Érika 28/01/2022Vivendo ligeiramente menos sufocadoEm "A margem esquerda", 2° volume do ciclo Contos de Kolimá , Varlam Chalámov fala principalmente de dois períodos menos piores ? em comparação com o trabalho nas lavras minerárias ? da sua vida de detento: o tempo em que trabalhou como enfermeiro no hospital central de presos na margem esquerda do Rio Kolimá, e o período em que esteve na prisão Butirka, em Moscou. Os contos sobre o hospital predominam, como o título sugere, mas intercalam com outros temas. Ali, um pouco melhor alimentado e menos exausto, ele pôde falar, exortar, opinar, protestar ? ainda que em limites estreitos, mas já era mais que um morto-vivo, como costumava ser nas minas.
Ali vemos como ele voltava a vida ? tema resumido no último conto. Ele conta pelo menos 2 versões sobre a eliminação da letra "T" (de trotskista), que o submetia a tratamento mais rigoroso, dos seus papéis. Fala de como foi mandado ao hospital, sobre seu curso de enfermeiro e de sua resistência no cargo, mesmo perseguido. Conta sobre sua segunda pena, resultado de trama à qual preferiu não resistir (atitude justificada por observações do conto que vem antes desse, se o leitor estiver atento), e da liberdade.
O autor cuidou pessoalmente da organização dos contos em certa ordem e da divisão em tantos volumes, e as considerava importantes. Pensando no que une os contos deste volume, ocorre-me que o hospital e a prisão foram dois lugares em que #Chalámov pode demonstrar um pouco mais de vontade e ação, durante seus sofrimentos.
Ele também nos mostra a humanidade de outras pessoas, às vezes boas, às vezes ambíguas. Gente que o ajudou ou que ele ajudou; gente que conheceu pelo caminho e aprendeu a admirar; outros, de quem seria esperada bondade, e que se provaram piores do que as circunstâncias justificavam, como o esperantista do conto "Esperanto". Fala da honra dos revoltosos do "major Pugatchóv", ex-soldado da II guerra tratado injustamente, que preferiram fugir do campo e lutar até o fim para evitar a recaptura, e da união dos prisioneiros na cadeia de Butirka, com suas palestras educativas, sua organização interna e sua caixa de ajuda mútua driblando o Poder.
Outro livro ótimo dele, embora denso e lido mais devagar.