Pandora 18/01/2023Vássia é um garoto solitário. Ele vive numa cidadezinha onde seu pai é juiz e, desde que sua mãe morreu, quando ele tinha seis anos, vive sem regras, mas também sem carinho e amor. Sobre a relação com seu pai ele diz:
“Ele a amava demais e era tão feliz enquanto ela estava viva que nem reparava em mim. E agora o que nos separava era o seu pesar.” - pág. 62.
Sem ter quem se importe com ele, passa grande parte do dia fora de casa, sozinho ou com os amigos e passa a ser chamado na cidade de vagabundo e menino de rua. Até com a irmã menor, que adora, não consegue mais se relacionar direito, pois a babá reprime qualquer contato ou brincadeira entre os dois. Então, ele passa a ser um observador do que se passa ao seu redor, mais especificamente, da vida dos marginalizados que vivem nas imediações da vila onde mora.
É com dois irmãos que fazem parte dessa trupe de enjeitados, um menino de nove e uma menina de quatro anos, que ele desenvolve uma relação de amizade. E é através deles também, que acaba sabendo que seu pai é admirado por esse grupo, que é tido como um juiz justo e defensor dos pobres.
Nesta pequena novela vemos que, infelizmente, algumas coisas não mudaram porque são inerentes ao ser humano; que mesmo os pobres pisam naqueles que consideram mais pobres… que há pessoas que se aproveitam da fraqueza de seus semelhantes para humilhá-los e divertir-se às custas destes; mas também são inerentes ao ser humano a compaixão e a solidariedade; que há os que desde cedo percebem e se incomodam com as desigualdades sociais.
Na sua solidão, Vássia tem a oportunidade de aproximar-se de uma realidade muito diferente da sua e colaborar materialmente com o que ele tem de sobra e os marginalizados necessitam, mas estes, por sua vez, lhe dão uma acolhida e o carinho que ele não tem em casa e também necessita.
Como é mesmo que se diz?: “Ninguém é tão pobre que não possa dar, nem tão rico, que não possa receber”.
A narrativa é uma pequena amostra da filosofia de vida de Korolenko, um ativista dos direitos humanos, um homem preocupado com seus semelhantes, que acreditava “que o escritor tem o dever sagrado de ser a consciência e a voz do seu povo”. [1]
“Ele sempre se sentia agudamente responsável pela injustiça social.“ [2]
É um texto curto, mas de grande potência, ao mesmo tempo realista e lírico. Àqueles, que, como o autor, não são indiferentes às mazelas humanas, não ficarão indiferentes à esta narrativa.
[1] [2] Elena Vássina, no prefácio desta edição.