Hot Sul

Hot Sul Laura Restrepo




Resenhas - Hot Sul


12 encontrados | exibindo 1 a 12


anaartnic 08/08/2023

Manifestações diferentes de uma mesma coisa
"Esta é uma história real, de gente comum e corriqueira, cheia de dúvidas, erros, improvisações. Aqui há datas que não fazem sentido e fios soltos que não chegam a ser unidos".

E foi assim que Laura Restrepo me levou em meio as suas palavras, como uma conversa, é até estranho (e um tanto redundante) dizer isso, mas é um livro de histórias, porque aqui conhecemos não apenas um enredo linear que envolve personagens, mas como as próprias vivências deles constroem este enredo.

O livro é a história da colombiana Maria Paz, que ruma ao sonho americano, mas acaba atrás das grades do maior presídio feminino do país. A escrita e leitura são o seu refúgio, sobretudo com as aulas de escrita criativa que frequenta na cadeia. O passado e o futuro, porém, a assombram e ela precisa registrar sua história por meio de um livro para provar a sua inocência ou, pelo menos, contar a sua história ao mundo.

Uma das coisas mais interessantes da obra é a organização de seus capítulos, alternando entre um depoimento de um personagem a uma escritora, anotações de um caderno-diário de outro e o fragmentos do livro que Maria Paz escreveu. Desta maneira, os personagens que não têm sua própria 'voz' passam por um olhar enviesado de quem o escreveu. Assim como, o leitor constrói a ideia do livro pouco a pouco.

Muitas vezes fui consultar os fatos descritos de tão reais que me pareciam, assemelhando-se a notícias cotidianas, além dos personagens serem tão "vivos" que me parecia conhecê-los a tempos.

"Então acontece uma alquimia estranha: enquanto seguro o livro diante de meus olhos, sinto que a vida daquela pessoa está, literalmente, nas minhas mãos". A vida de Maria Paz estava em minhas mãos.

O livro mistura tantas questões, desde o sonho dos imigrantes nos EUA, seitas religiosas, encarceramento, discussões literárias, relacionamentos familiares... Em alguns momentos a densidade se apodera, com tantos pontos para ligar, mas a autora conduziu com maestria as 518 páginas de Hot Sul.

Voltarei a ler Laura Restrepo, mais um escritora sulamericana que me encantou. Recomendo demais a leitura, tanto pelo enredo, quanto pelas temáticas tão relevantes que ele discute e aborda.
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Regina 15/07/2023

Gostei muito
Capitão demais mas a autora vai dando voz a vários narradores e te prendendo a leitura. Não achei pesado e gostei muito
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Lulys 14/11/2022

Sonho americano
A autora nos conta a história através de vários narradores. As peças vão se encaixando aos poucos, mantendo um certo suspense. Do meio para o final o texto acaba ficando um pouco cansativo, mas vale a leitura
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Kath 22/12/2021

Meu favorito de 2021!
Hot Sul estava em minha listas aguardando o momento certo de ser chamado e aí aconteceu! Enredo fascinante, personagens bem compostos e cheios de personalidade. Laura Restrepo agarra o leitor com suas palavras em um thriller emocionante de tirar o folego.
Alerta para temas como: desigualdade social, preconceito e violência.
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Nara 20/01/2021

Primeira leitura de um projeto pessoal para consolidar a compreensão da minha latinidade através da literatura.
A narrativa conta a trajetória de Maria Paz, uma mulher colombiana que chegou à América ainda menina. Ela enfrenta um calvário após ser acusada de assassinar o marido e condenada por esse crime que não cometeu.
Provoca o leitor a acompanhar as reflexões que a Maria faz como mulher Latina que, reconhece da pior forma possível o seu lugar no mundo e, o quanto o sonho americano é um produto da cultura norte americana que visa uma hegemonia colonial e colabora para acirrar as disparidades aqui do sul.
Algumas das minhas passagens prediletas:
"Em que momento Bolívia (minha mãe) foi enfeitiçada pela América? Nós também vivíamos na América, na América Latina. Essa não era a América; a do Norte havia ficado até com o nome."
"A América não está em lugar algum.A América está nos sonhos de quem sonha com a América. Agora sei disso, levei anos para descobrir."
"Depois de ter sofrido por me sentir estrangeira, vim a descobrir que se você sonda um pouco, todo americano acaba sendo outra coisa, vem de outro lado, sente saudade de não sei que lugar do mundo ou da Eslováquia, como Greg.
"Que orgulho era aquele de ser Latina, eu, que uns meses antes estava nas nuvens por estar casada com um americano? Vou lhe dizer,tudo me pareceu forçado.Enquanto em liberdade, minha meta era apagar meu lado latino como se fosse uma mancha, e desde que fui presa venho ficando uma fundamentalista da latinidade. Mas o que devo fazer? Por um lado sai espontaneamente, é a cara da minha raiva,e por outro preciso disso para sobreviver. Aqui você é obrigado a tomar partido para não ficar como um sanduíche na guerra permanente entre as raças."
"No palco Tico Fuentes agarra o microfone e grita, mas de brincadeira 'Pro chão que a polícia de imigração está vindo!' e a multidão vai parar no chão, mijando de rir.Isto é território livre e um céu lindo! Já não há quem possa parar essa missa endemoninhada, nem Alien Registration Number, Border Patrol ou Migration Control e toda a laia de racistas está indo p/ o caralho toda a merda policamente correta.E abaixo os muros."
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Marcela.Santos 12/11/2020

A realidade em forma de história fictícia
O drama de uma espalhola perdida nas prisões da América, lugar onde ironicamente ela havia buscado a liberdade achando ser o paraíso para se viver.

Ian Rose um pai que ama seu filho sendo a única coisa que lhe restou.

Sleepy Joe, um homem com comportamentos duvidosos, temperamento nada comum com suas particularidades estranhas da qual todo mundo tem receio.

Ao longo da história a autora nos mostra ao longo da narrativa de forma bem clara como o preconceito esta impregnado na sociedade, sobretudo nos Estados Unidos, muitas vezes mostrado pela mídia sendo o país perfeito, os estrangeiros são tratados de forma grosseira pela raça, etnia, língua, e o modo como não são bem vindos, a falta de dignidade e respeitos não lhes é dada e saber que isso tudo é muito real e presente na sociedade de hoje em dia é triste.

A leitura por muitas vezes é densa, a autora se prolonga demais, da voltas e voltas, muitas vezes me vi pulando linhas e parágrafos. O que ajuda a fluir são as muitas histórias contadas, e como os personagens são apresentados, conhecemos o íntimo de muito deles, a descrição de ambiente, lugares, pessoas tudo muito bem feito.
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Ve Domingues 23/09/2020

Sabe aqueles livros que você não consegue largar? Me senti assim ao longo das 518 páginas de "Hot Sul".

A trama é fragmentada e você tem a sensação que são múltiplos narradores. Por não ter uma narrativa linear, ler esse livro é como montar um quebra-cabeça: as peças são encontradas pouco a pouco e você se surpreende com os elementos que surgem.

É um thriller, mas é também uma história sobre sonhos e perdas. María Paz é uma jovem latina que passou a desejar uma vida melhor nos Estados Unidos, como tantas outras pessoas. No entanto, ela foi acusada de matar o marido e acaba presa. A partir desse momento, esforça-se para provar sua inocência e não perder a esperança. O problema é que existe uma ameaça ainda maior fora da cadeia. Será que ela vai conseguir vencer os obstáculos que a vida lhe impõe?

Afinal, que América é essa que tantos sonham? Ela realmente é real para alguém? No livro, diversos imigrantes, não apenas latinos, tentam transformar os Estados Unidos em lar, mas sempre falta algo, eles nunca são tratados como iguais. Por outro lado, os personagens nativos também não se sentem acolhidos por essa grande nação.

E essa situação se repete em todos os cantos do mundo. Quantas pessoas efetivamente se sentem parte de uma grande nação? Sentem que têm seus direitos preservados? Sentem que podem contar com o Estado? Se sentem protegidas?
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Crônicas Fantásticas 15/09/2020

Hot Sul
Resenha por Cintia Ferreira

Título: Hot Sul | Autora: Laura Restrepo | Editora: Bertrand Brasil | Gênero: thriller | Páginas: 518 | Ano de publicação no Brasil: 2016 | Nota: 4,0 / 5,0

Se já é difícil ser imigrante em um país xenofóbico imagine só ser imigrante e acusada injustamente de assassinar o marido? Hot Sul foi lançado no ano de 2013 e escrito por Laura Restrepo, jornalista colombiana, vencedora de prêmios como Sor Juana Inés de la Cruz, Prix France Culture e Alfaguara. A narrativa é contada sob o ponto de vista de três personagens: Cleve Rose, Ian Rose e María Paz.

O contexto histórico em que o livro foi escrito é marcado por números gigantescos de imigrantes em territórios americanos. Em 2011, segundo fontes de pesquisa, cerca de 11,5 milhões de imigrantes não autorizados viviam nos Estados Unidos.

A história se passa em terras americanas, com um panorama detalhado de como era a vida dos americanos e imigrantes que lá chegavam em busca de oportunidades. Quanto aos personagens principais, Cleve Rose é um professor que trabalha em oficinas de escrita criativa para detentas no presídio Manninpox. Ian Rose é o pai de Cleve, que só conheceu María Paz após a morte do seu filho.

María Paz é uma jovem imigrante colombiana que chega aos Estados Unidos com a mãe Bolívia e a irmã Violeta, que apresentava características de uma criança autista, para “tentar uma nova vida”, e acaba confinada ao presídio Manninpox, acusada de matar o marido.

A história se inicia de uma forma bastante macabra: dois jovens irmãos tentando entrar numa seita religiosa. Trinta anos depois uma nova história macabra se inicia com o brutal assassinato de um homem, cujo rosto fora dilacerado e o corpo encontrado pregado numa cruz.

Um thriller intenso e com perfis psicopatas passa a ganhar espaço no romance de Restrepo. Ciúme, assassinato e mistério marcam a narrativa até a descoberta de Ian Rose sobre a existência de María Paz e a sua conexão com seu filho Cleve.

A protagonista da história, María Paz, é acusada de ser a assassina do seu próprio marido, ela participou de oficinas de escrita criativa ministrada por Cleve enquanto esteve na penitenciária de Manninpox. Nessa oficina, as detentas eram convocadas a escrever uma espécie de autobiografia.

Tempos depois, quando não mais havia as oficinas, o pai de Cleve, o Sr. Ian Rose, recebe uma correspondência, após a morte do filho, contendo manuscritos com as memórias autobiográficas de uma detenta e, por meio desses manuscritos, passamos a conhecer María Paz, a jovem colombiana cuja felicidade e sonho americano pareciam inalcançáveis.

O livro retrata muito bem a utopia de se desfrutar o sonho americano, a desilusão e a falta de suporte que os latinos enfrentam nos Estados Unidos. Laura Restrepo faz críticas ao regime de trabalho desses imigrantes, ao sistema carcerário americano para os estrangeiros, às condições das mulheres dentro de um presídio, tudo com muita riqueza de detalhes.

Hot Sul é cheio de referências à cultura latina, retrata a história de muitas famílias que saem em busca de uma nova vida e acabam se separando na esperança de um dia se reencontrarem com uma condição melhor para oferecer. María Paz, em seu manuscrito, descreve toda a trajetória da mãe, que passou anos longe das filhas, nos Estados Unidos, em subempregos, submetendo-se até mesmo à prostituição para conseguir o tão sonhado visto e trazer as filhas para perto.

É um bom livro com uma forte crítica social sobre a vida dos imigrantes na América. A narrativa contada sob a ótica de diferentes personagens torna a leitura um pouco extensa e extremamente descritiva. O clímax da história acabou acontecendo cedo demais e talvez tenha sido um ponto fraco para quem estava esperando que isso demorasse mais para acontecer. Para quem gosta de mistério, vai se identificar também com o suspense em torno dos assassinatos ocorridos no livro.

Leia mais resenhas em cronicasfantasticas.com.br

site: https://cronicasfantasticas.com.br/2019/09/23/hot-sul/
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Suzi 29/02/2020

Interessante
A história é densa, um tanto morosa em algumas partes, mas após a metade a história avança com um ritmo mais investigativo, dando vazão na leitura. Os capítulos são intercalados entre os
acontecimentos de uma presidiaria, um professor/escritor e seu pai.
As histórias dos 3 personagens se cruzam quando o pai recebe uma correspondência destinada ao filho, onde Maria Paz, a presidiária conta sua história, seus sonhos e decepções em solo americano e tem esperança de que o escritor a ajude a transformar em livro. Conforme o pai investiga sobre Maria Paz, descobre alguns fatos sobre seu filho e também sobre a vida clandestina e submersa existente nos EUA, assim como acaba envolvido em uma trama policial.
Curiosidade: a autora dedica seu livro a Javier, um preso latino que ela não conhece pessoalmente, mas com quem ela se corresponde ou correspondeu por 20 anos, o que a ajudou a desenvolver a história.
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Maria - Blog Pétalas de Liberdade 08/09/2016

Muito mais do que eu imaginava
"- O que quero que saiba, senhor Rose, é que o perigo está por perto. Tem estado vagando por aqui. E talvez tenha entrado nesta casa." (página 324)

A história é contada basicamente sobre três pontos de vista: o de Cleve Rose, um jovem escritor de histórias em quadrinhos, que foi trabalhar como professor de escrita criativa num presídio feminino chamado Manninpox, o de María Paz, pseudônimo escolhido por uma jovem nascida na Colômbia mas que morava há um bom tempo nos Estados Unidos e que estava presa em Manninpox, e o de Ian Rose, pai de Cleve.

Cleve procurava estimular suas alunas a escreverem, e foi especialmente importante para María Paz, para que ela pensasse sobre sua história. O rapaz tinha ido morar com o pai para se reaproximar dele, já que, por causa da separação de Ian e de sua esposa, eles ficaram um pouco afastados. A relação dos dois parecia ir bem, até que Cleve morreu (isso acontece bem no começo, no segundo capítulo, então, creio que não vá comprometer a leitura de ninguém). Abalado pela morte do filho, Ian começa a tentar saber mais sobre ele, já que o tempo que passaram juntos foi muito curto, e descobrir mais sobre María Paz, a aluna favorita de seu filho, parece ser uma forma de manter Cleve vivo em sua memória, especialmente quando Ian recebe um manuscrito de María, onde ela conta sobre sua vida na esperança de que Cleve pudesse transformá-lo em livro.

"É preferível que lhe dê um nome de flor, que disso ela gosta; das flores, das pedras, das árvores, de tudo o que está semeado, preso na terra, o que permanece em seu lugar e não se move nem vai embora. Ponha Violeta, que é uma flor esquiva e temperamental. Assim é ela, minha irmãzinha, tímida, mas terrível. Parecem coisas opostas, tímida e terrível, mas não são, combinam bem com a personalidade da minha irmãzinha. Acho que Violeta lhe cairia bem porque é um nome doce, quase silencioso, e ao mesmo tempo está a apenas um N de violenta." (página 48)

María tinha uma irmã, Violeta, e um marido que já foi policial, Greg; por que ela teria ido parar no presídio de Manninpox? Qual teria sido o seu crime? Como e quando Ian encontraria María? Durante a leitura, essas questões vão surgindo e se resolvendo, mas o que lhes garanto é que "Hot Sul" é um livro cheio de surpresas, onde é impossível prever como as histórias dos protagonistas vão se encontrar.

"Em algum momento tiraram minha foto, a famosa foto de frente e de perfil dos presos, e me deram um número, o 77601-012. Eu lhe asseguro, mister Rose, que naquele momento, senti que talvez fosse me salvar. Pelo menos já tinha um número, estava anotada em algum registro e se um dia Violeta perguntasse por mim lhe diriam que não era culpa minha que não tivesse voltado a visitá-la. Se sumirem comigo, pensava, terão de prestar contas a alguém, será aberta uma investigação sobre essa 77601-012 que está em algum lugar.
A foto que tinham acabado de tirar seria minha garantia de sobrevivência." (página 238)

O que me fez querer ler "Hot Sul", além do título e da capa interessantes, foi o fato de ter sido escrito por uma autora latino-americana, e eu tenho tentado, sempre que possível, ler mais do que é produzido pelos sul-americanos. O tema da imigração, especialmente para os Estados Unidos, o tal sonho americano de fazer fortuna lá, que muitas vezes é só uma ilusão, e a vida nos presídios também são temas que me interessam e são abordados na obra. Porém, "Hot Sul" foi muito além do que eu esperava; em determinado momento, até parecia que tinha virado uma história de terror (como comentei lá no Instagram, e isso foi bem depois daquela parte, também no segundo capítulo, em que o rosto de um homem é arrancado).

"Cozinhei com emoção, quase com lágrimas nos olhos, juro, é uma verdadeira cerimônia isso de preparar a sua própria comida em terra estranha, é algo patriótico, como cantar o hino ou içar a bandeira, você sente que aquilo que está fervendo na panela é você mesma, seus antepassados, sua identidade." (página 189)

Eu gostei do livro e é uma leitura que recomendo; talvez pela resenha eu não consiga passar a dimensão surpreendente que a história toma, e nem é algo que eu de fato queira fazer, pois quero que vocês também possam se surpreender quando estiverem lendo. Ainda assim, preciso ressaltar que não é um livro que vá ser lido rapidamente, pois é grande, com capítulos longos, e os parágrafos também são extensos (talvez seja uma característica da literatura sul-americana, como acontece em "Cem anos de solidão"). Confesso que, para mim, o clímax da história pareceu chegar antes da hora, fazendo com que uma cena muito aguardada acabasse não sendo tão impactante assim, fiquei querendo algo mais no "embate entre o bem e o mal", algumas palavras ficaram por ser ditas, o capítulo final não foi tudo o que eu esperava. De qualquer forma, reafirmo que é uma leitura interessante por trazer personagens bem construídos (meu preferido é o Ian Rose) e falar sobre o que há de ruim e de bom nas pessoas, com seus sonhos, seu desejo de vingança, seus erros e acertos, sua humanidade.

Sobre a edição: capa bonita, páginas amareladas, alguns erros de revisão, margens e espaçamento de bom tamanho e letras um pouco menores do que os últimos livros que li.


site: http://petalasdeliberdade.blogspot.com.br/2016/09/resenha-livro-hot-sul-laura-restrepo.html
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Autora Nadja Moreno 04/09/2016

Muito bem construído!
Hot Sul é um livro denso e profundo acerca da vida, do quotidiano e das pessoas que estão sempre em busca de autoafirmação neste mundo cada vez mais estereotipado e egocêntrico, embora a evolução indique que deveria ser diferente. É também um livro denso e arrepiante sobre serial killers e as capacidades humanas, até onde um psicopata pode chegar e as consequências de seus atos. É denso não só pela escrita, um tanto morosa nos dois primeiros terços mas totalmente envolvente e arrepiante em todo ele, mas também pelo que trata e a forma com que trata.

Há uma crítica nada velada em suas páginas. A América do Norte, que a princípio deveria ser o local onde os sonhos se realizam, acaba sendo o local de profundo martírio, desilusão e falta de reconhecimento para as centenas de milhares de latinos que por lá desembarcam cheios de esperança. É um tanto incômodo enxergar este sentimento que, mesmo que o saibamos, nem sempre o vemos escancarado como nestas páginas. Faz uma referência interessante sobre a questão da “limpeza”, visto que a maioria dos imigrantes acabam assumindo este tipo de trabalho nas residências e empresas dos americanos. Nestas páginas a autora faz uma crítica quanto a este aspecto através de nuances de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) ligado à mania de limpeza.

Critica também veementemente o sistema carcerário quando o detento é estrangeiro. Desde a questão da comunicação em língua local obrigatória até o descaso, descuido e atitudes que beiram o crime quando se trata da saúde destes detentos. Nenhuma destas críticas soam como argumentação adicionada à história nem parece algo pedante. Tudo acontece no meio da narrativa toda e a crítica surge entrelaçada aos relatos da vida de Maria Paz, ora feitos por ela mesma em seu manuscrito, ora feitos por pessoas que o Sr. Rose interpela para saber mais sobre esta enigmática mulher, ora feitos pelas anotações de Cleve. O livro transita entre tempos muito bem, fazendo com que o quebra-cabeças seja montado na mente do leitor e ele possa ver todo o conjunto da história sob diversos ângulos e nuances.

A protagonista desta história é Maria Paz, detenta, acusada de matar seu marido. A forma com que a conhecemos é única e interessante. Ela conhece Cleve quando este vai dar aulas de Escrita Criativa no presídio. Algum tempo depois, quando as aulas já não existem e nem tampouco Cleve, o Sr. Rose, pai de Cleve recebe um manuscrito. Era Maria Paz apresentando sua autobiografia. E foi com esta autobiografia um tanto quanto “conversante” que a conhecemos. Praticamente vemos sua alma, devido aos sinais e breves comentários inseridos neste manuscrito. Nele Maria Paz desnuda a alma e posso dizer que ela se materializa na mente do leitor de forma tão bruta que quase sentimos seu hálito, como que sussurrando suas histórias em nosso ouvido.

O início da trama remete ao thriller, visto que apresenta flashes de acontecimentos que lá na frente farão sentido no conjunto da obra. Eu particularmente gosto muito destes inícios que soam um tanto fragmentados, mas que deixam janelas abertas que fazem o plano de fundo da obra. A dinamicidade ideal para começar uma obra de mais de 500 páginas!

Inclusive, o thriller está muito presente nestas páginas, afinal há assassinatos, há a investigação do Sr. Rose para conseguir que o filho lhe fale mesmo após sua morte, há toda uma trama intrincada de ciúmes, possessividade e psicopatia que vai se revelando aos poucos e chega ao seu ápice lá pela terça parte do livro. Neste ponto o livro se transforma em um thriller dos bons, depois de dezenas e dezenas de páginas apresentando este quotidiano controverso e difícil. A obra se transforma e vamos entendendo os detalhes de tudo o que foi apresentado até então e notamos que há muito mais por detrás daquilo que víamos. A balança enter o thriller e o quotidiano está espetacularmente equilibrada. O thriller faz par com a “vida real” de Maria Paz, de Cleve e de Sleepy Joe e presenteia o leitor com muito conteúdo. Autores como Laura Restrepo afirmam o nome deste blog… Escreve com arte, sem dúvida!

Em suma, posso dizer que Hot Sul é um livro composto por vários livros, várias histórias, todas elas visceralmente interligadas. O leitor deve ler com calma e atenção as trezentas páginas iniciais, para poder saborear com toda intensidade tudo o que acontece nas duzentas páginas seguintes. Tudo faz sentido, tudo é interligado, tudo contribui para que o leitor se deleite com tamanha capacidade criativa da autora. É um livro espetacular.

Em se tratando de edição, a Bertrand Brasil segue sua tradição, com uma obra séria, bem feita, cuidadosa. Páginas em papel Pólen, margens e fonte adequadas para longas leituras, tradução e revisão cuidadosas. Faz jus à qualidade da trama. Enfim, recomendo fortemente a leitura de Hot Sul!

site: http://www.escrevarte.com.br/2016/09/resenha-hot-sul-de-laura-restrepo-bertrand-brasil.html
Isabela1177 26/06/2017minha estante
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