Otávio - @vendavaldelivros 08/06/2023
“Quem compra peças talvez não se sinta à vontade para conviver com elas. De igual para igual. Não aqui. Nesta cidade.”
No começo dos anos 60, em uma cidade do interior do Rio de Janeiro, dois meninos na faixa dos 12 anos encontram o corpo de uma mulher em uma mata, com sinais brutais de violência. Pouco tempo depois, o marido assume o crime e vai preso. Os meninos, porém, não acreditam na culpa do marido e iniciam, por conta própria, uma investigação que terá a companhia de um idoso morador do asilo da cidade. Tudo poderia ser um romance policial “comum”, mas não é o caso desse livro.
Publicado em 2009 e escrito pelo jornalista Edney Silvestre, “Se eu fechar os olhos agora” é um livro que tem aquela característica que buscamos em boas histórias: é difícil de largar. Empolgante, envolvente, com diálogos rápidos, mas recheados de significados intrínsecos, o enredo consegue fazer com que dois garotos de 12 anos ajam de acordo com suas idades, mas não percam sua humanidade e o despertar para a dor dos outros.
Nesse livro, o autor explora a hipocrisia da sociedade brasileira do começo dos anos 60 com tamanha maestria que, mesmo sem citar o golpe de 64, conseguimos entender as estruturas que possibilitaram aquela tragédia acontecer. Não satisfeito em mostrar esse cenário, Silvestre cutuca a ferida da ditadura Vargas, lembrando que 64 não seria a primeira ditadura que viveríamos e que ali também escorreu o sangue de brasileiros pelas mãos do Estado brasileiro.
O livro também aborda questões fundamentais como o racismo, a misoginia e o machismo, com um texto que muitas vezes é cru e doloroso. Além disso, fala dos poderes e das oligarquias que comandam nosso país há mais tempo do que o necessário, com suas raízes envolvendo a justiça e a política de forma imoral.
A história tem um final com um baita plot twist e vi comentários de pessoas que se decepcionaram, mas não foi o meu caso. Acredito que o final desse livro só deu “números finais” a tudo que havia sido costurado nas páginas anteriores. Cidades de interior costumam esconder suas caveiras nos armários, mas dificilmente essas caveiras se mantêm lá por muito tempo.