Coisas de Mineira 15/11/2018
Essa é a história de Thomas Marsden. Ele tem 11 anos de idade, e juntamente com seu pai, eles são ladrões de túmulos. Esse é o ganha pão da família. Os dois saem todas as noites, desde que Thomas consegue carregar uma pá, para escavar os cemitérios de Londres a fim de encontrar riquezas que foram enterradas junto aos mortos.
Em determinada noite o menino está cavando túmulos à sua escolha, uma vez que ele se julga um tanto sortudo com as escavações que faz. Seu pai sempre deixa que Thomas fique com uma pequena parte daquilo que encontram, mas mesmo assim o jovenzinho coloca uns trocados na bolsa de sua mãe quando ela invariavelmente sai para comprar alimentos. Eles são muito, muito pobres. Dormem por cima de cobertores amontoados, mas tudo sempre muito limpo. Thomas foi muito bem educado por uma mãe bem cuidadosa.
Acontece que na presente noite que vem sendo narrada, Thomas começa a cavar um túmulo que estava com a terra fofa, como se tivesse sido recentemente mexida. O trabalho foi muito fácil, e o menino cavava com as próprias mãos, quando encontrou algo enterrado sem caixão e nem nada. Pai e filho poderiam ter se assustado com o corpo que descobriram, pois ali jazia um igual a Thomas. Mesmo rosto, mesma manchinha de nascença na face. Parecia uma imagem refletida no espelho, porém aquele estava morto.
“A questão é: não é por que uma coisa é estranha que isso significa que não seja real”.
Qual seria sua reação ao cavar um túmulo e descobrir você mesmo enterrado ali? Thomas, cheio de dúvidas, e com pouquíssimas respostas, resolveu empreender uma busca por uma Londres do século XIX com intuito de saber mais sobre si e sobre Cardo, seu “irmão” recém encontrado. Em uma Inglaterra inflamada por se contatar os mortos através de espiritualistas (ou seriam charlatões?). O garoto precisará desenterrar quaisquer verdades sobre si mesmo, com o perdão do trocadilho.
A história é envolta em um tipo de conto de fadas moderno. Um toque bastante emotivo envolve cada descoberta de nosso protagonista. Desde a verdade sobre seus pais Silas e Lucy, como a respeito de um mundo paralelo de qual ele certamente faz parte. Thomas descobre, depois de algum tempo sendo supervisionado de longe por Cravo-de-Defunto, que ele é uma espécie de fada. Também fica sabendo a respeito de um mundo das fadas onde ele tem um papel crucial.
Mas, quem era Cardo? O que aconteceu com ele? Porque eles são exatamente iguais, porém não são irmãos? Essas são perguntas que somente Cravo-de-Defunto e Rosa-da-Índia poderão elucidar tanto para nosso garoto de quase 12 anos, como para nós, que vamos devorando a leitura.
“Qualquer mentira que contamos nos machuca, mesmo quando para um monstro...”.
Fantasia acaba sendo um gênero que não leio tão costumeiramente, mas que muito me agrada. E Trevayne nos entrega nesse livro um mundo fantástico, juvenil e que se passa em um ambiente urbano! Tudo muito organizado, muito bem pensado e trabalhado... Acabamos por buscar juntos com as personagens, um portal mágico que os transporte de volta para seu verdadeiro lar. Um lugar onde espiritualistas charlatões e frustrados não os machuquem mais, não usem seus dons até os extenuarem, ou os levem à morte. Mordecai é o principal espiritualista em contato letal com as fadas. E logo logo ele verá que Thomas não está para brincadeiras.
Alguma mitologia sobre fadas foi mantida pela autora, como a sensibilidade e aversão ao toque de sinos (campainhas) e ao ferro. Veremos muito disso ao longo dessa história passada em uma cidade que infelizmente feria bastante os pequeninos integrantes desse clã. Eles desprezam essa vida urbana e desejam fugir da cidade mais que tudo. Com uma pitada de Oliver Twist (Charles Dickens) em um mundo fantástico, a autora, a meu ver, cumpriu bem o que o livro quis nos propor.
“Rá. Um espiritualista. Estava mais para mentiroso. Um bruxo, um feiticeiro, uma alma má, mostrando um rosto digno para os cidadãos de Londres”.
Dessa forma, Thomas precisará vencer um dilema entre ajudar seus novos amigos, as fadas, ou dar ouvidos a seus instintos de sobrevivência, pois ele não sabe se realmente poderá salvá-los sem se machucar ou morrer, uma vez que ele é um ser que não possui magia – ele foi um bebê trocado. Aqui nesta nossa fantasia acabamos tendendo um pouco para o macabro, quando se toca em temas como túmulos, roubo de defuntos, torturas, aprisionamentos, espiritualistas que falam com mortos para trazer mensagens aos vivos, e fadas com poderes um pouco diferentes do que já lemos ou ouvimos falar. Mas, nada que os mais jovens não possam ler sem se traumatizar.
Finalmente, acredito que a mensagem transmitida de alguém movimentar todo o seu mundo para buscar ajudar um povo para ele antes desconhecido, das garras de seu algoz, é algo bastante positivo. Pode ficar implícito, ou até explícito – se assim você quiser – que a opressão e a escravidão às fadas nessa Londres imaginária de Trevayne, pode acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar do mundo. É uma boa reflexão para todos que tenham a oportunidade de ter essa obra em mãos. A humanidade de Thomas foi a chave para as questões levantadas durante a leitura. Que possamos ser mais humanos e mais empáticos à dor e aos problemas dos nossos semelhantes.
“Mas, estou começando a ver que ‘diferente’ pode não ser tão terrível.”
Em uma edição L-I-N-D-A, a editora Seguinte nos trouxe essa história em brochura, com pouco mais de 230 páginas, em folhas amareladas – papel Pólen que tanto amamos – e uma ótima diagramação e revisão. A capa ficou excelente, uma vez que retrata um momento de extrema importância na narrativa. O tom escuro dá-nos a entender aquele tom macabro que citei mais acima. Ah, se você tiver coragem (eu não tive!) na orelha da parte de trás do livro vem um marcador para você recortar.
Foi uma leitura muito confortável e agradável de fazer! Eu atribui 4 estrelas, em um total de 5. Fiquei muito satisfeita com a trama que a autora propôs. Acredito que ela inovou nessa coisa de falar de fadas. Não foi cansativo, não foi repetitivo, e mesmo o antagonismo entre o bem e o mal não foi nada do que já encontramos incansavelmente na literatura fantástica.
Emma Trevayne adora fotografia, música e é escritora em tempo integral. Escreve livros para o público juvenil. A editora Seguinte publicou dela o livro Voos e Sinos e Misteriosos Destinos (2014), além desse que acabamos de resenhar. Já morou no Canadá, Inglaterra e Estados Unidos. Você pode segui-la no Twitter: @EMentior
Por: Carol Nery
Site: http://www.coisasdemineira.com/2018/11/resenha-thomas-e-sua-inesperada-vida_13.html