Karini.Couto 06/06/2016Assim que vi o anúncio desse livro fiquei muito curiosa; me interesso sempre por assuntos que envolvem comportamento, saúde mental e trata de questões familiares, mesmo na ficção esses assuntos sempre agregam bastante ao nosso dia a dia, tendo um conteúdo que muitas vezes surpreendem como aconteceu com "Quando Finalmente Voltará a Ser Como Nunca Foi".
"MEU PRIMEIRO MORTO FOI UM APOSENTADO.
Bem antes que um acidente, uma doença e a senilidade levassem as pessoas queridas e mais próximas da minha família; bem antes que eu fosse obrigado a aceitar que meu próprio irmão, meu pai jovem demais, meus avós e até mesmo minha cadela, companheira de infância, não eram imortais; e bem antes de eu manter um diálogo constante - tão alegre, tão desesperado - com meus mortos, certa manhã, encontrei um aposentado morto."
Neste volume conheceremos Joachim, um menino com uma família que aparentemente seria normal, mas que vista mais de perto e com olhos mais atentos possuem suas "estranhezas" e somado a isso o pai de Joachim é diretor de um hospital psiquiátrico, tendo o menino então convivido em uma linha tênue sobre o que é loucura e o que é normal.
A história começa com Joachim em seu aniversário de sete anos (o mais esperado), já que aos sete ele teria certa autonomia para fazer coisas sozinho e não mais na companhia do irmão ou mãe; ao ganhar essa autonomia o menino passou a perceber fatos que antes lhe passavam despercebidos e mesmo tendo prometido cumprir certas regras desvia caminhos e explora com mais atenção as coisas. E foi assim que encontrou um homem morto e anunciou com a maior naturalidade aos colegas de classe e sua pedagoga.
"Contudo, o fato de que, nos dias seguintes, nenhum policial tenha batido à minha porta, de que eu não tenha ido parar nos jornais - eu imaginava uma foto grande, na qual eu apareceria sério, apontando com o dedo o local da descoberta - e de que não houvesse nenhuma recompensa para quem encontrasse gente morta me deixou um bom tempo magoado."
Para Joachim achar um morto era um passo para algo maior, algo grande e algo só dele! A cada momento que ele contava a história para as pessoas aprimorava o que viu, criando fatos que fossem agradar aqueles que estavam escutando. Tendo em vista talvez, ser visto, percebido com certa importância.
A reação do menino e maneira como ele anuncia tal fato, assim como a maneira como ele se sente, já é bem peculiar e aos poucos vamos tendo vislumbres de sua infância e de pacientes do hospital, em uma narrativa que traz ao leitor clareza sobre o ponto de vista de Joachim e suas percepções bem como a forma que vê o mundo, sua família e a si mesmo.
A história é intrínseca e recheada de sentimentos que nos atingem em cheio; hora nos mostrando a familiaridade com que Joachim percebia o mundo imerso em loucuras ao seu redor, chegando até a fazer parte do quadro com seus acessos de ira e nos mostrando detalhes de pacientes e situações, inclusive de sua própria família, até o momento em que ele vai crescendo e desejando cada vez mais o mundo que está fora dos tijolos da instituição e uma vida normal; tomando certo asco por aquilo que antes lhe era comum e interessante, como os inúmeros e conhecidos pacientes da instituição. E então a falta que tudo aquilo um dia iria fazer quando as "estações" passassem e tudo não tivesse mais a familiaridade de antes.. O cheiro de casa, os insanos momentos em família, entre outros.
Os assuntos abordados por sua família durante refeições ou reuniões sempre eram coisas do tipo doenças mentais, passeando por piadas sobre pepinos e ovos (quem ler/leu o livro irá entender). A família jogava um jogo aos domingos, chamado "A Superfamília", onde cada membro da família tinha uma especialidade e nesses jogos ficava claro a esperteza ou inteligência de seus irmãos e o quanto ele era "apenas um menino ignorante" que o pai acabava protegendo dando um ponto pela tentativa e irritando seus irmãos que insistiam que não se tratava de um jogo de adivinhação e sim conhecimento e depois de algumas implicâncias por parte dos irmãos, ele irrompe em um acesso de raiva absurdo, que seu pai apenas observa normalmente. Toda a família parece bastante palpável dando um toque real com seus problemas, anseios e sentimentos e a forma como a história nos é apresentada nos faz inclusive perceber os sentimentos com mais facilidade, como se fosse real.
"..Na nossa casa, nunca uma lâmina afiada passara pela manteiga, nunca os pimentões tiveram cortes perfeitos, nem o queijo, uma quina lisa. Tudo era rasgado e desfiado. Qual a razão disso? A instabilidade imprevisível da minha mãe, que eventualmente levava a imprudências? A estranha sensibilidade do meu pai a lâminas reluzentes, que se revelara pela primeira vez naquele momento? Meus acessos indomáveis de ira? Será que a falta de facas afiadas era uma prevenção apropriada ou apenas, como eu sempre acreditara, puro desleixo, uma negligência sem importância?"
O autor nos mostra de uma maneira completamente interessante e dinâmica de como funciona essa família em meio a toda loucura e até mesmo mostra a loucura presente em cada um deles.. É como o ditado: ".. de médico e louco, cada um tem um pouco.."
A história é incrível e me fisgou completamente!
Sua família sempre esteve unida e ao mesmo tempo distante em seus mundos particulares e conforme os anos passam e as coisas acontecem, percebemos o quanto situações diversas podem unir ou desunir e criar novas perspectivas.
".. encontrei meus pais dormindo juntos em uma cama. Meu pai tinha colocado o braço ao redor da minha mãe. A cabeça dela estava deitada em seu peito.Nunca os tinha visto tão juntos, tão próximos.
Sentei-me na beira da cama e fiquei olhando os dois. "Que estranho", pensei, "estes são seus pais. Seus pais dormindo. Você sempre teve só um pai e uma mãe, mas nunca pais."...
Foi o momento mais bonito da minha vida junto com meus pais."