Lopes 13/03/2018
A integridade da vida
Já sabemos que hoje qualquer aproximação de obras que são verdadeiros projetos de vida,se torna um calabouço dependendo da entrega do autor e seu desprendimento daquilo que se escreve, perpétua e denuncia. Varlam Chalámov trouxe à tona toda sua vida, seu trabalho e esperança nas páginas destes "Contos de Kolimá" como, primeiramente denúncia do horror dos campos de "trabalho" russo, e em segundo - o que vai se formando através dos volumes - todo e qualquer esquema artístico que alivie uma pena, de si, do mundo, enovelando o leitor num estado ambíguo entre a infinitude literária e a rápida finitude humana. Claro que deveria ser diferente, mas o horror elaborado e o terror enraizado não nos deixa suportar esse desejo. Mesmo que tenhamos isso consciente, não ocorre. Olhar aquele mundo, às vezes, é afastá-lo mais depressa possível. Não vivemos para isso. São cotidianos e realidades que se automutilam, dentro de um sistema que sofre uma metástase terrorista a ponto de um banho significar um anseio ao ódio. Precisa-se aqui odiar, criar um sentimento que evidencie e interrompa cada ação contrária ao humano, regida por ideologias que nem sequer conseguem se suportar - nenhuma, na verdade nem deveria existir - com tamanha opacidade e distância de Moscou, mesmo que existissem ordens diretas. O artista da pá destrói a realidade ao falar de sua experiência como enfermeiro, que o faz aproximar daquela ajuda humana, se assemelhando com a arte. A pá, em outra ocasião, é o que assenta, a que barra o horror tão comum. Se a comida é o alimento básico, nestes campos ela se torna uma abundância de dignidade. Ultrapassa qualquer esquecimento, sendo ela o esquecimento de si e da vida. A dor corriqueira é variada, mata, destrói, impõe, sem se quer poder desviar dela. Chalámov ao sair vivo destes campos propôs um retorno ao terror. São contos tão reais que eles se permitem virar arte para nos causar espanto e vozes permanentes de combate ao monstro que nos tornamos a cada dia, ao que se propõe aniquilar quem já não pode mais morrer, o humano.