Cássio Cipriano 29/02/2024Fácil de se identificar e um contexto típico de cidade pequena.Li esse livro há muito tempo e vi que não tinha o resenhado aqui. Acabei encontrando no aplicativo de notas do celular algumas anotações da época e resolvi elaborar uma resenha em cima delas.
Lembro que comprei o livro numa época em que ainda era difícil encontrar histórias com protagonismo LGBTQIAPN+, e considerando que isto foi em 2016, não faz tanto tempo assim, e lembro que consegui me identificar bastante pelo fato de se passar no colegial e em uma cidade pequena, e eu cresci em cidade pequena. Porém, como muitas histórias daquela época, esta explora dores e violências de ser uma pessoa LGBTQIAPN+, algo que hoje em dia me afasta um pouco das narrativas, mas não necessariamente é um ponto negativo, pois enquanto a realidade não mudar, é importante haver histórias que retratem essas dores, trazendo reflexões.
No entanto, algumas problemáticas me incomodaram no livro. Apesar de ter sido lançado por uma grande editora, há errinhos consideráveis de gramática e de pontuação. Não sei se ao longo dos anos isto foi corrigido em novas tiragens, mas na que eu comprei, há esses errinhos, além de algumas questões na história que reforçam discursos machistas e heteronormativos. Só para ter ideia, este são alguns trechos que eu destaquei: "A periguete do bar está na sala com o pai. Gorda, maquiada, com top pequeno demais para a barriga que sai para fora, um cabelo loiro demais para a pele morena, as raízes escuras." ou "Aquele lá era especialista em comer as trintonas da academia". Mano, são tantas ofensas e preconceitos nesses trechos tão pequenos, que eu fico em choque.
Tem também o fato do Nicolas representar aquele ideal de gay heteronormativo aceito pela sociedade, algo que fica nítido nesse trecho: "Ele não tem dúvida do que gosta, de quem ele é. Nicolas é homossexual. Pode ser forte, masculino, não tem nada a ver com a imagem da bichinha que divulgam na mídia." Eu entendo exatamente o que o autor quis passar aqui, porque eu cresci nos anos 90 e 2000, numa época em que a mídia reforçava muitos estereótipos pejorativos do gay, e eu cresci querendo me distancias daquela imagem, mas... é possível quebrar um estereótipo sem querer reforçar outros, né? Querer dizer que o seu personagem é bem-resolvido com a sexualidade e não precisa se enquadrar em estereótipos do que é ser gay é uma coisa, mas aí você reforçar um ideial de masculinidade e enaltecer gay heteronormativa, é outra coisa, e eu até entendo as coisas aparecerem assim na história, por se tratar de uma narrativa em primeira pessoa, que reflete os pensamentos e as vivências de um adolescente, em um recorte temporal específico, mas me incomoda quando isso tá ali só jogado na narrativa, como um pensamento ou visão do seu personagem (o que é justificável, pois os personagens são pessoas, e pessoas podem ser horríveis), sem propor uma reflexão ou um debate mais amplo mesmo.
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