Eloah Baracho 08/07/2022
Calígula
Com um protagonista submetido voluntariamente ao Imperador, Alan Massie nos mostra a frugal mente de Calígula, envolta em uma grossa casca de atitudes exageradas e uma escancarada promiscuidade. Digo submetido voluntariamente, pois a cada capítulo há a certeza de uma enorme obsessão e admiração vinda do narrador.
O que caracteriza o livro como uma biografia romanceada é a inserção de uma figura chave na fatídica história, figura essa encarregada de relatar detalhes da vida cotidiana de Gaio e de seus predecessores. Sem esse artifício seria extremamente dificultoso transmitir as minúcias romanas ao leitor, tendo em vista que o conhecimento sobre tal civilização, por grande parte das pessoas, é muito superficial. Normalmente esse conhecimento se limita às conquistas territoriais, embates bárbaros e/ou mudanças significativas na estrutura política.
De início, somos apresentados ao fim da trajetória de Augusto, já em idade avançada e com pouquíssima disposição para governar. O poder já não lhe apetecia. Tibério, filho adotivo, mostra-se apto para sucedê-lo, mesmo sendo caracterizado como uma pessoa astuta e frívola por Agripina, sua nora. Ela acreditava que Tibério conspirava contra o próprio filho, Germânico. Há uma longo trajeto de desenvolvimento da trama no que se refere à conspiração, desencadeando a morte de Germânico por envenenamento em uma expedição militar. Após o ocorrido, Agripina instaura o caos em Roma, e em um conchavo com seu filho Nero, incrimina o Imperador. Mais tarde, os dois seriam exilados. Calígula, irmão de Nero e filho de Agripina Maior é criado pela avó, Antônia.
Desde pequeno, Calígula era adorado pelos Centuriões. Vestia-se como soldado e dava ordens. Era chamado 'queridinho'. Sua inclinação pela governança ficou mais evidente em sua juventude, quando os herdeiros naturais do trono Druso e Nero faleceram. Não era sábio, mas por ser filho de Germânico, respeitável General, recebia apoio dos combatentes e da plebe romana.
Era um assíduo frequentador das termas, local onde a libertinagem era incrustada. Não havia, naquela época, qualquer definição de sexualidade ou condenação por adultério. No entanto, o relacionamento incestuoso era considerado um crime. Gaio Calígula não se importava com tais imposições. Se relacionou com sua irmã, Drusilla e não conseguia dormir sem um(a) parceiro(a) novo(a) a cada noite. Seus prazeres eram abjetos de fato, porém nada o diferenciava do padrão da dinastia júlio-claudiana.
Creio que ele, conforme os relatos de Massie, era inseguro a um nível que o transcendia, tornando a ideia de ser imperador indigerível. Por isso, passou a testar a reação dos outros com seus atos abusivos, e, por vezes, insanos. Graças a essa desconfiança, Calígula exilou suas irmãs por puro receio de ser traído e brincou de afogar seu tio, Cláudio, em um rio.
Essa obra faz parte da série senhores de Roma. É a primeira que leio e, sinceramente, sou suspeita para comentar. Gosto da atmosfera que ícones do mau comportamento trazem. Seus feitos desmontam a monotonia de algumas linhagens no decorrer da história. O autor encontrou na feição de protagonista-narrador a comodidade para desenvolver todas as facetas possíveis de um Imperador, desde a sua postura inexorável até a mais baixa inseguridade.