.Igor 24/03/2024
Essa é mais uma quase resenha que estava guardada por aqui há muito tempo, acabei lembrando dela quando fui separar o terceiro livro pra ler... Mas enfim, acho que ficou razoavelmente legível depois de umas correções.
Filho caçula do rei Uthrik e da rainha Laithlin de Gettland, Yarvin nasceu com uma característica que seria um estigma desde muito pequeno: sua mão esquerda era deformada, ao ponto de ser pouco mais do que um pequeno pulso com um único dedo distinguível. Nos reinos do Mar Despedaçado, onde as leis eram ditadas pelas pessoas de braço forte e coração frio, ser incapaz de brandir uma espada ou portar um escudo é o pior defeito de um homem e sua própria família fez questão de marcar isso nele.
Yarvin nunca herdaria o trono, sendo visto sempre com desprezo pelo pai, um rei poderoso de uma poderosa nação militarista, conhecido pelas suas conquistas e crueldade no campo de batalha. Sua mãe, não o tratava mal abertamente, mas não escondia o desapontamento toda vez que o olhar passava sobre a mão esquerda do filho mais novo. Sua única opção era se unir ao Ministério, uma ordem política que auxiliava todos os governantes do Mar Despedaçado; ele abriria mão de seus laços familiares e da possibilidade de ter uma família para se dedicar inteiramente ao bem de seu reino, a única forma que Yarvin encontrou de escapar das humilhações e do preconceito que sua deficiência lhe trazia.
No entanto, a morte de seu pai e de seu irmão mais velho - que deveria ser o próximo rei de Gettland - arrancou essa esperança do garoto sem misericórdia, e ele se tornou, com pouco mais de 16 anos, rei de uma nação que o via apenas como um "meio homem", incompleto e certamente indigno. De uma hora para a outra, Yarvin precisa endurecer e entrar em uma guerra para vingar as duas mortes, e logo sua jornada o lança em uma saga de amargura e crueldade, traição e cinismo, onde as suas decisões determinarão o destino de todo um reino.
Joe Abercrombie já é um veterano da literatura de fantasia, mas esse foi o primeiro livro "young adult" que ele escreveu. Não sou muito fã desse rótulo literário em particular, especialmente porque não são poucos os autores que fazem parte dele que não sabem o que querem escrever: às vezes, a história é tão mal estruturada que perde para muitos livros infantis; outras vezes, personagens são tão reutilizados pelo gênero que se tornam genéricos e previsíveis; e outras vezes ainda, são criadas tramas que tentam ser grandiosas mas se enrolam com amarras editoriais. É realmente uma pena, já que muitas dessas histórias têm bastante potencial.
Tendo dito essas coisas, "Meio Rei" se revelou uma surpresa incrível! O livro não é extenso, até mesmo para os padrões de séries literárias (280 páginas), mas sua história é de uma densidade ímpar. O mundo em que se passa a história de Yarvin foi praticamente destruído quando seres ancestrais chamados "elfos" atacaram a Divindade e a despedaçaram, criando um catástrofe global que os aniquilou e mudou completamente a forma do mundo. O Mar Despedaçado foi local dessa tragédia e se tornou um enorme mar interno e lar de vários reinos, erguidos em uma cultura que valoriza a sobrevivência do mais forte acima de tudo, permeado de guerras e intrigas políticas.
O Mar Despedaçado é um personagem por si só no livro de Abercrombie, um deveras multifacetado e complexo. Bem, na verdade, todos os personagens desse livro são complexos; não é exagero dizer que cada pessoa que tem um pouco de destaque no enredo caminha por uma linha tênue entre o bem e o mal, e tanto o leitor quanto o protagonista vão descobrindo isso ao longo do caminho - e no caso do jovem rei, das piores formas possíveis.
Yarvin é inteligente e corajoso ao seu modo, mas anos de humilhações e desprezo o tornaram amargo e cínico. Ainda assim, ele mantém um humor ácido, o qual usa como armadura contra tudo o que é lançado nele, e não é pouca coisa. Perdido com sua súbita ascensão ao trono, sua jornada no livro é tanto de amadurecimento quanto de auto-conhecimento, e é realmente fascinante.
Estou lutando bravamente aqui para não falar mais desse livro, especialmente sobre um aspecto dele que me prendeu imediatamente à leitura, mas não quero estragar a surpresa de quem estiver lendo ele pela primeira vez. Digamos que há muitos paralelos históricos com um pessoal que morava no norte da Europa durante a Idade Média e gostava de pilhar cidades costeiras... Paralelos, digo de antemão, manipulados magnificamente.
Bem, é isso. "Meio Rei" é o primeiro livro de uma trilogia incrível, que definitivamente recomendo a leitura!