dai.bispo 11/08/2022
Um futuro muito presente
A premissa desse livro é bastante envolvente, apesar de não ser inovadora em sua totalidade. Um futuro distópico marcado pela degradação ambiental, escassez de recursos naturais ou mudanças institucionais é um plot facilmente encontrado em outros livros do gênero, porém o autor conseguiu introduzir algumas problemáticas interessantes, as quais gostaria que ele tivesse explorado mais.
O primeiro ponto que chamou minha atenção foi a privatização das força de segurança e a utilização de tropas mercenárias. Empresas privadas de segurança e de defesa, assim como agentes bem treinados sendo contratados por entidades públicas (Estados, mesmo) ou atores particulares, é uma questão muito atual e, em certo ponto, preocupante em todo o mundo. Esse é um mercado em crescimento desde as invasões ao Iraque e Afeganistão que permeia diversas áreas da política, economia e do direito. Para quem tem interesse em se aprofundar no tema, não vou me alongar nos prós e contras. Mas, à guisa de curiosidade, foi um recurso amplamente usado pelo governo brasileiro durante a Copa da FIFA 2014 e as Olímpiadas do Rio 2016.
Em segundo lugar, temos o problema dos refugiados ambientais e a precarização das ações de ajuda humanitária desenvolvidas por agências e organismos internacionais. Pessoas sendo forçadas a abandonar seus lugares de origem e tudo o que construíram ao longo da vida para fugir de alguma catástrofe ambiental não é uma possibilidade futura, mas uma realidade manifestada em diversas regiões do planeta sobre a qual precisamos discutir rapidamente, afinal o meio ambiente já está se deteriorando. Da mesma forma, o livro nos leva a refletir sobre o tipo de ajuda que as intervenções ditas "humanitárias" são capazes de mitigar problemas. Como elas são realizadas? Por quem? Com qual objetivo? Essas ações, de fato, estão dando suporte o público alvo? Está ajudando a resolver o problema? Em Faca de Água esse não parece ser o caso e, apesar de obvio para algumas pessoas, esta não é uma problemática de conhecimento popular.
Por fim, é interessante observar o reconhecimento acerca das mudanças nas dinâmicas de poder do sistema internacional, a partir da emergência e consolidação de novos centros de influencia global, neste caso em específico, a China. Quando o autor apresenta uma sociedade norte-americana na qual o mandarim é uma língua tão disseminada quanto o inglês ( tacitamente reconhecida como a língua oficial dos negócios na esfera internacional), o yuan (moeda chinesa) passa a ser igualmente utilizado como meio de pagamento das principais transações efetuadas, e a tecnologia usada nas arqueologias possuem know how chinês, ele está praticamente gritando para os seus leitores: a China já é uma potência real, senão uma ameaça real, a ser reconhecida (talvez combatida?) pelos Estados Unidos! Embora esta seja, cada vez mais, uma realidade indiscutível, é valido salientar que esse livro foi escrito entre 2014-2015, por um autor estadunidense que estava dialogando diretamente com as discussões e preocupações política do seu país na época. Um exemplo que corrobora com esse argumento é o fato de, em 2014, a China estar em constante diálogo com outros países para a criação de novas instituições financeiras de ajuda internacional como o Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Asian Infrastructure Investment Bank, os quais poderiam funcionar como um contraponto às instituições dominadas pelos EUA (FMI, World Bank). Dessa forma, o livro reflete uma preocupação com a possibilidade de elevação do poder do yuan no rol das moedas internacionais. Como acadêmica de Relações Internacionais, esse foi um ponto que achei pessoalmente interessante. No entanto, percebi que a introdução desse tema dificultou a leitura de algumas pessoas.
De modo geral, Faca de Água parece uma distopia que não pretende observar o tempo muito a frente no futuro, mas está completamente enraizada no presente em que foi escrita, inclusive as disputas por água no Colorado River. Além dos pontos levantados, gosto do livro ser narrado pela perspectiva de três personagens com visões de mundo tão distintas, que se chocam entre si, assim como o desfecho final da história ser mais fatalista, afinal ainda é uma distopia. A leitura fluiu rapidamente entre cenas de ação e suspense, mas a narrativa principal não é tão forte, não há um grande turning point na história e o universo criado tinha potencial para ser mais explorado. Por isso 3.5!