spoiler visualizarThiago Barbosa Santos 21/02/2021
A bela e a fera
É uma coletânea de contos escritos por Clarice Lispector entre 1940 e 1977. São oito contos ao todo, sempre retratando a história de mulheres que buscam dar algum sentido para as suas vidas. Muitas vezes, o leitor fica em dúvida sobre realmente quem é a bela ou a fera.
O primeiro conto é HISTÓRIA INTERROMPIDA. A protagonista faz uma reflexão sobre o homem que ela ama, chamado na história apenas de W. Ele era moreno, alto, e sempre muito triste e cabisbaixo. Ela jovem, alegre, espontânea e cheia de vida. Ele se esforçou pela felicidade dos dois, pela prosperidade daquela união, mas o estado anímico do rapaz era sempre dos piores. Vem o casamento, o filho, e a história é repentinamente interrompida pelo suicídio dele. No fim, a moça se questiona sobre qual o sentido daquela existência, de sua própria existência. É um conto escrito de uma maneira poética, com interpretações abertas para a percepção de cada leitor, de como ele sente aquele turbilhão de sentimentos relatados ali.
GERTRUDES PEDE UM CONSELHO é sobre Tuda, uma adolescente que, perdida em meio a esse turbilhão que é a vida, decide procurar ajuda de uma psicóloga para tentar entender o que é a felicidade. A gente vai embarcando nessa viagem de descoberta com ela. Entendendo que cada pessoa é um mundo é tem uma chave diferente. Os contos de Clarice sempre despertam no leitor profundas reflexões, é inevitável que cada um faça uma visita dentro de si para procurar entender melhor os próprios dramas e sentimentos.
Em OBSESSÃO, Cristina narra a própria história. É uma mulher simples, com vida normal, casamento normal e uma rotina até monótona. Um dia, vai passar uns tempos em outra cidade para se recuperar de uma febre tifoide. Lá, conhece Daniel, por quem se apaixona. Durante todo o conto, acompanhamos os dilemas dela entre um casamento estável, sem graça, e uma aventura amorosa, onde ela se deixa levar pelo coração, pelos próprios sentimentos. No fim das contas, a vida parece resgatá-la para aquela normalidade de sempre, para que retome aquela rotina e se afaste daquela montanha-russa de sentimentos.
O DELÍRIO é um conto cujo narrador é homem, difere um pouco de todo o universo feminino que tão bem a Clarice Lispector explora. No texto, este homem vive um conflito intenso entre o que é sonho e o que é real. O que é delírio e o que de fato está vivenciando. No fim, o leitor descobre que esse homem é um escritor convalescendo de uma doença, a necessidade da criação, a ?terra exaurida?. No conto, Clarice expõe a intensidade que cada personagem exige do escritor, como se o autor vivesse na prática todos os dramas daquele universo que ele mesmo criou.
A FUGA foi publicado nos anos 40. É a história de uma mulher angustiada com a própria vida que leva, mas que parecia estar anestesiada, despertou repentinamente para a necessidade de se mexer, de sair daquela realidade, daquela rotina em que descobriu estar aprisionada. Ela está casada há doze anos. Em uma tarde chuvosa e de calor, sente um mal estar, percebe que aquela inquietação é da alma. Pega um dinheiro que tem em casa e vai embora, meio que sem rumo, pega um ônibus, vai andando, já está escurecendo, tem medo, pensa em voltar, mas segue, vai refletindo quanto o casamento a oprime, vai olhando mais para dentro de si mesma. Começa a chover forte, está com fome e cansada. Imagine indo a um restaurante, dormindo em um hotel para no dia seguinte seguir viagem em um navio. Mas entrar em um hotel sozinha não fica bem para uma senhora casada, pode prejudicar os negócios do marido, também não tem dinheiro suficiente para viajar. Volta para casa, encontra o marido lendo e a esperando. Inventa que foi até a casa de uma amiga que estava doente, não lhe passaram o recado de que iria chegar tarde? O marido foi dormir o pediu para que ela o acordasse cedo. Ela se deitou, pensando na vida, chorou enquanto o navio se distanciava cada vez mais seguindo sua viagem.
O conto MAIS DOIS BÊBADOS é o penúltimo conto do livro, são dois homens, já para lá de Bagdá, desconhecidos, em uma mesa de bar. Um pega bebida para o outro na esperança de ouvir mais sobre a história dele, mas o companheiro parece não querer muito papo. No meio, ele acaba dizendo que tinha um filho doente e a esposa estava com ele. O outro o questiona por que não está com ela, depois a história vai se misturando e o leitor não entende bem se aquilo faz parte da conversa ou já é delírio de bêbado. O conto termina com um diálogo cortado, que deixa o final em aberto. É uma estrutura bastante interessante.
UM DIA A MENOS é o penúltimo conto do livro é fala sobre uma mulher que tem a difícil tarefa de passar o dia inteiro sozinha dentro de casa. Sente falta da velha Augusta, que trabalha na casa desde a época dos pais dela. A empregada pediu licença de um mês para ver o filho. O texto relata de forma muito expressiva a solidão e sobre os muros que muitas vezes nós mesmos levantamos ao nosso redor. É o desafio da personagem em atravessar um dia inteiro sem companhia.
A BELA E A FERA é o último conto e o que dá nome ao livro. Traz um embate social marcante entre uma senhora rica e poderosa com um mendigo. Ele tem uma grande ferida na perna, quer dinheiro, enquanto que ela tem suas próprias feridas, muitas delas advindas do excesso de dinheiro. Fala sobre realidades e dramas diferentes, cada um com os seus. Aquele homem doente, extremamente miserável, mexeu com ela, primeiro, o sentimento foi de raiva, vontade de matar pelo fato de ter cruzado o caminho dela e mostrar o que até então era completamente distante e invisível aos olhos daquela mulher. Teve medo, ofereceu o dinheiro que tinha na carteira, uma quantidade inimaginável para aquele pobre homem, e depois começou a refletir que existiam muitas semelhanças entre eles, ela também era uma mendiga, mendigava a atenção do marido banqueiro que tinha duas amantes, mendigava uma amizade e um amor verdadeiro, livre de interesses. Saiu de lá com seu motorista particular sabendo que estaria para sempre ligada àquele homem, mas sequer perguntou o nome dele.