Maria - Blog Pétalas de Liberdade 24/06/2016Resenha para o blog Pétalas de Liberdade (acesse para ver conteúdo extra) A Sara Gruen é autora de "Água para elefantes", um livro que quero muito ler, de forma que quando vi seu novo livro, "À margem do lago", entre os lançamentos do mês do Grupo Editorial Record (parceiro do blog), fui correndo solicitá-lo para resenha, e depois de finalizar a leitura percebo que foi uma decisão acertada!
O livro é narrado por Maddie e se passa em 1945, ano em que a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. Maddie era de uma família rica, mas desestruturada, sendo solitária até conhecer os amigos Hank e Ellis, formando um trio inseparável. Maddie se casou com Ellis, contra a vontade dos pais dele que não a consideravam a altura do filho pelo seu histórico familiar. Não é dito no livro, mas presumo que o trio estivesse entre os vinte e trinta anos de idade. A vida deles era na farra, até que em uma festa eles passaram do ponto e Ellis falou demais, ofendendo seu pai que resolveu expulsá-lo de casa. As declarações de um bêbado Ellis não foram o único motivo, o fato de o pai sentir vergonha do filho por ele não ter sido aceito pelo exército para combater na guerra era o motivo principal, já que o pai havia feito carreira na vida militar e, na época, só os homens com algum problema físico não estavam sendo recrutados. Ellis não foi aceito por ser daltônico, até então sua incapacidade de diferenciar as cores verde e vermelha não havia afetado a sua vida, mas o impediram de ir para o exército.
"Minha vida consistia em acordar ao meio-dia, encontrar Hank e Ellis e depois saltar de um drinque matutino para um coquetel pré-festa, para uma bebidinha antes de dormir, passando as noites inteiras em festas ou jantares de gala... só para recomeçar tudo de novo no dia seguinte. Era uma vida cheia de armadilhas luxuosas e bolhas cintilantes que me cegara para o fato de que nada daquilo era real." (página 170)
Agora Ellis precisava encontrar uma forma de ser aceito novamente pelo pai, ou poderia dar adeus ao dinheiro e aos luxos que tinha (ele não trabalhava e dependia de uma mesada para viver). Hank acreditava que a única maneira de Ellis voltar a ser respeitado pelo pai seria realizar algo que seu pai tinha falhado em fazer anos antes: conseguir provar a existência do Monstro do Lago Ness. A ideia poderia parecer perigosa e absurda, mas na falta de outra melhor, Hank, Ellis e Maddie partiram num navio cargueiro rumo à Escócia, no meio de uma guerra, e essa viagem mudaria a vida de Maddie para sempre.
"Nós iríamos para a Escócia, era a nossa única opção, e só voltaríamos a pôr os pés neste continente depois que Ellis encontrasse o monstro que o coronel falsificara." (página 55)
Na Escócia, Maddie passou a compreender a guerra com mais precisão, não era só mais um assunto a ser debatido em jantares luxuosos, eram combatentes morrendo, eram pessoas perdendo seus entes queridos. E naquela hospedaria simples, sem luz elétrica, onde estava hospedada, Maddie finalmente se encontraria, encontraria amigos e perceberia o quanto sua vida havia sido vazia até então, e ela tentaria retomar as rédeas de sua existência, mas isso poderia ser perigoso. Será que ela realmente conhecia o homem com quem se casou? Seria verdadeira a amizade do trio ou ela seria deixada de lado na primeira oportunidade? A guerra chegaria até eles?
"À margem do lago" foi um livro que eu gostei muito. A narrativa da autora me cativou de uma tal forma que, quando eu pegava o livo, era como se houvesse uma porta e eu precisasse simplesmente abri-la para entrar no cenário criado pela Sara e estar com seus personagens. Se eu tivesse escrito um livro, queria ter conseguido criar personagens tão reais e vivos quanto os criados pela Sara! É uma daquelas obras onde a gente quer ler só mais um pouquinho para descobrir o que virá a seguir, descobrir se os temores da Maddie tem fundamento e o que ela fará em seguida.
Inicialmente, apesar de serem uns boêmios, a amizade de Maddie, Hank e Ellis me parecia bonita, era interessante ver como o trio era unido. A dedicação de Maddie ao marido também era admirável: para que ele não fosse mais hostilizado por ter sido rejeitado pelo exército, ela aceitou cruzar o oceano correndo o risco de morrer se o navio onde estavam fosse acertado pelos inimigos. Mas com o tempo é possível perceber que aquela frase famosa do livro "As vantagens de ser invisível" (Stephen Chbosky), que diz que "a gente aceita o amor que acha que merece", servia para a Maddie: ela aceitava calada situações e humilhações que eram inaceitáveis, simplesmente porque ela erroneamente acreditava que merecia aquilo, por não ter recebido amor ou compreensão dos pais e da sociedade elitista e esnobe durante todo a vida. Foi só quando começou a conviver com aquelas pessoas tão simples na hospedaria, é que ela pode compreender o que realmente era a amizade e o quanto ela necessitava viver de verdade, sem se prender ao dinheiro, mas para poder viver assim ela teria que se livrar das amarras que a prendiam.
É interessante observar como a Maddie é vitima de gaslighting, um tipo de violência infelizmente muito comum contra as mulheres, que consiste em "distorcer os fatos e omitir situações para deixar a vítima" (ou as pessoas que convivem com ela) "em dúvida sobre a sua memória e sanidade" ((Portal Brasil), além disso é possível observar situações onde a palavra dela não era prova suficiente, e pessoas que viram a situação ainda tentavam reverter ou encontrar formas de culpá-la sendo que ela era a vítima. Infelizmente isso acontece muito na vida real.
"Tantos mortos. Meros 15 dias antes eu achara quase impossível compreender a ideia de 3 mil homens mortos numa única tarde. Agora, a imensidão de uma cifra como 60 nil vítimas era ainda mais chocante, pois quase abria a possibilidade de esquecermos que cada um desses mortos fora uma pessoa, cujas esperanças, sonhos e amores tinham sido ceifados.
Eu não entendia como aquilo poderia continuar. Não sobrariam mais homens no mundo." (página 200)
Eu já li um número considerável de livros que falam sobre a Segunda Guerra Mundial, até comentei recentemente que estava um pouco cansada do assunto, mas gostei de ver a temática no livro da Sara Gruen por ela trazer um lado que eu ainda não tinha lido, a guerra não é o foco da obra, e sim as suas consequências para aquele vilarejo escocês que sofria com a falta de alimentos e onde todos tinha que contribuir de alguma forma com o seu país e com o seu exército, e onde as notícias chegavam pelo noticiário da noite no rádio e pelo jornal local (que dividia as informações sobre os combates com notícias do cotidiano e de menor relevância).
Talvez vocês estejam se perguntando sobre o papel do Monstro do Lago Ness na trama. Só digo que é bem interessante e para saber mais sobre esse lado misterioso da obra, só lendo!
Sobre a edição: a capa é condizente com a trama e é possível fazer várias relações entre ela e a história: o lago propriamente dito, o daltonismo de Ellis onde o mundo não tinha cores, o ruído (esse aspecto meio granulado) das imagens captadas por câmeras da época; a capa brasileira tem sua beleza pela escolha das cores e fontes, mas a capa de uma das edições em inglês também é bem bonita (foto ao lado). As páginas são amareladas; as margens, o espaçamento e as letras tem um bom tamanho e há poucos erros de revisão.
Enfim, "À margem do lago" foi um livro que eu gostei mais do que esperava, apesar de querer que os capítulos finais tivessem um ritmo mais calmo e que o romance fosse melhor explorado. Concordo com todas as declarações que estão na contracapa da obra! Eu recomendo a leitura, especialmente para quem gosta de personagens cativantes; de narrativas fluidas, daquelas em que a gente vai se surpreendendo junto com as descobertas dos personagens e também para quem gosta de livros sobre a Segunda Guerra Mundial, a Escócia ou que falem sobre seres que não temos certezas se são reais ou não (no caso, o Monstro do Lago Ness).
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