Naty__ 13/03/2020Recebi "Eu me possuo" e comecei a ler assim que chegou. Uma leitura rápida, fácil e que tinha tudo para me agradar em todos os aspectos – mas não foi isso o que aconteceu. Iniciei a leitura bem empolgada, a história contida na sinopse prende o leitor e tem a capacidade de emocionar qualquer um – repito: mas não foi isso o que aconteceu comigo.
São pouquíssimas páginas, porém, o espaçamento e as letras grandes fazem com que o texto seja menor do que parece nessas 182 laudas. Li mais ou menos em 3 horas, tanto por curiosidade quanto por facilidade em ler. No entanto, a história não foi exatamente o que imaginei.
Logo no início da obra me senti envolvida com a personagem e queria saber o que Florence tinha tanto a nos passar. Li a sinopse antes de ter o livro em mãos e li novamente antes de embarcar na história. Para mim, é difícil acreditar nisso, mas lia gostando da narrativa da autora, no entanto, em todos os momentos me perguntava: “mas e aí?”. Eu queria mais envolvimento, mais ligação com o que a sinopse propunha, mais finalidade, mais aprendizado e eu não tinha, não achava.
Quando faltavam 22 páginas para chegar ao final, na 161, comecei a compreender qual era a lição que ela queria nos passar. Pode parecer exagero, mas a história em nenhum momento me deixou sensibilizada com o que a protagonista estava passando, não me refiro à cena do estupro, essa eu consegui sentir algo (não sou de pedra, leitor). Acontece que a forma de se abordar um assunto é necessário fazer de maneira intensa e a autora fazia os encontros de Karina de forma tão corriqueira que ela parecia trocar de homens mais do que sua própria roupa.
Não lembro exatamente a quantidade de páginas, mas foi menos de 20 e ela já tinha se envolvido com 2, 3 e por aí vai. Não é o fato de ela se envolver com muitos, mas a maneira rasa e sem embasamento, sem emoção como a autora construía tais encontros. Em um, por exemplo, ela nem conhecia o cara, o viu no bar, perguntou apenas o nome e na cena seguinte já estavam no motel. Noutro já estava no fundo do estabelecimento tendo relações.
A todo instante a autora descreve a personagem Karina como uma pessoa insatisfeita com seu corpo, se considera gorda com as “banhas saltando da roupa”. Ela descreve que a protagonista sente vergonha de ficar nua na frente dos rapazes os quais se envolve, mas não parece sentir isso, até porque ela tem tantos parceiros (inclusive mantém mais de um relacionamento ao mesmo tempo) e não demonstrou sentir vergonha disso – a não ser quando saiu com um rapaz que a amiga chama de “João sem braço” que ela mesma reflete sobre a sua vergonha, esse homem causava horror quando estava nu (pelo fato da deficiência, como Karina relata) e ela não deveria sentir isso.
Tudo bem que você, leitor, poderia me dizer que ela se envolve com muitos caras para esconder o estupro sofrido quando foi na casa de um rapaz, um conhecido da academia e que nunca tinham se falado antes. Embora relatando assim pareça que a própria menina tem culpa, nessa parte eu considero que não – ela foi imprudente; culpada não. No entanto, em parte da história, numa conversa com a avó, ela solta uma frase que me deu vontade de abandonar o livro completamente e brincar de arremesso para ver se acertava na cabeça do meu vizinho. Respirei fundo, concentrei e continuei lendo.
Outro ponto interessante que devo comentar é que, a todo o momento, a protagonista nos mostra insegura, sem voz de uma pessoa determinada, com personalidade forte, mesmo quando reencontra o cara que destruiu sua vida. Porém, quando faltam 22 páginas para acabar a obra tudo muda e parece que entra em cena outra Karina. Achei isso bastante forçado, pode ser real, mas não me convenceu e por isso a história finalizou sem emoção para mim. Ela mudou, abandonou o seu lado receoso quando escreveu a carta, tudo muda, tudo se transforma em 22 páginas, enquanto as outras 160 foram apenas enrolações, será isso? Acredito que passar pelo que ela enfrentou ao reencontrar o estuprador é o suficiente para mudar, mas não, vemos a mesma Karina. Até que uma carta muda-a completamente.
Queria ter gostado da história, queria ter me prendido completamente e ter entendido os vastos relacionamentos, vulgo transas, de Karina. Não consegui me apegar a ela, pelo contrário, o apego ocorreu nas 20 primeiras páginas e olhe lá. A autora tem uma escrita que faz a leitura fluir, uma narrativa para prender o leitor e apenas por isso a obra ganha 2 estrelas, as outras ficaram perdidas nos relacionamentos de Karina.
Quanto ao trabalho estético, a capa segue uma ideia incrível e ficou muito bem feita. A diagramação está excelente, com pássaros no final de cada capítulo e com detalhes no início. Uma perfeição de arte visual, uma pena que o seu conteúdo tenha sido prejudicado. O fato de não ter me prendido na história não quer dizer que você não deva ler, afinal, a capa do livro indica liberdade, você se possui. Eu me possuo e tenho o direito de não gostar da história por sua superficialidade; você se possui e pode gostar. Depois conte-me sua opinião, vou gostar de saber.
Quotes:
“[...] Qualquer mulher sabe. As ruas não nos pertencem: obedecemos a um eterno toque de recolher. Metrôs e ônibus nos acossam enquanto nos transportam. Tribunais de Justiça nos constrangem enquanto nos defendem. E até o vento, quem diria, pode nos amedrontar” (p. 31).
“Karina parou na porta de saída. E ficaria parada até Thiago dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Ele não diria nada? Então talvez ela apodrecesse ali, talvez se misturasse à madeira do batente, talvez ficasse por cem anos amarrada ao tronco de uma árvore que cresceria bem a li, surgindo através de alguma reentrância na parede, talvez ela se tornasse aquela árvore, talvez fosse quebrar toda a casa com seu corpo-tronco imenso, carregado de uma violência lenta, contida, porém implacável” (p. 80).
site:
http://www.revelandosentimentos.com.br/2016/07/resenha-eu-me-possuo.html