Camille.Pezzino 01/03/2017
Do Pseudo-feminismo ao Falso Empoderamento carregado com um pouco de Preconceito
[CONTÉM SPOILER]
Eu particularmente gostaria de fazer resenhas de livros que somente me agradassem muito. Ninguém quer ler um livro ou dois e chegar à conclusão de que o tempo consumido poderia ser utilizado para outra obra. Eu não vou falar coisas agradáveis nessa resenha e isso me magoa muito, embora a trama tenha pontos criativos e positivos – que foram esmagados por uma parcela de problemas intratáveis.
Colocar em tópicos talvez seja uma solução melhor para falar dos problemas que existem nessa história. Aliás, li diversas resenhas (tentando convencer a mim mesma de que havia algo melhor que eu não consegui ver) e percebo como algumas pessoas não perceberam os problemas dessa trama (mesmo que tivessem se revoltado) e as pessoas que amaram e literalmente ignoraram diversos detalhes. Além de, claro, aceitarem tão pouco de uma história que poderia ser tão rica.
Pseudo-Feminismo: Essa é uma história que trabalha romance, li – antes de começar o livro – que não era, mas inegavelmente o prato principal do primeiro livro e o desenrolar do segundo – embora pareça ser de fundo poucas vezes – é o romance. Poderia estar lendo um livro da Julia Quinn com fantasia, foi uma das primeiras coisas que me passou pela cabeça com o primeiro livro. No entanto, diferente da Julia, eu não encontrei na história da Sarah uma coisa essencial: ela não tem opiniões próprias. Feyre, em raras exceções, pensa. Ela é uma personagem esperta em situações de risco com sua própria vida desde o primeiro livro, mas para formadora de opiniões está longe de ser alguém cujo deve se ter respeito porque ela simplesmente acredita nos formadores de opinião antes de pensar por si mesma, ou seja, seus parceiros. A maior prova disso é a forma como ela interage, pensa diante de seus dois parceiros. No primeiro livro, Rhys é o alvo de seu ódio e de sua raiva desmedidos sem de fato uma razão concreta e, no segundo, vemos isso dirigido a Tamlin (muito embora haja o motivo da quebra e do rompimento quase mental, no decorrer da trama, ela o transforma em um monstro). Os problemas dos dois personagens, as fraquezas e as ações só são avaliados de acordo com o homem que ela está se relacionando, um de cada vez. Falarei mais sobre isso.
Falso Empoderamento: A autora fez algo que me deixou desgostosa, de verdade. O fato dela ganhar poderes sobrenaturais não a EMPODERA. Dar poderes a ela ou colocá-la em frente do campo de batalha não faz com que ela seja empoderada! Ela faz como se dar poderes a personagem transformasse ela em alguém incrível, mas não faz. Isso é horrível. Uma pessoa empoderada é aquela capaz de discernir a si mesma e as pessoas a sua volta, tendo opiniões próprias e duvidando do que lhe cerca e apreendendo as informações para que tenha ideias melhores (um exemplo do que ela faz, por exemplo, sempre que Feyre chega a um lugar estranho, avalia o ambiente e busca as possíveis soluções e saídas. Mas ela não faz isso no meio político, no meio de interação entre os outros personagens e isso é doloroso de se ver porque a autora tenta fazer que a esperteza dela como caçadora fosse justificativa para ela como mulher que pensa, ela só é um literal animal acuado que tenta sempre achar uma salvação própria – nada mais e nada menos). No decorrer disso, tem ideias brilhantes como a armadilha no primeiro livro, mas vemos as limitações grotescas da personagem com o enigma, por exemplo. Além disso, fazê-la lutar nos campos feéricos no segundo livro em contraste com o primeiro para justificar seu crescimento não faz qualquer sentido porque ela já lutava e caçava como humana (como mostra no primeiro) e me parece diversas vezes que a autora tenta justificar algum crescimento colocando-a no campo de batalha.
Má construção dos personagens: A autora faz contraste muito bem nas relações de amizade durante a história, como temos a Ianthe e a Mor (e é um ponto positivo o carisma dos personagens secundários, por sinal – além de isso se dever ao fato de que Ianthe é alguém realmente desprezível e Mor não). No entanto, se formos para os laços românticos, não funciona da mesma maneira. Por isso, algumas informações se tornam inverossímeis. Vou falar dos três personagens envolvidos.
Tamlin: Como um personagem apaixonado, que desiste de tudo no primeiro livro pela segurança dela (seu povo e a si mesmo), que faz de tudo para recuperá-la no segundo (mesmo longe de nossas vistas), que está traumatizado com a morte dela é incapaz de acalentá-la durante a noite? De tentar apoiá-la em seus pesadelos? Não existe motivo ou justificativa para isso. Ver a pessoa que ama definhar e não fazer nada para impedir como é retratado na trama se torna incompreensível (ainda mais em comparação a imagem do personagem no primeiro livro). Um exemplo de situação semelhante é em Jogos Vorazes. A situação de Peeta e Katniss é absolutamente semelhante, eles passaram por traumas por culpa de um mesmo indivíduo, ambos tinham pesadelos e o que ocorreu foi uni-los pelas dores durante a noite, nessa história, para causar o romance com o segundo personagem, tudo vira às avessas do que a lógica ou até a personalidade fraca de Tamlin (que não faria metade do que fez no decorrer desse segundo volume) que faz de tudo por ela, prediz. O fato dele entrar em negação depois de todo sacrifício que fez de si e dos outros poderia realmente acontecer, mas não da forma que foi retratada durante a história, justamente por TODOS os sacrifícios que ele fez em prol do seu amor por ela (ainda mais se aliar ao vilão que tanto desgostava). O fato da morte dela torná-lo superprotetor faz total sentido e bato palmas para a autora por colocar isso em prática, mas não confortá-la foge do estereótipo montado em cima do personagem e torna isso tudo um grande erro de execução.
Rhys: O ponto da retaliação do relacionamento de Tamlin com a Feyre é o Rhys. A autora fez de tudo para que ficássemos do lado dele nessa trama em oposição a primeira imagem que ele passa. No entanto, não precisava mesmo disso. Rhys é um personagem forte, maravilhoso e incrível desde o primeiro livro e isso é visível nas atitudes dele, sendo suas ações absolutamente óbvias (para qualquer ser pensante e, mais uma vez, entro aqui com as opiniões formadas a partir da ideia de outros, sem conseguir pensar por si mesma), o que tornava irritante e incompreensível o tratamento da personagem para com ele no primeiro volume. Ele fez algumas coisas desagradáveis como o segundo encontro dos dois, mas não foi o mesmo no primeiro encontro e nem nos que se seguiram. Ele realmente não precisava disso, como não precisava de cada ação justificada no segundo volume.
O pior problema do livro – o que o tornou não só intragável mas também enojador – que me fez chegar à conclusão desse segundo livro com muita, muita dificuldade foi a protagonista e seus “pensamentos”.
Feyre: a personalidade de Feyre, suas culpas e remorsos são TOTALMENTE SELECIONADOS. 1º: ela sente culpa por matar os dois inocentes em Sob a Montanha, mas esqueceu completamente da primeira morte feérica que comete, que é Andreas. Andreas só é comentado nesse livro para julgar Tamlin de enviá-lo para morte (coisa que mal e porcamente ela faz no primeiro livro, julgá-lo por esse ato). Ela nem sequer mais pensa ou parece culpar a si mesma por essa morte, mas entra em delírio pelas outras. 2º: Diz ela que não podia ter felicidade por conta das vidas que tirou, mas isso só se relaciona a Tamlin e não, a Rhys. Mesmo que o sacrifício tenha sido em nome do “amor” que ela sentia pelo primeiro, qual sentido isso faz se o problema foi que ELA MATOU, então era a FELICIDADE dela. Quer dizer que Rhys não é a felicidade dela de fato ou que é uma péssima construção de pensamento contraditória? 3º: Não sei se é esse ou outro que falarei para frente como o pior apresentado por Freyre, mas um dos piores e intragáveis problemas dela é a BURRICE (não no sentido de esperteza, mas de inteligência mesmo) ou VER O QUE QUER NA HORA QUE QUER. Além do fato do enigma do primeiro livro ser ABSOLUTAMENTE ÓBVIO (entendo que ela não queria estragar as provas, então, fez a personagem não descobrir, ao menos, poderia ser algo mais complicado), a autora faz algo extremamente preconceituoso: justifica a BURRICE dela com o ANALFABETISMO. Ela faz com que o leitor pense – não uma, nem duas – que ANALFABETISMO seja SINÔNIMO de BURRICE, o que é um preconceito absurdo dentro da história. Ela realmente é burra, mas não por ser analfabeta como é tachado de tempo em tempo. Isso de fato, esse preconceito, só se torna palpável e real quando ela aprende a ler e PARA de dizer que é burra. Para de questionar seu intelecto (porque é a única coisa que ela parece questionar mesmo, com razão). 4º: A forma como ela não vê as intenções óbvias de Rhys e o destrata horrores durante não somente o primeiro, mas o segundo volume, são incômodas. Como alguém quer vê-la com Rhys pelo tratamento que Tam dá a ela, se ela mesma tratou mal Rhys diversas vezes? Não é porque a narrativa é em primeira pessoa que o leitor deve ser cegado pela protagonista, querer o Rhys com ela pela forma que Tam a trata se torna hipócrita. E a autora fazer isso, também a faz. 5º: Não posicionamento. Nunca. Se. Posiciona. Sem. Intermédio. Dos. Outros. Ela só se posicionou, para não dizer “nunca” na relação com Tam duas vezes: no momento de ajudar a fada da água (por seus traumas) e momentos antes que ele a tranca (por estar entrando em colapso). Não há justificativa para o que ele faz, mas é entendível no contexto apresentado pelo PRIMEIRO LIVRO. Ela o acostumou aquela situação de protegê-la durante 95% da outra história (com exceção de Sob a Montanha). Ele a colocava debaixo das asas dele e ela aceitava de bom grado, o que a mesma admite nesse segundo volume. Como ela quer que ele simplesmente desperte para essa mudança de posicionamento sem um verdadeiro diálogo? Pedir para sair não era algo que ele ia entender, ela deveria ter sentado, conversado e explicado, mas ela só fala “quero sair, quero sair, quero sair”. Nós estamos na mente dela e vemos o quanto isso a deteriora e o quanto isso a incomoda e o que isso está fazendo, mas quem está de fora – o que é uma desvantagem de Tam em relação a Rhys – não tem bola de cristal. Poderia muito bem, toda aquela dor, ser efeito pós-montanha. Como o cara ia saber se não tivesse na cabeça dela? Ele colocou tanto a segurança dela acima de tudo que o “quero sair” dela não era nada além de “quero sair”. A maior mostra disso é a cena que eles falam e ele simplesmente destrói todo o escritório, tão quanto ela, ele está perturbado e cansado. Se bobear, mais. Lucien seria o elo de ajuda nesse caso, mas a única coisa que ele questiona de fato é o ato de treiná-la e só. E, aos olhos da protagonista, só conseguimos ver o superficial disso tudo. O que ele faz é tentar ocultar os problemas para mantê-la bem, o que tem de fato o efeito oposto. O ocultamento da verdade é problemático, mas o quanto a pressão contínua, principalmente dele não querendo ser Grão-Senhor, também não é? Em nenhum momento a personagem – que era tão apaixonada, que morre por ele – tenta olhar para esse ponto, só tenta justificar na medida das palavras do que Tamlin fala. Ela não pensa por si outra vez. Além dos problemáticos casos com Tamlin, como ela se posiciona muita das vezes é complicado porque ELA SIMPLESMENTE ACEITA TUDO COMO VERDADE ABSOLUTA. Em NENHUMA PASSAGEM ela questiona intenções POR SI MESMA. Em. NENHUMA. Ela só questiona se induzirem nela o questionamento, como Rhys fez em relação a Tamlin e outros personagens, por exemplo. O melhor exemplo disso é a situação com Tarquin. A mente dela diz – não uma e nem duas – para NÃO ROUBAR. Não roube, peça, peça. O que ela faz, no entanto? OBEDECE MAIS UMA VEZ AO QUE O MACHO QUER. DE NOVO!
Agora, falarei separado do 6º problema: A HIPOCRISIA incurável. Ela, ao estar com Tamlin, não julga nada. Não julga o fato dele mandar amigos para morrer para cumprir a maldição, não julga seus momentos de fraqueza, nem seus rompantes. No entanto, julga as atitudes de Rhys, julga não só o jeito de agir, mas o sacrifício que ele faz de todas as cidades pela sua. Ao estar com Rhys, ela faz o total inverso. Ela não julga o desejo de Rhys de manipular e de roubar depois que está com ele, não julga e não questiona qualquer atitude que ele toma, mas julga Tamlin por cada mínima ação. E esse julgamento contínuo que ela faz é o que de – levando a comparação a Bela e a Fera em consideração – Tamlin sair de Fera e virar Gaston (porque até parece mesmo no segundo livro que Tamlin pensa só em si mesmo, não é verdade? O que contraria totalmente o primeiro livro). Agora, vem a pior parte, A TÃO JULGADORA Feyre julga a todos, mas ao fazer consigo mesmo, faz de maneira PATÉTICA. Ela se “julga” diversas vezes como assassina, mentirosa, ladra e traidora (coisas de fato que ela É), no entanto, a autora a coloca não só justificando – a partir dela ou de outros personagens – como faz com que ela se lamente metade da história e tente causar comoção no leitor. Feyre faz tudo que faz de maneira LÚCIDA. Ela mata sabendo das consequências, ela rouba sabendo o que iria acontecer, ela trai sabendo, sabendo, sabendo das consequências e depois de LAMENTA por elas de forma que torna além de nojento, muitas partes do livro, enfadonho.
Parceria: esqueci de comentar esse fato antes, mas ele me incomodou muito. Pelo que pareceu no livro, somente o HOMEM é capaz de reconhecer na mulher a parceria, a mulher não reconhece. Por quê? Vemos isso com Rhys e com Lucian. Por quê? O que a PARCERIA deveria trazer é mutualidade e não vemos isso na trama em nenhuma parte, vemos Rhys se apaixonando antes mesmo de conhecê-la (afinal, só assim para justificar os sentimentos dele mesmo). Essa parceria lembra muito o “Imprinting” de Crepúsculo, uma tentativa de justificar porque um cara incrível vai se apaixonar pela protagonista, o que me irrita porque amor se faz por parceria, conhecimento e não é o que acontece nessa história. Além dessa representação machista de que o homem consegue ver a sua parceira, também tem a cena de que ELA ALIMENTA O MACHO para aceitar a parceria como uma bela dona de casa. Não que seja ruim ser uma dona de casa, mas a parceria só se faz quando você serve seu macho? Independente de como a personagem faz, que é esquentar a comida porque não sabe cozinhar, não muda o fato de que é retrógrado.
A escrita da autora não é ruim. Li em algumas resenhas que era poética, maravilhosa, até em comentários pela internet e confesso que achei absurdo (claro, falando a partir de uma tradução e não, do texto original). Como as pessoas se contentam com tão pouco? As metáforas são escassas, as figuras de linguagem porcamente usadas. Ela é boa, mas nada além disso – e foge e muito do que significa poético. O universo que ela criou é de fato extremamente interessante, os personagens secundários muito mais envolventes e intrigantes que a protagonista (por exemplo, se a trama se passasse na mente de Netsha, talvez fosse mil vezes melhor), porém acaba aí.
A autora enfiou três cenas de sexo desnecessárias só para preencher páginas e trazer uma possível interação do casal que diz menos do que qualquer outra coisa, traz hábitos machistas como o PARCEIRO ser aquele que é servido, aquele que sabe. Vendo o quão problemática e irritante é a protagonista – na formação estrutural mal feita e até no próprio caráter – a narrativa em primeira pessoa que não é ruim vai se tornando aos poucos intragável, insuportável. E, por fim, na sociedade como a nossa voltada para o romance, faz com que desejemos ser personagens porque TODO MUNDO ENCONTRA SEU PAR ROMÂNTICO NO FINAL. Aliás, as irmãs dela se transformarem em fadas, o que isso tem demais para fazer parte do clímax da história? Além do final ser mais fraco do que todo o enredo/história de provas do livro, não tem nada de surpreendente. Nem o fato de ela querer trocar o Tamlin pelo Rhys – coisa que quis desde o primeiro livro (mas não do jeito apresentado).
Ainda há mais uma última coisa: a vitória da vilã do primeiro livro em relação ao segundo livro. O sacrifício por “amor” perde seu total significado, o sacrifício por “amor” era a prova dos sentimentos dela. Ninguém. NINGUÉM morre daquela forma por alguém que não ama, mas que amor é esse que se definha tão rápido? Que entra em colapso tão rápido? Que não traz um consolo durante a noite? Ela morreu para não dizer que “não o amo” por amá-lo ou, pelo que parece, para provocar Amarantha? Torna-se INVEROSSÍMIL. E, além disso, perde o significado da existência do primeiro livro. Para que ele existe se ele é completamente - as lições possíveis por trás – todas desgastadas durante o segundo volume? Se fossem duas personagens, duas histórias separadas dentro do mesmo universo talvez, e ressalto esse TALVEZ, desse para engolir o que foi construído e como foi (o que não dou certeza nenhuma disso). Não tem nada que, depois desse volume, faça a mim querer ler qualquer outro livro com um desenvolvimento tão parco, desgastantes, que tenta criar uma história de relação abusiva com uma péssima construção de personagens e não, com uma verdade história problemática em relação a isso. Realmente, não deu mesmo para engolir.
PS: Muitas pessoas falaram mal do Rhys por não gostarem do novo casal, como se ele não fosse o que foi apresentado no segundo volume. No entanto, ele sempre foi desse jeito. Muito embora eu tenha ficado desgostosa por ter que explicar cada mínima ação dele – por ser desnecessário.