PorEssasPáginas 23/05/2016
A Cuca Recomenda: Às vezes eu ouço minha voz em silêncio - Por Essas Páginas
Já fazia algum tempo que tinha baixado esse livro de contos da Priscilla Matsumoto. Ela é a autora do romance Ball Jointed Alice – Uma história de amor e morte (que ainda não li, mas pretendo; há uma ótima resenha dele no Livros de Fantasia) e de vários contos, entre eles, alguns que já li e resenhei por aqui como Biscoito, Girassol e Peixe (resenha no blog) e Autonomia (resenha no blog), duas obras brilhantes que aliás também se encontram em Às vezes eu ouço minha voz em silêncio, uma reunião sensível, deliciosa e imperdível de várias histórias da autora.
Às vezes eu ouço minha voz em silêncio é, antes de tudo, uma coletânea de histórias sobre mulheres. Mulheres que encontram sua própria voz, que falam por si mesmas – talvez pela primeira vez -, mulheres que sussurram quando precisam gritar. Mulheres tão diferentes na maior parte do tempo, outras vezes tão parecidas entre si. Cada conto traz uma nova voz que penetra no íntimo do leitor, às vezes sensibilizando, às vezes machucando, sempre deixando uma marca. Tudo isso pontuado pela belíssima escrita de Priscilla Matsumoto. As ligações entre as palavras que Priscilla utiliza tecem frases e construções literárias que saltam aos olhos. A habilidade da autora é de impressionar.
“Desejou que seu coração fosse como um filtro de sonhos: retendo e expulsando a negatividade, deixando entrar a energia positiva.” Do conto “Amor Fati”
“Amor Fati” foi um dos meus contos favoritos. Ele é o exemplo perfeito de como Priscilla utiliza a fantasia como uma metáfora para abordar assuntos delicados e importantes como abuso, pedofilia, sexismo, depressão, sexualidade, homossexualidade, transsexualidade, violência, morte… Assuntos que fazem parte da vida das pessoas, e especialmente das mulheres, mas que ainda são tabu, apesar de sua discussão ser tão essencial. Com uma sensibilidade impressionante, a autora mexe em todas as feridas, torce e retorce, sangra, num quadro de magnífica beleza tecido em palavras.
Em “A Raiz Cardíaca“, Priscilla flerta com o horror em um conto sobre o pavor que só as mulheres compreendem de caminharem sozinhas à noite e, por fim, sobre estupro. O recurso que a autora se utiliza, da batata-doce, uma hortaliça florescendo no lugar do coração, é de arrepiar. O final é poderoso. Um dos melhores contos que já li na vida.
“Planejava deixá-lo amanhã. Mas as coisas foram me deixando hoje primeiro. Nunca consigo dar cabo dos meus planos. A minha mente é teimosa e se esconde de mim, da mesma forma que ele.” Do conto “Dois Espíritos”
Às vezes eu ouço minha voz em silêncio é uma coletânea de contos em vozes femininas, intensas, melancólicas e sensíveis, que demonstram a inegável habilidade de Priscilla Matsumoto em tecer histórias marcantes, cada uma especial a seu próprio modo. Gostaria de comentar todas, mas seria injusto deixar aqui minhas impressões quando esse é um livro que deve ser sentido por cada pessoa de uma forma diferente. Não existem dois leitores iguais, duas visões de mundo que sejam um espelho da outra. Até mesmo um espelho mostra uma imagem diferente da realidade, portanto não existem duas leituras iguais de uma mesma história. No caso dos contos de Às vezes eu ouço minha voz em silêncio, cada leitor terá uma visão diferente de cada história, assim como cada um terá seus contos favoritos. Sugiro que leiam, apreciem e reflitam com cada um deles. A Cuca definitivamente recomenda.
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