Lê Golz 17/06/2016Quem foi torturado permanece torturadoOs afogados e os sobreviventes, uma obra relançada pela Paz & Terra (Grupo Editoral Record), é narrada por Primo Levi, um judeu italiano que foi um dos pouquíssimos sobreviventes do campo de concentração nazista Auschwitz. Essa não é a primeira obra em que o autor relata sua história, mas aqui ele traz uma reflexão sobre as reações distintas entre os prisioneiros, e ainda questiona sobre o motivo porque muitos deles não se rebelaram ou aceitaram funções em que os colocariam contra sua própria etnia.
Primo Levi foi um dos poucos, que após sobreviver, não teve medo de contar tudo que passou e revelar como era o dia a dia em Auschwitz, enquanto muitos se calaram para sempre. Dividida em capítulos, essa obra traz em cada um deles, uma reflexão acerca das memórias do autor. Um dos capítulos mais fortes é "A vergonha", em que Levi revela a reação de muitos e dele próprio diante da libertação dos prisioneiros. Quem poderia imaginar que a alegria em estar livre da opressão dos soldados da SS não era o sentimento mais constante entre os prisioneiros, mas sim a vergonha por sua condição? Esse é um dos capítulos que merece mais destaque e que me envolveu completamente.
A narrativa é densa, não nego, mas facilmente se percebe a intensidade com que Levi escreveu essa obra. As páginas são recheadas de melancolia e algumas passagens soam tão pessimistas que pode deixar o astral do leitor totalmente para baixo. Mas como poderia ser diferente? Estamos falando da Alemanha nazista e de um homem que foi preso, humilhado, subjugado apenas porque nasceu judeu. Diante disso, não passará despercebido o quanto, mesmo após 40 anos do fim da guerra, a vida e a mente de Levi ainda estava marcada pela experiência do Holocausto.
"Creio que é exatamente a esse recuo para observar a 'água perigosa' que se devem os muitos casos de suicídio após (às vezes, logo após) a libertação. (...) Inversamente, todos os historiadores dos Lager (campo de concentração), inclusive dos soviéticos, são concordes em observar que os casos de suicídio durante o cativeiro eram raros." (p. 59)
Quanto a parte física, a obra traz uma capa que faz jus ao enredo, folhas amareladas com uma ótima fonte e espaçamento. A revisão também está impecável.
O Holocausto é um pedaço da história da humanidade que já rendeu muitos livros na literatura, mas Os afogados e os sobreviventes não é só apenas mais uma obra comovente sobre o assunto, é um relato real e forte de quem sentiu na pele, literalmente, a mão nazista. Esse livro me fez pensar muito em como nem todos os sobreviventes desejaram a libertação, e sim a morte, e mesmo para aqueles que desejaram, que vida os esperava depois de passar por Auschwitz?
Como não poderia ser diferente, recomendo esse livro para quem tem grande interesse pelo assunto e gosta de obras exatamente assim, fortes, por mais que doa, e reais, que não ocultam a verdade.
"Quem foi torturado permanece torturado. (...) Quem sofreu o tormento não poderá mais ambientar-se no mundo, a miséria do aniquilamento jamais se extingue. A confiança na humanidade, já abalada pelo primeiro tapa no rosto, demolida posteriormente pela tortura, não se readquire mais." Jean Améry
site:
http://livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br/2016/06/resenha-os-afogados-e-os-sobreviventes.html