Jamyle Dionísio 07/12/2021
Outras vias da escrita de Clarice
Lançado em 1974, quando Clarice Lispector já passava dos cinquenta anos, A Via Crucis do Corpo é mais do que um livro de contos: é uma revelação.
Não uma revelação no sentido epifânico, como tantos contos de Clarice. Mas um afastar dos véus que cobrem a Mítica Bruxa das Palavras. Sim, um compartilhar mais direto, relaxado até, da humanidade imperfeita de uma escritora que, famosa também por sua beleza, nos mostra um pouco da sua solidão, das suas frustrações com o envelhecimento de um corpo que não acompanha a mente vívida, os desejos da mulher que o carrega.
Curioso que é dos livros menos apreciados de Clarice, já que está longe de tecer os complicados labirintos psicológicos de Água Viva ou A Paixão Segundo G.H. Parece, na superfície, um livro em que ela permitiu-se brincar. Há, ali, o que menos se espera de uma autora de seu austero ?porte?: um sensualíssimo ser extraterrestre, as dinâmicas inesperadas de um curioso ?trisal?, uma velhinha afogueada que não sabe como se aliviar, prostitutas, travestis, gigolôs. E, no meio disso tudo, a onipresente Morte, com seu porte de Greta Garbo, a nos lembrar que tudo aquilo é muito leve, muito engraçado, mas que estamos lendo, afinal, Clarice Lispector, e que é preciso ver além do óbvio.
Ela conta, no início do livro, que alguém leu os contos e lhe disse que aquilo não era literatura, era lixo. ?Mas há hora para tudo. Há também a hora do lixo.?, ela conclui. E que lixo, minha gente! Lixo que até cheira bem, pra dizer a verdade. Lixo que esconde ouro por baixo.
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