Tatiane 01/10/2019
Catacrese na alma...
Uma catacrese como título e o longo e delicioso poema de Alice Sant'Anna dividido em duas partes se abre aos nossos olhos.
O eu lírico vai nos contando ao pé do ouvido, como se sussurrasse segredos, suas percepções, experiências, sensações vividas ou imaginadas, tudo mergulhado em total subjetividade. Essa é a impressão que ficou para mim.
"as palavras não têm o som das coisas
isso se percebe quando se aprende
algo numa língua estrangeira
a não ser a palavra ovo
que seria o desenho do ovo
o som grávido do ovo
a palavra lua tem o sopro
de uma lua minguante
na cozinha digo que a faça está cega
ela não entende
o que quer dizer? como assim está cega?
estou escrevendo um poema
você aparece bastante
tudo o que disse pode entrar
é um poema tagarela"
(p. 34-35)
"sem terra por perto
o horizonte curvado
o planeta redondo a olhos vistos
a noite não se ilumina
com larvas penduradas
no teto da caverna
as cores das camadas sob o químico
deveriam combinar com a estação do ano
ou se uma mulher vestisse as cores
do outono no verão, por exemplo
seria uma mensagem clara
ela quer que o tempo fique ameno"
(p. 47)
"todo dia de manhã
o relógio de corda nunca marca
a hora certa
está sempre cinco minutos atrasado
não sabe definir o momento
em que deve deixar de lado
o casaco de meia-estação quadriculado
e tirar da mala o sobretudo vermelho
a transição se faz aos poucos? como se veste
um sobretudo aos poucos
e não de um dia para o outro?"
(p. 53)
Vale muito a leitura, a experiência de leitura.
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