spoiler visualizarMaria Gabriela 02/11/2021
"Talvez elas estivessem jogando aquele jogo naquele dia? Então a tragédia aconteceu." Quão cruel é este livro ao apresentar uma tragédia tão horrenda que abalou as estruturas de uma família perfeita e superestimada, mas que desde seu início já possuía problemas graves. Antes da tragédia, o casal bem-sucedido e suas gêmeas idênticas eram a família perfeita.
Angus e Sarah Moorcroft tinham tudo que podiam desejar: uma casa incrível em Londres, empregos que pagavam bem, duas filhas bonitas, amorosas e saudáveis. E as belas filhas são um caso extraordinário da hereditária vida: Lydia e Kirstie são gêmeas loiras idênticas! Diferentes em personalidade, mas conectadas que parecem ser duas partes de uma mesma pessoa. Esse ponto é o suficiente para fazer um arrepio correr pelo corpo todo, uma vez que a tragédia que futuramente os abala bagunça a mente inocente daquela que sobrevive. O que mais me chamou a atenção foi a distinção que a trama faz com as duas garotas. Lydia é tímida, calma, que fala pouco e gosta de livros; é a filha favorita de Sarah. Kirstie é mais confiante, agitada, que adora conversar com as pessoas e interagir com o cachorro da família; é a favorita de Angus. É comum os pais possuírem um filho favorito, mas o que especialmente Sarah faz com a filha sobrevivente é completamente desumano.
A questão da tragédia é a que causa a ruptura da família. Durante aquele verão, as gêmeas estavam tão felizes e brincando de trocar suas identidades, se vestindo da mesma forma e confundindo as pessoas. Era seu jogo favorito. Tudo estava perfeito, até que Lydia caiu da varanda e morreu. Sem a filha, a sua favorita, a mãe ficou depressiva por meses, se tornou uma mulher amarga e triste; sem sua gêmea, a gêmea que restou se transformou em uma criança abatida, como se tivesse perdido metade de si mesma. Com uma filha morta, outra perdida e a mulher depressiva, o pai está quase se tornando alcoólatra e perdeu o emprego em um acesso de raiva.
A situação apenas declina quando Kirstie afirma ser Lydia e começa a agir como a irmã falecida. Quando confrontada pelos demais quanto sua real identidade, a garota parece sempre mergulhar em um mar de dúvidas e surtos violentos. Kirstie não sabe se é ela mesma ou se é Lydia. E toda a confusão apenas piora quando o cachorro da família começa a mudar seu comportamento perante a gêmea presente. O que nos é apresentado é um exemplo prático de como uma tragédia e as ações forçadas de uma mãe desesperada tornam a mente de uma criança instável. Sarah a todo momento reforça que Kirstie é Lydia, sempre procurando preencher o vazio em seu coração que sua filha sobrevivente e seu marido fracassado não podem satisfazer. Chega a um ponto em que Sarah acusa o marido de abusar da filha e esbravejar que Kirstie nunca será o suficiente, apenas Lydia.
Lydia era como Sarah, quando criança, o que explica a afeição da mãe com a filha. Kirstie é como Angus e o contrário da mulher, o que reforça sua aversão a criança quando ela "muda" para sua identidade real. A confusão é muito bem descrita quando nenhum dos pais mostra confiança perante o problema psicológico desenvolvido pela criança. Pensei, a primeira vista, que seria um suspense enrolado e monótono, mas me enganei. É um livro longo e que nunca permanece no marasmo do tédio. A todo momento apresenta fatos novos e surpreendentes, mostrando ao leitor a decadência real de uma família que uma vez foi perfeita. O autor foi sagaz em apresentar a depressão de Sarah culminar em angústia e raiva, a cada momento em que ela prefere escutar sua própria mente e inseguranças do que a voz da razão; mostra como Angus passou de um alcoólatra qualquer a um pai destemido e pronto para proteger a memória de sua falecida filha e garantir que a sobrevivente viva bem; e como Kirstie assume os jeitos e trejeitos, a personalidade da irmã, para suprir a falta que esta faz em sua vida. Ambas eram próximas, conectadas, e como a Morte trágica arruinou aquela ligação.
Esse livro é genial, perfeito! É uma obra que garante mostrar os estágios do luto e da loucura, como uma família perfeita pode ser arruinada e como o ser humano pode decair drasticamente quando infringe suas próprias dores aos mais fracos. É envolvente e nunca se mantém parado, o que é mais incrível ainda. Recomendo demais!