fabio.ribas.7 03/02/2020
Eric Voeglin e a Escola roubada
Com imenso prazer fiz a leitura de “Reflexões autobiográficas” de Eric Voegelin nesta tarde chuvosa de sábado. Digo “imenso prazer”, porque, verdadeiramente, foi uma alegria intelectual inesperada este encontro com Voegelin. Um verdadeiro gigante, um scholar, um cientista político culto no melhor sentido do adjetivo.
O livro é uma edição belíssima da É Realizações e que faz parte da Coleção Filosofia Atual da Editora. A É Realizações tem-se empenhado em trazer uma luz à miséria da vida intelectual brasileira, publicando títulos inéditos, mas fundamentais para a formação de um país que muito precocemente resolveu amputar a herança européia que poderia ter recebido mais duradouramente da tradição lusitana.
A Editora É Realizações, então, parece ter abraçado a missão de colaborar para que o Brasil não mergulhe (ainda mais) naquilo que o próprio Eric Voegelin demonstra como sendo o que entronizou o nazismo no poder: “O fenômeno de Hitler não se esgota em sua pessoa. Seu sucesso deve ser situado no quadro geral de uma sociedade arruinada intelectual ou moralmente, no qual figuras que em outros tempos seriam grotescas e marginais podem ascender ao poder público por representarem formidavelmente o povo que as admira”. Diante das palavras de Voegelin, é impossível não pensar no fenômeno do PT, nos mensaleiros e no messianismo encarnado por Lula. Contudo, será que ainda há tempo de criarmos e investirmos numa geração que olhe o passado e seu legado, procurando aprendê-lo, discernindo-o e traduzindo a Tradição em homens com a envergadura espiritual que tanto precisamos? Ou será que já seria tarde demais?
O livro é uma “história da formação intelectual de Voegelin” contada por ele mesmo. São vários os temas que ele aborda, desde sua experiência na efervescente Viena do seu tempo até o exílio nos Estados Unidos. Voegelin impressiona qualquer leitor que pense que já leu ou que conhece alguma coisa da vida erudita. Exatamente por essa vastidão expressa em suas reflexões autobiográficas é que me delimito, neste texto, ao segundo capítulo do livro. Por quê? O diminuto segundo capítulo fala sobre a imensa formação dele no ensino secundário e não há como ler aquelas páginas sem ficar com uma estranha sensação de assalto. Sim, assalto, aquela forte impressão que os discursos enjoados da Nova Pedagogia, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, esse ensino visando o aluno como ator principal no palco da escola, "ensino por meio de projetos", essa educação que supervaloriza o que o aluno traz de casa e da rua, entre tantas outras vilanias que o leitor já conhece tão bem... Na verdade, todos esses discursos enjoados encobrem o fato de que estamos sendo enganados, roubados, lesados nas oportunidades intelectuais que deveriam oferecer aos nossos jovens e não estão.
Quero fazer-me entender melhor. Durante sua escola secundária, Eric Voegelin diz que frequentou um Real-Gymnasium e ali teve oito anos de latim, seis de inglês e, como matéria opcional, dois anos de italiano. Não fosse isso suficiente, os pais de Voegelin ensinaram francês em casa para ele! Realmente, estamos diante de um outro mundo. Mas, veja, Voegelin não nasceu durante a Idade Média e nem tão pouco viveu o Iluminismo do Século XVIII. Estamos falando de uma realidade de apenas um século atrás e que, como se percebe, foi rapidamente corroída pela Nova Escola. Aliás, sinceramente, não sei se tivemos por aqui alguma escola em que “um dos pontos altos” do ensino secundário tivesse sido o estudo de Hamlet, durante todo um semestre, interpretado segundo a psicologia da Geltung de Alfred Adler! Nem sei se tivemos professores que durante a oitava série de alguma escola brasileira ensinaram tão bem matemática e física que, ao final do ginásio, “éramos capazes de nos interessar pela Teoria da Relatividade, que se tornara célebre havia pouco tempo”.
Ou mesmo Universidades cujos estudantes pudessem experienciar já no primeiro semestre de seus cursos do testemunho de Voegelin, que já se encontrava “cansado do assunto (ele está falando sobre o marxismo), pois cursara disciplinas de teoria econômica e história da teoria econômica e aprendera o que estava errado em Marx”.
Diante do testemunho de Eric Voegelin, eu nem prosseguirei para dizer sobre a Universidade dele: seus professores, os mestres e doutores do quadro docente, etc. Contudo, gostaria de compartilhar com o querido leitor essa estranha sensação de ter sido roubado naquilo que, na verdade, nem sequer por um dia foi-me oferecido pela Escola Brasileira, essa tão alienada "Escola para todos"...
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