flor de lotus 12/01/2024
Ora uma inquietação sem nome, ora uma calma exagerada e repentina
Já tem algumas semanas que terminei esse livro e ainda penso muito sobre ele. quanto mais leio clarice, mais entendo como sua escrita é um processo só dela. nós a lemos porque queremos, ela escreve porque precisa e acaba nos fazendo precisar dela também. às vezes parece um sonho, outras vezes um pensamento, mas é sempre clarice divagando. às vezes tem coisas tão incompreensíveis que parece íntimo demais. talvez nem ela entenda, mas basta que ela seja a pessoa a entender, porque ela escreve pra entender.
como a própria escreveu: "para quem leu um pouco e pensou bastante nas noites de insônia, é relativamente fácil dizer qualquer coisa que pareça profunda". sua escrita é ela e sua cabeça imparável em palavras. eu provavelmente tenha superavaliado, mas é que eu me sinto exatamente como ela. me identifiquei e marquei muita coisa, outras a gente lê e pensa (drogas ilícitas) mas com todo respeito do mundo
um ponto que é levantado no posfácio é sobre seus contos serem feministas ou não. eu concordo que não, mas meu motivo é que as mulheres que ela escreve completam suas crises nelas mesmas. elas tomam consciência de sua opressão como mulheres e acho que a crise se completa nisso, quando elas percebem que suas dores tem raízes mais profundas, que estão além delas. eu vejo essas lutas emancipatórias que ela apresenta como mais internas: elas contra elas mesmas. por mais que tenha um "inimigo" homem, a emancipação parece se completar na consciência de suas próprias prisões. acho que tudo é mais sobre a epifania da dor feminina e como o buraco é bem mais lá embaixo. algumas até tentam se livrar disso, mas acabam desistindo. é uma perspectiva mais conformista, mas que ainda gera essa reflexão de certa forma
seus contos se conectam sem ter intenção de se conectar (acredito eu), porque tudo parte da mesma mente que não para de virar e revirar acontecimentos, pensamentos e sentimentos. vários trechos são autobiográficos ou até explicam pensamentos de outros contos. ler clarice pra mim sempre vai ser um processo de cura mística.
"ora sentia uma inquietação sem nome, ora uma calma exagerada e repentina. tinha frequentemente vontade de chorar, e o que em geral se reduzia à vontade apenas, como se a crise se completasse no desejo. uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos."