mbpedago 08/04/2012
Entre os Atos - A representação de (nossos) papéis
A minha edição de “Entre os Atos”, de V.Woolf, têm a tradução de Lya Luft e publicado pela Novo Século (2008). Em outra oportunidade já comentei um pouco sobre o processo autoral da V.Woolf, por isso, não vou apresentá-lo nesta resenha.
A totalidade do romance de V.Woolf (2008) me faz recuperar a intenção de alguns teatrólogos cuja intenção é trazer a platéia para um movimento de conscientização, de ver-se representa(n)do os papéis cotidianamente e como além deles somos apenas silêncio. Ou como o próprio texto de Woolf permite compreender (208, p. 164): “Eles, ali, não pertenciam a nada; não eram vitoriano, nem eram eles mesmos. Estavam suspensos como num limbo, sem existência verdadeira. Tique, taque, tique, fazia o aparelho”.
Nesse sentido a intenção oculta em fazer uma representação de teatro, anualmente, com fins de desembolsas arrecadações para a reforma; o objetivo máximo da autora (tanto, a autora do romance como a própria V.Woolf) era “Queria fazer com que se defrontassem com a realidade presente, que sofressem o seu impacto. A experiência, porém, não estava dando certo” (p. 165) e, uma das justificativas, para que não se atingisse o objetivo era porque “A realidade é forte demais” (p. 166). Para realizar esse movimento, a escritora do romance utiliza-se de espelhos, voltados a platéia, para que eles se observassem tal como os próprios personagens representados, cuja finalidade nada mais seria do “Mostrar-nos como somos, aqui e agora. Todos deslocados, afetados, falseados;” (p. 171).
Esse episódio, todavia, acaba por trazer um depoimento de um expectador da platéia, que assevera: “Olhemos para nós mesmos, damas e cavaleiros! Depois para a construção, e perguntamos como é a nossa construção, a grande construção que chamamos, talvez erroneamente, de civilização, a ser dirigida com (os espelhos cintilaram e relampejaram) fragmentos, pedaços, lascas, como nós mesmos?” (p.172-173). O que somos, para além de representarmos, a não ser silêncios, atos entrecortados: “Tudo o que conseguem enxergar de si mesmos são lascas, pedaços, fragmentos.” (p. 173). Essa visualização e consciência de que(m) somos no mundo, nada mais nos leva a compreender a rede de representação de papeis, nos quais atuamos, cotidianamente, sem sermos a quem representamos e nem nunca mostrarmos quem somos. Posto que “Desempenhamos papéis diversos, mas somos os mesmos. Meditem sobre isso [...] a natureza também representa um papel. E indaguei: não será ousadia excessiva querermos limitar a vida a nós mesmos? Esquecemos que existe um espírito a inspirar e a pervadir tudo isso...” (p. 176).
E, se “Em geral, somos impermeáveis; de vez em quando, porém, o barco pode vazar...”(p.188).É nesse sentido, entretanto, que V.Woolf, por meio de sua autora no romance, declara: “Somos escravos da nossa platéia” (p.192) e talvez, por isso mesmo, não somos nada além de “Lascas, pedaços e fragmentos” (p.195). Quem somos e o que fazemos, entre os atos, que nos enleva a chamar de vida o que cotidianamente representamos? Essa reflexão e a profundidade do contexto em que o romance foi escrito, pode ser (uma das) a justificativa do suicídio de V.Woolf, conforme apresentado no prólogo da história.
Para variar, leitura recomendadíssima!!!