Maria Gabriela 18/02/2024
Os Achados deveriam permanecer Perdidos
Decepção. É a única palavra que consegue descrever perfeitamente o mar de sentimentos que me assolou durante a leitura.
“Achados e Perdidos”, do Ilustre Stephen King, seduz o leitor desavisado com um enredo promissor e envolvente, banhado em suspense e violência desenfreada que lhe deixará absorto em cada sentença, em cada mínima palavra e reviravolta apresentada. Quão angustiante é ler a sinopse e ver um infame assassino ter sua liberdade novamente concedida, mas que está sedento por vingança ao perceber que seus bens mais preciosos foram usurpados por um adolescente qualquer, “protegido” por sua família?
Minha resposta seria “sim”. Seria, é a palavra-chave. A execução das ideias do autor torna o ritmo de leitura uma verdadeira experiência de tortura! Não há o que negar: as primeiras páginas da obra são um coquetel completo de emoções e revelações; a alternância dos pontos de vista, entre o passado (1978) e o presente (2009-2014), mostram o início da decadência de Morris Bellamy, o prometido vilão, e o tormento de Peter Saubers e seu núcleo familiar, os prometidos herói e ajudantes.
O início estará eternamente marcado como a melhor parte da história: o ritmo frenético do ponto de vista de Morris, no auge de sua adolescência, invadindo sorrateiramente a casa de seu escritor favorito, John Rothstein, na companhia de seus “amigos”, prontos para cometerem O Roubo do Século. Os alvos do roubo? Os inúmeros cadernos cheios de continuações não divulgadas das aventuras de Jimmy Gold, o personagem fictício mais popular no universo da narrativa, e o maior “objeto” de amor e afeto do vilão. Só de ler a frase “Acorde, gênio” já é eletrizante, pois marca o começo do rastro de sangue que Morris deixará ao trilhar seu caminho.
Ao presente, somos introduzidos a rotina conturbada da família Saubers, diretamente afetados pelas consequências de uma séria crise econômica. O pai está desempregado e incapacitado fisicamente de exercer qualquer atividade laboral que exija um esforço físico considerável; o mísero salário da mãe é rapidamente distribuído entre contas domésticas e hospitalares; o casal não consegue manter uma conversa decente e as discussões estão cada vez mais frequentes; Peter e Tina, os irmãos Saubers, são atormentados diariamente com esta realidade. Uma situação decadente, mas que promete ser erradicada quando, coincidente, Peter encontra o tesouro de Morris Bellamy.
Um enredo interessante, mas decadente após a introdução. É esperado que Morris não seja refém da moral e da ética e incorpore toda a loucura característica dos vilões de Stephen King, que mostram o pior do ser humano - isso não acontece. É esperado que Peter se torne o herói de sua família, mesmo que seja apenas um adolescente inexperiente e assustado - isso não acontece. É esperado que Bill Hodges, Holly e Jerome sejam tão importantes e carismáticos na caça ao assassino - e isso também não acontece.
Todas as brilhantes ideias são resumidas a um enredo entediante e arrastado. Morris Bellamy, prometido vilão com um passado trágico, não passa de um adolescente (e que ainda pode ser visto como tal, até mesmo em sua terceira idade) revoltado com a vida, com os pais e com a sociedade, que comete exponencialmente erros graves e crimes a troco de nada. Toda essa ladainha do King em que Bellamy é incompreendido por quem é? Ah, sim, entendo… É, já vi alguns. E alguns muito mais interessantes. Praticamente jogou um personagem tão promissor no lixo. Peter Saubers é apenas um adolescente insuportável, que exala aquele ar clichê de protagonista de anime que “com o poder do amor, podemos sobreviver às artimanhas de um assassino louco!”; e sua família é igualmente insuportável. King procura focar tanto, mas tanto, nos problemas internos e não na “real ameaça”, que você começa a se perguntar se você deveria ser um leitor ou um assistente social. Bill Hodges e sua equipe são apenas um trio de adultos que gostam de brincar de Scooby-Doo e que tão coincidentemente tem todas as respostas disponíveis.
A narrativa se torna maçante. Você não aguenta mais ver os personagens correndo de um lado para o outro (igual as cenas cômicas de Scooby-Doo, onde a turma foge do culpado por um labirinto de portas e temos os resultados mais inesperados), os mistérios são banais e as resoluções, mais estúpidas ainda. Tudo parece estar coincidentemente conectado, apenas para que os prometidos mocinhos resolvam o caso de uma vez e terminam a obra com uma frase impactante que servirá de citação. A narração é nojenta - me senti lendo uma história criada com um adolescente da quinta série, que pensa que usar palavrões em toda sentença e escrever frases chulas e banais é muito descolado. Decepcionada, King. Um potencial jogado no lixo.
Não pretendo retomar a leitura da trilogia. Embora esse contato tenha se originado fora da ordem esperada, a história não me cativou e o detetive Bill Hodges, a estrela de tudo, só me pareceu um homem com crise de meia idade extremamente intragável. Talvez em um futuro distante eu dê outra chance, mas agora? Não.