Craotchky 04/04/2023Du(r)as realidades"Esta é a história de Eurídice Gusmão, a mulher que poderia ter sido."
Ainda que este livro de Martha Batalha traga o nome de Eurídice no título, ao longo da narrativa a autora desenvolve tão bem os demais personagens que habitam a obra quanto sua protagonista; a cada um deles é atribuída uma história de vida que contextualiza suas situações presentes. Gostei muito dessa abordagem praticamente equitativa. Particularmente até acho que Guida é uma personagem mais interessante que sua irmã, Eurídice.
Sem dúvida o foco principal da narrativa é a representação da vida das mulheres em determinado período histórico (primeira metade do século XX), no qual elas se encontram cerceadas pelas expectativas sociais, presas à dinâmica de seu tempo e aos bons costumes estabelecidos e vigentes. As histórias dessas mulheres retratadas aqui se tornam tão mais relevantes quanto sabemos que são totalmente verossímeis à realidade. Gostei muito da narrativa: sem excessos, objetiva, crítica, até irônica em alguns momentos. O texto é bastante dinâmico também.
"Aquela gargalhada entrou por um ouvido de Eurídice. E nunca mais saiu pelo outro."
Interessante que na primeira página de resenhas deste livro (quando elencadas normalmente por ordem a partir das mais recentes) notei que exatamente todos, todos os textos são escritos por mulheres. Dentre as 25 mais recentes, todas as resenhas foram tecidas por mãos femininas. A página do livro informa uma taxa de 85% de leitoras contra 15% de leitores.
Talvez neste ponto eu seja impertinente, mas penso que essa obra de Martha Batalha não possui elementos característicos que o identifiquem como um livro "para mulheres" como parece ser o caso de obras de Jojo Meyes e Kiera Cass (A seleção atinge 97% de leitoras!). Parece a mim que A vida invisível de Eurídice Gusmão tende mais a certa universalidade, na linha de Orgulho e preconceito, na medida em que ambas se concentram em apresentar uma postura crítica quanto a papéis sociais de certa época.
Qual não foi então minha surpresa quando constatei que o consagrado livro de Austen marca ínfimos 7% de leitores contra 93% de leitoras! Claro que, presumivelmente, há mais leitoras que leitores no mundo (seria legal conhecer as estatísticas quantitativas referentes a perfis masculinos e femininos do Skoob), e isso por si só resulta em uma tendência de leitura majoritariamente feminina para qualquer livro. Ainda assim, isso não me parece suficiente pra justificar tamanha disparidade.
De minha parte há alguns anos assumi uma postura ativa na escolha de leituras na pretensão de mesclar melhor o consumo de autores e autoras. Quem observar meus lidos nos últimos anos notará uma média que fica em torno de 3/1. O consumo ainda é desequilibrado, mas significativamente melhor se comparado a anos em que eu não fazia escolhas ativamente conscientes com vistas a minimizar essa disparidade. Evidentemente é preciso considerar também que a oferta de livros escrito por homens é largamente superior a de livros escritos por mulheres (sobretudo dentre os clássicos), porém, para não estender ainda mais este texto, paro por aqui.
(Os índices percentuais apresentados durante o texto foram colhidos dia 03.04.2023)