Léo 26/06/2016
Enredo convidativo, muitas aventuras, originalidade
As primeiras impressões do livro são as melhores possíveis e atendem as expectativas dos leitores, principalmente daqueles que se apegam fácil com enredos misteriosos e fora do comum, aqui o índice de suspense tem uma dose um pouco alta e as surpresas acontecem em vários trechos da trama. Apesar de existirem picos altos e baixos que desmotivam o interesse na leitura [pelo menos até a parte que se antecede à metade do enredo] no que diz respeito a agitação, ação e aventura, o monótono não existe na composição da obra e os planos do autor em apostar numa realidade alternativa articulando uma dosagem boa de ficção científica, espacial e futurística, dão realmente certo. De início, como já se lê na premissa, um acontecimento quase que inimaginável deixa o centro da maior cidade do Brasil, São Paulo, desfigurada. Está bem, talvez alguns já se pegaram imaginando um possível ataque terrorista nas grandes cidades brasileiras, mas cá entre nós, logo paramos de pensar no caso pois é um ato ainda incomum na nossa cultura onde os confrontos civis habitam. Os personagens da trama logo se veem alarmados com o ataque e um deles, com aquela porção a mais de bravura e curiosidade, se interessa em descobrir os causadores e tão logo se vê envolvido até o pescoço com tal evento. Mas, agora uma pergunta, e se fosse com vocês, o que fariam se presenciassem um suposto ataque terrorista no centro de suas cidades? Bom, isso eu não sei, mas se vocês pensam que o ponto principal da história de Gasparin é este, estão enganados.
O enredo toma proporções surpreendentes e marcantes, é preenchido com misteriosos quebra-cabeças e a emoção é absolutamente forte. Pode parecer clichê analisar um livro e dizer que seu enredo é bem provocador, chamativo mas é necessário adjetivar ''O Fim do Amanhã'' dessa forma. Além do que, a originalidade de Gasparin é fantástica e o leitor acaba abrindo a boca sucessivas vezes por encontrar trechos bem interessantes. Criar uma ficção desse modelo e usar o nosso cenário brasileiro para receber essa carga de criatividade descomunal é uma escolha que merece aplausos.
Os personagens foram elaborados com sabedoria. Tom é graduado em administração, tem 26 anos e é muito rotineiro. Ele é o rapaz que citei logo ao início da análise, aquele que logo se viu envolvido com os eventos. ''Com as emoções à flor da pele, Tom ficou imaginando como amarraria as pontas soltas daquele caso, já se sentia um detetive, estava com o telefone na mão inteiramente molhado e nu [...] discou o número da polícia [...]''. O agente Geraldo Cury tem 50, bigode branco, corpo atlético e expressão de poucos amigos. O delegado Mário é charmoso e tem 36. Até aí, tudo poderia soar como ''mais uma história'' com personagens legais e bem construídos mas, em certo momento, eis que é identificado o meu personagem predileto, que causou um verdadeiro movimento na trama atraindo Tom e os outros para diversas aventuras no tempo e espaço, o homem de sobretudo — O Maquinista — que carregava uma luva metálica com funções extraordinárias [dispositivo do continuum espaço-tempo que utiliza milhares de micro ponte de Einstein-Rose, para criar um túnel no tecido do universo que possibilita andar entre localidades previamente registradas e permitindo trafegar na via dupla do tempo].
Trazendo para uma interpretação real, as portas que esse dispositivo abre e fecha, representam as oportunidades e caminhos que cada um tem durante as suas fases na vida. Isto foi uma jogada de mestre, uma das chaves do livro. ''Às vezes empacamos na vida porque não olhamos para todos os lados''.
O autor consegue, assim como um de seus personagens, manipular o leitor, que abstraído com tudo o que lê, não consegue desligar-se do mundo que conhece a cada página. É gratificante ler uma trama tão bem construída, desenvolvida e encaixada, onde a singularidade existencial retratada através dos personagens, seus nomes, episódios e objetos, ligada a componentes distintos como realidade e fantasia, concreto e abstrato, palpável e intocável, lucidez e loucura... o hoje e o amanhã... gera um retrato fiel às grande produções policiais e científicas que traduzem com perfeição âmbitos que recebem também organizações secretas. Soma-se a isso as viagens pelo tempo e espaço — teletransportes — e as tecnologias futurísticas, que muito bem descritas e intensas, harmonizam os elementos como um todo causando a melhor das impressões.
Essa realidade alternativa muitas vezes é usada por muitas pessoas que, sem perceber, a utiliza como uma válvula de escape de seus medos mais dominantes. Os acontecimentos inusitados deixam o enredo ainda mais diferente. Personagens ''mutantes'' surgem e estabelecem duelos contra os protagonistas, eles são os verdadeiros antagonistas aqui. Gasparin não perde a direção e sabe conduzir, mostra uma grande habilidade com as palavras e temáticas que escolheu. Demonstra ser possuidor de grande talento e imaginação, além de enraizar suas origens nacionais em sua obra. O autor mostra surpresas, conspirações, tecnologias avançadas, personagens reais que se embatem com outros incomuns e que trafegam num tempo-espaço com facilidade. Gera um questionamento quanto as leis da física e da ciência e intriga o leitor em muitos momentos.
Para os momentos finais, Gasparin guardou aparições e trechos que alavancaram as emoções. Mutantes denominados ''Os quatro'', surgem como representação direta de percursores de um novo mundo. A Fome, com poderes de manipular a vibração das moléculas, telecinese e outros especiais. O Peste, com velocidade assustadora, saliva ácida e controle sobre os insetos. O Guerra, com força sobre humana capaz de destroçar pessoas com as próprias mãos. Morte, de poderes desconhecidos mas capaz de matar sua vítima sem se mover.
Pode-se questionar em vários momentos o que pode causar o fim do amanhã e utilizar os componentes como figuras representativas do nosso governo atual, onde importantes figuras administrativas podem sim ser comparadas com monstros — mutantes — capazes de arruinar cada vez mais a situação mundial. Os componentes denotam um futuro não muito distante entendido por esse ponto de vista. Tom pode representar a sociedade, o delegado Mário as autoridades que tentam não se corromper, os mutantes agem como os corruptíveis do poder enquanto O Maquinista é a esperança, aquele capaz de abrir diversas portas para um possível escape.
O estilo de escrita do autor é muito aprimorado, detalhista e de muitos recursos. Os diálogos na obra são excelentes e revelam detalhes importantes sobre os personagem, é possível senti-los. As palavras de Gasparin são de fácil entendimento. Sobre o material apresentado pela Chiado Editora, novamente está impecável. A capa do livro é maravilhosa e a diagramação perfeita.
Ao término da leitura tão fluente, ''Sweet Emotion'' despontava num headset ainda nos padrões atuais da tecnologia enquanto O Maquinista fechava as portas que me revelou. Despedi-me de Tom e voltei ao Rio de Janeiro para lhes contar essas novidades antes que ''O Fim do Amanhã'' apareça para vocês. Realmente precisamos nos concentrar em muitas ações do mundo moderno, pois às sombras, eventos causados por nossos mutantes levam de pedaço em pedaço um pouco do mundo que conhecemos. Esses mutantes já fazem parte do nosso cenário há tempos. Enquanto a tecnologia avança, perde-se as antigas habilidades concentradas nos básicos sentidos humanos e encontra-se, em meio ao diferente, outros que já são usados como padrões da sociedade, um deles, a ganância pelo poder. Novamente pergunto a vocês, o que sucederá ''O Fim do Amanhã''?
O enredo é convidativo demais e o que há na sinopse não define nem um terço desse livro. Absolutamente instigador. Uma trama inesquecível e repleta de suspense, ação e descobertas surpreendentes. Sem dúvidas, 5 estrelas. Parabéns a Daniel Gasparin. Eu recomendo.
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