Matheus Pinatti 08/03/2019
A vida como ela é
Abaixo do Paraíso, (até aqui) penúltima obra do ótimo escritor goiano André de Leones, narra a história de Cristiano, um tarefeiro de poucos escrúpulos que percorre a região Centro-Oeste do Brasil realizando serviços sujos para políticos locais. Como nem tudo são flores, em um desses serviços algo acaba saindo diferente do planejado, e o protagonista se vê forçado a deixar as suas atividades espúrias para, ainda que momentaneamente, retornar às origens. Em Silvânia, sua cidade natal, ele revive situações há muito esquecidas ao mesmo tempo que também experimenta novas sensações.
E é a partir dessa premissa que a trama avança, ora focando na via crucis vivenciada por Cristiano, ora dando atenção às relações interpessoais do protagonista, num rodízio narrativo que acaba por conferir (ainda mais) dinâmica à história. Com efeito, o autor sabe trabalhar muito bem os temas periféricos do romance, de forma que o leitor nunca é atingido pela falta de fôlego tão comum ao gênero.
Vale dizer que, apesar da "profissão" pouco convencional de Cristiano, o protagonista lida com as trivialidades e problemas que, em maior ou menor grau, afetam cada um dos brasileiros, e a sua história, a exemplo da nossa, sai do nada para ir a lugar nenhum. A trama se limita a apresentar um breve recorte da rotina de um sujeito comum: alguém que acorda todas as manhãs tentando sobreviver por mais um dia, alguém que tenta superar os percalços da vida, ainda que para isso tenha que se render aos vícios e prazeres mundanos. Não há um momento de virada, tampouco existe aquela redenção heroica. Tudo que vemos é a vida em estado puro.
Em meio a tudo isso, André de Leones entrega uma obra bastante digna, seja pelos diálogos e/ou divagações do narrador, que variam do simplesmente agradável ao verdadeiramente delicioso, seja pela sutileza com a qual o autor trabalha os dilemas internos do anti-herói (o que não deixa de ser um ponto positivo), seja até mesmo pela ambientação da obra, que conta com descrições sempre muito detalhadas acerca dos lugares visitados por Cristiano.
No frigir dos ovos, além de um romance agradável, o que se pode ver aqui é a ascensão de um escritor brasileiro contemporâneo capaz de escrever boas histórias, o que inegavelmente (e infelizmente) está em falta no país.