Sublime neste contexto tem o sentido de assombroso, supramundano, semelhante ao seu sentido na literatura gótica da virada do século XVIII para o XIX. Os surrealistas, quase cem anos atrás, usaram o conhecimento das teorias de Freud para justificar o que se convencionou chamar humor negro: a porta de entrada para o inconsciente. Um estudo dobre o surrealismo por Anna Balakian mostra que o humor negro era um canal para retratar uma realidade ou uma crise incompreensível. E é justamente assim, através de um humor de justaposições irracionais e de gosto duvidoso, que somos apresentados à realidade de Inge Lohmark, professora de biologia no Colégio Charles Darwin, na antiga Alemanha Oriental.

Inicialmente nos dobramos de rir ao perceber as comparações que Frau Lohmark faz entre o mundo animal e o comportamento de seus alunos. Baseando-se na teoria da evolução de Darwin, Inge Lohmark cativa a atenção do leitor, por explicar de modo claro, como o comportamento das crianças na sala de aula espelha aquele dos animais na eterna busca pela sobrevivência do mais forte. Aos poucos, no entanto, começamos a perceber o desequilíbrio emocional da mestra. A mudança é sutil. Só quando o leitor já se vê cansado das teorias de Lohmark sobre o mundo, ele percebe, de repente, que entrou no fluxo de pensamento dela, como se testemunhasse a escrita automática que André Breton e seus cúmplices do movimento surrealista advogavam.

O humor era entendido pelos surrealistas como uma crítica implícita aos mecanismos mentais convencionais. O conhecimento da obra de Freud lhes deu o ponto de partida para explorar o humor negro, ignorando a lógica como uma maneira de pensar, a fim de recuperar a verdade encontrada na percepção sensorial. Este parece ser mais ou menos o caminho escolhido por Judith Schalansky para levar avante esta obra da qual qualquer escritor que tivesse assinado o Manifesto Surrealista de 1924 se sentiria justificado. Humor, ironia, chiste são os recursos usados para que o véu que esconde a verdadeira natureza da professora de biologia seja levantado. E o que se encontra, pode não ser tão bonito assim.

Inge Lohmark é uma professora idosa, amarga, infeliz, que passa a narrativa ruminando sobre o sistema escolar na antiga Alemanha Oriental, lugar onde havia nascido, crescido e estudado. Suas ruminações são por vezes hilárias. Mas as mudanças vindas com a unificação do país se mostram difíceis de abraçar no âmbito profissional, político e pessoal. Sua interpretação baseada na sobrevivência das espécies que explica quase tudo à sua volta é inicialmente interessante, por ser inesperada, mas logo se torna cansativa. À medida que vislumbramos a solidão e amargura da professora, à medida que ela parece mais humana, a narrativa perde a força, ainda que se possa ver com maior claridade a inépcia de Frau Lohmark em se adaptar às mudanças que a vida requer. E o argumento, a crítica mordaz desencadeada pelas observações da mestra, perde força e claridade com o desenrolar da trama.

Tenho a impressão de essa obra, essa crítica ao sistema escolar e ao ensino na Alemanha Oriental, pode ser repassada para outras escolas e sistemas de ensino em países diversos, mas não consigo deixar de sentir que esta narrativa é mais significativa para os alemães e talvez para alguns europeus. Há muito que se perde na mudança de uma cultura para a outra. É uma obra que qualquer escritor surrealista estaria feliz em ter assinado.

É um livro difícil de recomendar. Pode-se entender seu objetivo. Mas duvido da qualidade de sua mensagem para um público estrangeiro.
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GilbertoOrtegaJr 20/07/2017

O pescoço da girafa – Judith Schalansky
O pescoço da girafa, da escritora alemã Judith Schalansky, era um livro que tinha tudo para ser interessante. Com uma bela capa, um título interessante e uma boa trama, tudo indicava que poderia render um belo livro, mas ao lê-lo pude perceber que é justamente o contrário: ele é um livro enfadonho e não cumpre quase nada do enorme potencial que parece ter.

Ao longo de 224 páginas somos apresentados a Inge Lohmark, uma professora de biologia que mora em uma cidade que pertencia à antiga Alemanha Oriental. O colégio Charles Darwin, onde Inge e seus amigos dão aulas, está preste a ser fechado. Ademais, as pessoas estão se mudando para outros lugares mais modernos, com maiores chances de emprego e qualidade de vida. Eis que, nesse contexto, surge para Inge a importante necessidade de se adaptar para que não fique para trás com o avanço do processo evolutivo.

Inge não é uma pessoa que poderia ser chamada de legal, uma vez que ela é sempre muito dura e crítica em relação aos seus alunos e colegas de trabalho e quase nunca demonstra sentimentos positivos em relação a eles. No geral, os únicos sentimentos que o leitor sabe que ela têm em relação aos seus colegas e alunos é o menosprezo. Na verdade, a capacidade de convívio e interação social de Inge com outros seres humanos é algo lamentável, pois simplesmente não existe: ela é fria, monótona e muito racional, tão racional que acaba sempre pendendo para o lado do pessimismo em relação a tudo que a cerca.

A partir da descrição anterior o leitor pode pensar: “Nossa, mas então ela vive completamente sozinha e sem contato humano algum?” E a resposta será: não. Ela é casada e tem uma filha crescida que se mudou para os Estados Unidos. Já o marido de Inge é quase inexistente na narrativa e ele somente é citado quando surge algum comentário sobre a criação de avestruzes que tem.

O pescoço da girafa só é realmente interessante na linguagem que apresenta, sendo válido ressaltar a forma como Judith Schalansky narra sobre Inge, que é uma professora de biologia, e insere no livro vários temas que são intrínsecos à área de estudo da protagonista, como reprodução, evolução, adaptação, maternidade, puberdade e extinção. Porém, todos esses temas são tratados de forma contextualizada no livro, ou seja, nada ali surge de forma gratuita. Pelo contrário: muitas vezes surgem como nuances, mas infelizmente isso não salva o livro de ser algo maçante, deixando claro que Judith Schalansky tem potencial para escrever algo melhor.

“Mais de noventa e nove por cento de todas as espécies que existiam na Terra naquela época foram extintas. Mas todos pensavam apenas naqueles grandes e ridículos animais de quarenta toneladas e cérebro do tamanho de uma bola de tênis, que não eram capazes de regular sua temperatura corporal. ”

site: https://lerateaexaustao.wordpress.com/2017/07/20/o-pescoco-da-girafa-judith-schalansky/
Ladyce 10/08/2019minha estante
Tem toda razão


meriam lazaro 19/12/2021minha estante
Como são as coisas.... estou adorando a Inge. Gosto de personagens assim, sardônicos, nem santos, nem vilões. Aquela graça sutil que pode passar batido na leitura, como nesta passagem das reuniões semanais dos professores: "Todos podiam falar alguma coisa, sempre. E todos tinham razão. Paz, alegria, placenta. Tudo podia ser contrariado. E nada fazia sentido."


GilbertoOrtegaJr 21/12/2021minha estante
Achei este passeio pela mente dela, muito sufocante


meriam lazaro 22/12/2021minha estante
De certo modo é mesmo. Envelhecer não é fácil.




Fabio Michelete 16/05/2016

Confira a resenha no Dose Literária
Confira a resenha no Dose Literária:

site: http://www.doseliteraria.com.br/2016/05/o-pescoco-da-girafa-de-judith-schalansky.html
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Aline T.K.M. | @aline_tkm 18/11/2016

Nunca te disseram que o mundo é cruel?
Como a teoria da evolução de Charles Darwin se relaciona com o mundo contemporâneo e, mais especificamente, com o ambiente escolar? A alemã Judith Schalansky dá a resposta no livro O Pescoço da Girafa, que aborda as relações humanas e a luta pela sobrevivência em uma crítica feroz.

Somos guiados pela figura de Inge Lohmark, que leciona biologia para adolescentes no Colégio Charles Darwin, em uma cidadezinha pacata na que antes havia sido a Alemanha Oriental. No entanto, a professora precisa lidar com o fato de que a escola em que trabalha será fechada dentro de algum tempo; a adaptação – processo demorado e muitas vezes penoso – é necessária para que a vida siga seu curso. Extremamente racional e sistemática, seus pensamentos e atitudes sempre encontram razão de ser na biologia, na genética e na teoria da evolução das espécies – para ela, tudo na vida pode ser explicado por esses conceitos.

A ausência de emotividade – ou talvez o excesso, extremamente contido em seu íntimo – pode ser uma justificativa para sua visão de mundo. Note que eu disse pode, pois o interior da protagonista segue indecifrável em sua totalidade; ainda assim, a falta de inteligência emocional e de traquejo nas relações revela muito sobre a professora Lohmark.

Dentro da sala de aula, Inge Lohmark faz questão de se manter a uma distância segura dos alunos – sem amizades e nem mesmo informalidades no tratamento. Até a maneira como ela se refere a eles, incluindo suas características físicas, não é de todo gentil e denota a suposta posição de cada um na cadeia hostil e competitiva da vida. “Diligente como uma abelha”, “imperceptível como erva daninha” e “animal conivente e resignado” são alguns dos termos usados pela professora ao definir esses estudantes.

Não apenas a sala de aula é um recorte da sociedade selvagem e competitiva, mas a escola como um todo. Também a relação entre os professores traz agressividade, cinismo e o risco constante de se ver abocanhado de uma hora para outra.

A frieza – e até crueldade – com que lida com seus alunos; o distanciamento do marido, mais ligado à criação de avestruzes do que à vida no lar; a ausência da filha, que deixou o país e construiu uma família nos Estados Unidos; todos esses aspectos reforçam a solidão e a rigidez da protagonista. Na meia idade, Inge Lohmark tem consciência do envelhecimento e também aplica sua visão extremamente baseada na biologia para encarar essa etapa da vida. A procriação não mais sendo uma função em sua vida e já realizada a criação da prole, Lohmark também usa a biologia para justificar a situação com o marido e com a filha.

Não se deixe enganar pelas frases curtas e ilustrações criativas – e biológicas – que intercalam a narrativa, pois não se trata de uma leitura exatamente fácil. Contudo, traz genialidade e uma crítica bastante afinada ao pensamento darwiniano e capitalista de que apenas os considerados mais fortes – e mais espertos, mais inteligentes, mais dispostos – têm alguma chance no mundo. Confesso, ainda, que a falta de tato e a dureza da protagonista divertem.

Bem o tipo de livro que eu super imaginaria adaptado para uma produção alternativa (e daria um filmaço!), O Pescoço da Girafa é simplesmente a vida nua e crua. Talvez um pouco crua demais, mas quem disse que o mundo, em constante mudança, não é assim? A nós, seres humanos, só nos resta saber nos adaptar e engolir, em vez de sermos engolidos.

LEIA PORQUE...
Provavelmente será diferente de tudo que você está habituado a ler. Ah, ter o mínimo de interesse por biologia, genética e afins é superválido para se envolver inteiramente com a leitura.

DA EXPERIÊNCIA...
Gostei da trama, gostei da protagonista, gostei do final aberto. Num mundo ideal, seria legal saber mais da parte psicológica de Inge Lohmark; por outro lado, o fato de ser hermética a torna ainda mais interessante.

FEZ PENSAR...
Outros livros que também trazem conceitos de biologia e genética em suas tramas, por exemplo A Síndrome E e, especialmente, Gataca, ambos policiais do francês Franck Thilliez.

site: Livro Lab
Aria 12/02/2018minha estante
Que resenha!! Uma das melhores que já li aqui no Skoob. Parabéns!


Aline T.K.M. | @aline_tkm 19/02/2018minha estante
Oie, poxa, obrigada!!!




kleris aqui, @amocadotexto no ig 28/09/2017

Judith criou um recorte social com uma delicadeza incrível.
(Esta resenha teve corte de quotes e imagens do livro; visite o link para conferir)

Uma das coisas mais incríveis que a literatura pode nos proporcionar é nos colocar dentro da cabeça de outra pessoa, enxergar o mundo através de sua visão e nos permitir observar como suas engrenagens funcionam. Em O pescoço da Girafa nós temos justamente isso. Através do recurso de fluxo de pensamento, adentramos a mente de uma professora de biologia que possui uma compreensão muito particular da vida ao redor: Inge Lohmark crê piamente nos princípios fundamentais da natureza – melhor dizendo, na seleção natural.

Inge é uma senhora impassível. Ao termos acesso direto aos seus pensamentos, acompanhamos seu dia a dia, seu trabalho, vida pessoal e observações. Essa narração é tão detalhista para nos ilustrar o que Inge está vendo, passando, considerando, que vez ou outra você pode se perder. Mas essa é a natureza do pensamento, né, nem a gente consegue acompanhar aos nossos às vezes. E os de Inge, em seu papel extremista e formal, são tão ácidos que até chegam a ser engraçados – só que de um modo bem trágico.

O pescoço da Girafa é, nesse sentido, um livro muito intrigante e instigante. Próprio do estilo, não há história, mas sim um recorte de percepção. É nessa pouca ação que a autora quer nos mostrar sentimentos de uma maneira mais nua e crua. Ali, em sua própria cadência, eles se libertam. As excessivas descrições e concepções, por sua vez, são pistas para o leitor sacar o que há de natureza e humanidade na personagem.

Ao nos colocar nessa posição, Judith nos prende a uma persona absurda. Orgulhosa, exigente, distante. Se num primeiro momento a nossa aproximação nos permite rir das loucuras que são as concepções de Inge, noutro, quando passamos a entender mais das suas engrenagens, esse riso passa a ser mais contido... até parar de vez. Ficamos incessantemente em busca de mais e mais traços de humanidade nela, como que para provar que existe, em algum lugar, mesmo nas pessoas mais amargas.

Inge na verdade é a porta para compreendermos a seleção natural em prática; aliás, em seu autoritarismo de professora, traz à tona o sistema de educação ultrapassado que ela, como outros, insiste em manter. Não apenas somos socados no estômago pela inacessibilidade emocional da personagem, mas também pelo próprio caminhar do ambiente em que ela vive; ela não se conecta a pessoas – e por não se conectar, muita coisa passa atropelado por suas vistas (como família e responsabilidade social) sem qualquer intervenção.

A leitura de O pescoço da Girafa é interessante pela empatia – à Inge e às pessoas ao seu redor – mas também pela crítica social e escolar. Não é porque o homem, biologicamente, é um animal, que ele se comportará como tal; na vida em sociedade as leis são outras. Diferentemente do mundo animalesco, temos a vantagem do pensamento, da estima e do respeito.

Judith criou um recorte social com uma delicadeza incrível. Nunca fui muito fã de fluxo de consciência/pensamento, mas neste livro em particular a leitura fluiu em um ritmo bom. Sempre curti a ideologia da seleção natural e do pescoço da girafa, embora nunca muito dada aos aspectos biológicos em si. A sacada do livro – corroborada pela capa linda – puxa das entrelinhas e da nossa sensibilidade para compreender a interação social ali desenhada. Vale a nota para observar os cabeços das páginas que trazem, assim como as imagens surpresas nas páginas, mais pistas para a leitura.

Recomendo, porém, com ressalvas, pelo estilo incomum. Apesar de uma leitura rápida, a maneira como os elementos literários aqui se encaixam pode ser um desafio para alguns leitores, pois há muita sugestão no ar, como um filme silencioso. Indico a quem curte o lance do fluxo de pensamento, ler comportamentos, críticas sensíveis, altas descrições, o embate ciência biológica vs ciências sociais. É por certo um livro que fica na cabeça para ser digerido por semanas.

Percebe-se que O pescoço da girafa foi um livro difícil de parir, imagino que tanto pra escrever quanto pra trabalhar nele para publicação e tradução, mas é daqueles que ao trabalho final a gente concorda que valeu a pena. Aliás, ele faz parte de uma leva de livros alemães que estão chegando ao Brasil por conta da parceria de tradução do Goethe Institute. Espero em breve ler mais livros da autora – apesar de ser seu terceiro, é o livro de estreia nas terras tupiniquins.

E não posso deixar de dizer que dou RT no texto da contracapa!

site: http://www.dear-book.net/2016/06/resenha-o-pescoco-da-girafa-judith.html
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