Luis 09/01/2011
O inventor do catolicismo sertanejo.
Dos muitos episódios narrados por Lira Neto em "Padre Cícero", talvez o mais emblemático seja o que discorre sobre a atuação do padre em oposição a um dos movimentos mais marcantes contra a República Velha : A Coluna Prestes.
Em 1926, o governo de Arthur Bernardes sofria com a força do Tenentismo, forjado no episódio dos "18 do forte", na revolução paulista de 1924, culminando com a histórica Coluna que durante quase três anos percorreu o país sob a pecha de "invencível". Cícero, já a essa altura um dos pilares no Nordeste das oligarquias rurais que sustentavam o governo, é convocado a organizar um grupo de combatentes capazes de finalmente derrotar os comandados de Prestes. O padre não tem dúvidas ao recorrer a um dos outros mitos da região, o único de idolatria tão grande quanto ele prório e o líder da Coluna : o cangaceiro Lampião.
Embora o esperado embate Lampião versus Coluna Prestes não tenha acontecido, os tenentes acabaram mudando a rota e não passaram pela cidade de Juazeiro, onde estavam os cangaceiros, a história acima ilustra, ao juntar três mitos brasileiros, a importância desse resgate factual, tentando afastar as lendas que envolvem sua trajetória, da vida e obra de Cícero Romão Batista.
O livro é dividido em duas partes : A cruz, que narra a infância, juventude e o começo da carreira religiosa, que ganhou noteriedade a partir de 1889, quando foram registrados os chamados "milagres" do Juazeiro, uma série de eventos envolvendo o padre e a beata Maria de Araújo que, supostamente, ao receber a comunhão transformava a hóstia em sangue, fato esse que ao longo dos anos suscitou um sem fim de polêmicas opondo o padre ao Bispado brasileiro e finalmente ao Vaticano e origem das romarias que até hoje são a marca registrada da cidade e a matriz do culto ao religioso nordestino.
A espada, segunda parte da obra, versa sobre a atuação política de Cícero, que proscrito da igreja no começo do século XX, lidera o movimento de municipalização do Juazeiro, sendo o seu primeiro prefeito. Esse processo gerou uma verdadeira guerra civil que culminaria inclusive com a queda do governo cearense.
Dai para frente, o padre acumulou a alcunha de guia religioso, embora em permanente litígio com a igreja, e principial líder político do nordeste, ocupando ainda o posto de vice governador do Ceará e Deputado Federal pelo estado.
Sua morte em 1934, já com mais de 90 anos e , graças às inúmeras doações e esmolas de milhares de romeiros, extremamente rico, intensificou ainda mais o culto à sua figura, que de fato, é quase um paradigma na peculiar religiosidade nordestina.