Prosas Apatridas

Prosas Apatridas Julio Ramon Ribeyro




Resenhas - Prosas Apatridas


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jota 18/07/2020

Minha avaliação: 4,7/5,0 - ÓTIMO (pequenos textos para serem lidos e relidos sempre com prazer)


Desconhecia completamente Julio Ramon Ribeyro (1929-1994), que escreveu esses duzentos pequenos (e primorosos) textos. Mês passado o leitor Ygor Gouvêa (aqui mesmo do Skoob, através de sua resenha para Só Para Fumantes, Cosac Naify, 2007) chamou minha atenção para a obra do autor peruano e decidi então ler Prosas Apátridas, citado depois por ele mesmo e outros leitores. Não me arrependi em momento algum, pelo contrário. Além dos ótimos textos, alguns com cinco linhas, outros tomando no máximo pouco mais de uma página, Prosas Apátridas traz como apresentação (ou esclarecimento) Nota do Autor (escrita em Paris, em 1982) e no final temos o interessante posfácio escrito por Paulo Roberto Pires – 200 princípios de liberdade.

JRR esclarece que esses pequenos textos não encontravam lugar em seus livros e também não se encaixavam plenamente em nenhum gênero literário específico. Em suas palavras: “(...) não são poemas em prosa, nem páginas de um diário, nem anotações destinadas a um desenvolvimento posterior (...).” Daí que os juntou neste volume tomando por base Le Spleen de Paris, de Baudelaire, livro que como o dele, pode ser lido pelo começo, pelo meio ou pelo fim, não importa por onde. O posfácio de Pires traz um pouco da vida e da atividade literária de JRR (ofuscado em parte pelo conterrâneo mais famoso, Mario Vargas Llosa) e ressalta que Prosas Apátridas levou mais de quarenta anos para que fosse apresentado aos leitores brasileiros (edição Rocco é de 2016). Bem, antes tarde do que nunca...

Pires chama os textos de JRR de fragmentos (que não têm nome, são apenas numerados, de 1 a 200) e lembra que muitos deles têm como cenários duas cidades que marcaram momentos especiais na vida do autor: Paris, cidade do exílio (ele viveu cerca de vinte anos na capital francesa) e Lima, sua cidade natal. Um trecho destacado por Pires, do fragmento 136: “Tanto Paris como Lima não são para mim objetos de contemplação e sim conquistas da minha experiência. Estão dentro de mim, como meus pulmões ou meu pâncreas, sobre os quais não tenho a menor apreciação estética. Só posso dizer que me pertencem.” De certo modo é o que acontece com todo mundo que passa por experiências como a de JRR, mas somente um autor inspirado como ele soube colocar tão bem em palavras o que lhe ia por dentro.

Humor, melancolia, reflexão, lembranças... E Pires prossegue citando trechos de outros fragmentos que permitem ao leitor conhecer melhor não apenas o homem, também sua literatura, para a qual não economiza elogios, coloca-a lá no céu. Para ele os textos de JRR “são um admirável exemplo da força e do desconcerto do fragmento literário, no fio da navalha entre a anotação solta, despretensiosa, e a meditada, porém oculta, arquitetura das constelações.” É isso mesmo, tudo parece tão simples numa leitura rápida, mas se pararmos para refletir e relermos os textos com mais atenção, não temos como discordar da observação de Pires: eles são primorosos. Neles JRR fala sobre uma porção de coisas: livros, literatura, música, filosofia, família, mulheres, pessoas, coisas, objetos, memória etc. Enfim, sobre todas as coisas. Apreciei especialmente este trecho do fragmento 2: “A dúvida, que é a marca da inteligência, é também a tara mais execrável do meu caráter. Ela me fez ver e não ver, agir e não agir, impediu em mim a formação de convicções duradouras, matou até mesmo a paixão e, no fim das contas, me deu do mundo a imagem de um redemoinho onde se afogam os fantasmas dos dias, sem deixar outra coisa além de fragmentos de acontecimentos loucos e gesticulações sem causa nem finalidade.” Mas há muito mais para se ler e pensar sobre, claro.

Bem, para finalizar tenho que dizer que mesmo não se concordando com tudo o que JRR escreveu, ou não se apreciando todos os textos por igual, se com a passagem do tempo Paris ganhou ou perdeu algo daquilo como nos foi apresentada por ele, não se pode deixar de dar 5 estrelas para o livro. Este é daqueles volumes que você pode ler a partir de qualquer página, como já foi dito, mas sobretudo pode ser relido: quando se chega ao final da leitura pode-se voltar ao início, ao fragmento 1 e começar tudo de novo (a não ser que você tenha uma memória fabulosa e se lembre de tudo, o que é bastante difícil). Ou relê-lo daqui a algum tempo. Numa situação ou noutra será sempre prazeroso ter em mãos este pequeno grande livro.

Lido entre 01 e 13/07/2020.
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